Camilo Alves: corrida em terrenos macios - vantagens e desvantagens

Atualizado em 02 de agosto de 2024

Por Camilo Alves*

O treinamento de corrida para amadores geralmente ocorre em parques públicos e na rua. Diferente de outros países, em que existem pistas públicas (como por exemplo os Estados Unidos) ou trilhas para se correr próximo a cidade, a realidade do corredor brasileiro é literalmente bater os pés no asfalto. Ainda assim, existem alguns locais em que é possível realizar treinos em grama, terra ou até pistas de atletismo. A prática de corrida em terrenos diferentes do concreto e asfalto é recomendada por alguns treinadores com a intenção de reduzir a sobrecarga sobre o aparelho locomotor dos atletas. Além disso, cada vez mais corredores procuram as pistas de atletismo para realizar os treinos de tiro. Se por um lado só se vê vantagens em fazer tais mudanças, é importante que se entenda os possíveis efeitos que a transição de terreno pode causar, sejam elas vantajosas ou deletérias.

Segundo Jack Daniels em 2009, correr em terrenos acidentados, pode ser vantajoso a preparar-se para terrenos em que são mais planos e com menos obstáculos, apesar disso, a mecânica de corrida pode ser alterada a depender do tipo de superfície em que se está correndo.  De fato, na revisão sistemática com metanálise (maior nível de evidência científica possível) de Mitchel e colaboradores em 2023, constatou-se que correr em superfícies mais “macias” diminuem o pico de aceleração da tíbia no ataque ao solo, de uma maneira mais clara, reduziria o stress sobre a tíbia diminuindo a chance de lesões por stress que são muito comuns em corredores. Em outro estudo, menos recente mas publicado por brasileiros, foram vistas diferenças significantes entre os picos de pressão plantar em superfícies rígidas (asfalto e concreto) para solos mais macios ( grama ou borracha), segundo os autores desse estudo, correr em superfícies mais macias realmente pode reduzir o stress sobre o aparelho locomotor podendo diminuir a chance de lesão ( TESSUTI e colaboradores, 2012).

Apesar das evidências a favor de se correr em diferentes terrenos, no estudo de WANG e colaboradores 2012, foi visto que a correr em grama ou em pista pode trazer um aumento do tempo de contato com o solo, diminuindo então um dos parâmetros de economia de corrida, variável importantíssima para uma melhor performance. Ainda, nos estudos de Ferro-Sanchez em 2023 e Shen em 2020, demonstrou-se que correr em terrenos macios pode afetar a biomecânica da corrida quando comparada a outras superfícies, algo que nem sempre pode ser positivo uma vez que o aparelho locomotor pode estar adaptado a uma mecânica de corrida.

Fazer treinos em terrenos mais macios pode ser uma estratégia interessante para diminuir o stress sobre o aparelho locomotor, contudo não é a solução para todos os problemas. É importante que a mudança de terreno seja planejada e introduzida aos poucos já que mudanças na mecânica de corrida podem acontecer. Para corredores que fazem mais de uma rodagem na semana, seria interessante colocar uma delas na grama ou terra, isso ajudaria reduzir o stress sobre o aparelho locomotor e ao mesmo tempo não exporia o atleta a altos volumes com uma mecânica muito diferente do habitual!

Referências 

TESSUTTI, Vitor et al. Attenuation of foot pressure during running on four different surfaces: asphalt, concrete, rubber, and natural grass. Journal of sports sciences, v. 30, n. 14, p. 1545-1550, 2012.

Cameron Mitchell, Sarah McDonnell, Karina Oganezova, David Mockler & Neil Fleming. (2023) The effect of surface compliance on overground running biomechanics. A systematic review and meta-analysis. Sports Biomechanics 0:0, pages 1-25.

Wenxing Zhou, Lulu Yin, Jiayi Jiang, Yu Zhang, Cheng-pang Hsiao, Yiyang Chen, Shiwei Mo & Lin Wang. (2023) Surface effects on kinematics, kinetics and stiffness of habitual rearfoot strikers during running. PLOS ONE 18:3, pages e0283323.
Crossref

MILTKO, Adriana et al. The influence of surface and speed on biomechanical external loads obtained from wearable devices in rearfoot strike runners. Sports biomechanics, p. 1-15, 2022.

BOEY, Hannelore et al. The effect of three surface conditions, speed and running experience on vertical acceleration of the tibia during running. Sports biomechanics, v. 16, n. 2, p. 166-176, 2017.

WANG, Lin et al. Comparison of plantar loads during running on different overground surfaces. Research in Sports Medicine, v. 20, n. 2, p. 75-85, 2012.

FERRO-SÁNCHEZ, Amelia et al. An analysis of running impact on different surfaces for injury prevention. International journal of environmental research and public health, v. 20, n. 14, p. 6405, 2023.

*Camilo Alves é diretor-técnico da RunFun Assessoria Esportiva, ultramaratonista e colunista dos sites Ativo.com e O2 Corre.