Camilo Alves: estratégia de prova - qual é a melhor ideia?

Atualizado em 19 de julho de 2024

Por Camilo Alves*

Todo o praticante de corrida já passou ou irá passar pela famosa “quebra” em um treino ou prova. “Quebrar” significa que o atleta não conseguiu correr no ritmo estabelecido, seja em um tiro dentro de um treino ou até em uma prova. Não conseguir sustentar um ritmo em treino é algo relativamente comum e que faz parte até do processo de treinamento e aprendizado. Quando pensamos em provas, é preciso ter em mente que é uma outra situação, são semanas e até meses de dedicação para que se possa chegar naquele evento, “quebrar” em uma maratona, mais do que frustrante, pode ser traumatizante! Para além das variáveis que permeiam os treinos, deve-se pensar em como planejar a prova para que a chance de êxito seja maior.

É muito comum justificar quebrar em uma maratona ou em qualquer prova, por variáveis como falta de alimentação, hidratação, suplementação, ou até ausência de algum treino no ciclo preparatório. Ainda assim, é possível que mesmo que o atleta faça tudo certo em relação ao que foi citado, acabe não conseguindo sustentar o ritmo planejado mesmo que tenha treinado exaustivamente para isso! Dessa forma, são feitas diversas ponderações, explicações e suposições que muitas vezes não levam a lugar nenhum e que excluem a estratégia de prova como fator determinante para êxito!

Para sustentar o ritmo de prova o sistema nervoso central (SNC) faz uma série de leituras durante a prova que vão dando conta dos estoques de energia e capacidade que o atleta tem de sustentar o ritmo de prova por mais tempo (NOAKES, ST CLAIR GIBSON & LAMBERT, 2005). Essa proposição que mais tarde foi chamada de teoria do governador central (NOAKES, ST CLAIR GIBSON & LAMBERT, 2005), explica que existe uma estrutura dentro do SNC responsável por entender o status do atleta durante a corrida. O governador central, teria a capacidade de prever se o atleta irá ou não conseguir sustentar o ritmo até então mantido! Pelo que parece esse governador central pode ser influenciado por questões de estado de humor, alterações psicológicas e por experiências prévias do atleta, ou seja, treinar o ritmo de prova durante o processo de treinamento pode ser uma boa ideia para “ensinar” o governador central sobre esse ritmo.

No livro de Bertuzzi e colaboradores em 2017, existe um capítulo que se fala sobre estratégias de provas para atletas de Endurance. Nesse livro são citadas diversas possibilidades de conduta para correr uma prova. Em termos práticos e mais comuns para atletas amadores, pode-se destacar três estratégias:

  • Positiva: Início forte com decréscimo da velocidade ao longo da prova;
  • Negativa: Largada mais lenta com velocidade crescente ao longo da prova, geralmente com a segunda metade mais rápida que a primeira metade;
  • Constante: O atleta mantém constante o ritmo do começo ao fim da prova.

Algumas questões podem ser explicitadas a respeito de cada uma para que se possa escolher a melhor alternativa na hora de montar a estratégia. A estratégia positiva geralmente está relacionada a um início mais intenso, dentro disso, se o início for intenso demais é possível que haja um gasto energético exagerado e que isso não seja possível de recuperar ao longo da prova (ABBISS & LAURSEN, 2008). Em outras palavras, pode haver um desgaste acentuado que o atleta fatalmente não conseguirá lidar com isso, portanto começar uma prova forte precisa ser um até de cada atleta. A estratégia negativa, por outro lado parece ser a mais indicada quando se fala de provas de longa duração. Segundo Abbiss & Lauresen em 2008, a estratégia negativa faz com que o atleta poupe bastante de suas reservas energéticas que podem ser usadas ao final da prova, a questão é que a maioria dos estudos não se ateve a provas de maratona, ou seja, preservar reservas energéticas em uma meia maratona é diferente quando pensa-se no dobro da distância. Por fim tem-se a estratégia constante, nesse sentido, a pouca variação de ritmo dentro da prova faz com que o atleta poupe muita energia e que isso faça com que ele consiga então sustentar o ritmo de prova de maneira mais eficaz (CARMO et al, 2012)

As estratégias de prova são aplicadas em um evento depois de um extenso programa de treinamento. Nesse sentido são trabalhadas diversas capacidades que “desembocam” em uma melhora de performance que será refletida no ritmo a ser executado na prova. Experimentar o ritmo de prova antes do “grande dia” parece ser uma boa estratégia. Dentro dessas 3 possibilidades, é importante dizer que não existe alguma que pode ser aplicada para todos os atletas e que funcione de maneira superior as outras. Além de tudo que foi citado vale também o conhecimento do treinador e do atleta a respeito de como o corredor se sente melhor dentro de cada conduta.

Referências

ABBISS, C.R.; LAURSEN, P.B. Describing and understanding pacing strategies during athletic competition. Sports Medicine, Auckland, v.38, n.3, p.239-52, 2008

BERTUZZI, Rômulo Cássio de Moraes; CRUZ, Ramon; LIMA-SILVA, Adriano Eduardo. Aptidão aeróbia: passado, presente e futuro. Aptidão aeróbia: desempenho esportivo, saúde e nutrição, 2017.

CARMO, Everton Crivoi do et al. Estratégia de corrida em média e longa distância: como ocorrem os ajustes de velocidade ao longo da prova?. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 26, n. 02, p. 351-363, 2012.

NOAKES, T.D.; ST CLAIR GIBSON, A.; LAMBERT, E.V. From catastrophe to complexity: a novel model of integrative central neural regulation of effort and fatigue during exercise in humans: summary and conclusions. British Journal of Sports Medicine, Loughborough, v.39, n.2, p.120-4, 2005.

*Camilo Alves é diretor-técnico da RunFun Assessoria Esportiva, ultramaratonista e colunista dos sites Ativo.com e O2 Corre.