Um estudo feito pela BBC em 2017 aponta que, dos 44 esportes que pagam prêmios em dinheiro no mundo, 35 oferecem recompensas iguais para homens e mulheres da mesma modalidade. O ciclismo, no entanto, faz parte da menor fatia. A desigualdade na remuneração ainda faz parte da realidade no universo das bikes, sobretudo nas competições organizadas no Brasil.
Em fevereiro, o campeonato nacional de ciclismo BMX pagou R$ 1.500 ao campeão da categoria masculina, e quase um terço do valor para a primeira colocada entre as mulheres (R$ 560). As provas de estrada costumam apresentar o mesmo problema.
Mas afinal, quais são os argumentos dos organizadores das provas e da Confederação Brasileira de Ciclismo para justificar o abismo entre os gêneros nas premiações? Uma das alegações é que o número de mulheres inscritas é menor, tornando mais enxuta a quantia a ser repassada às participantes. O fato de homens percorrerem quilometragens maiores também é citado com alguma frequência, inclusive nas principais competições internacionais.
No Giro Rosa, versão feminina do Giro D’Italia, as mulheres rodam 1.008.62 km em dez etapas, enquanto os homens pedalam 3.609.1 km em 21 dias. Mas o fator quilometragem não diminui a insatisfação das competidoras. Em 2015, a italiana Giorgia Bronzini, campeã de uma das etapas do Giro Rosa, ironizou os valores destinados às mulheres. Na ocasião, ela levou 525 euros após sua vitória – aproximadamente metade do que embolsaram os homens que vestiam a maglia rosa.
“Estamos muito longe de onde estão os homens”, reclamou Bronzini. “Quando eu ganhei o Giro Rosa, dividi o dinheiro com os meus colegas de equipe. Se eu faço isso, talvez fique com 50 euros. Com esse valor, posso ir comer uma pizza com eles. As mulheres devem ter mais atenção quando falamos de patrocinadores e televisão“, opinou.
Os apelos femininos começaram a gerar mudanças no ciclismo. Acompanhando as transformações da sociedade, a organização do Tour Down Under anunciou em janeiro que, pela primeira vez na história, o prêmio feminino será igual ao masculino a partir de 2019. Assim, as bolsas femininas serão seis vezes maiores, passando de AUS$ 15.000 (R$ 37.500) para AUS$ 90.000 (R$ 225.000).
A VO2 conversou com Ana Paula Polegatch, bicampeã nacional de contrarrelógio, Flávia Oliveira, ciclista que representou o Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, e Jean Coloca, campeão do ranking brasileiro de estrada em 2010, para repercutir as diferenças nos prêmios recebidos por eles. Confira as diferentes opiniões a respeito do assunto:
“Se fosse igual, eu acho que seria ótimo, mas, se conseguissemos ao menos ganhar proporcionalmente às distâncias, seria um bom começo. Quando eu conquistei a camisa de montanha do Giro Rosa,em 2015, a premiação total depois de dez dias de corrida foi só 350 euros. Não vejo como equipes conseguem retorno financeiro. Na verdade, gastam muito mais para participar.”
“As distâncias na Europa já estão aumentando significativamente, várias provas já aumentaram o percurso feminino. O Mundial deste ano, que será na Áustria, vai ter muita subida e cobre 162 km de distância no feminino. Já estão vendo que também podemos competir por mais km. A fisiologia humana, de uma certa forma, não ajuda o sexo feminino, já que a nossa produção natural de testosterona é mais baixa que a do homem. Dificultaria muito mais se corrêssemos 256 km. Até mesmo os homens têm problemas com isso, na minha opinião.”
“Fazemos tanta força quanto os homens. Treinamentos tanto quanto eles. Merecemos premiações equivalentes. Para o organizador, talvez não compense dar uma premiação igual para as mulheres, mas as atletas merecem. Se for analisar pau a pau, o esforço é o mesmo. A prova feminina pode ser mais curta, mas é intensa do mesmo jeito. Quanto mais curta é a prova, pior. Tem mais ataque. Nos sentimos injustiçadas”.
“É óbvio que as meninas vão falar que tem que ser igual. Mas vamos falar do que realmente acontece. No último fim de semana, disputei uma prova em São Bernardo do Campo, o 1º Festival São Bernardo de Ciclismo. A categoria elite masculina largou com 75 atletas. Sabe quantas meninas largaram? Sete. É uma pena, mas o ciclismo feminino não vinga. Não investem em estrutura.”
“As premiações têm que ser proporcionais. Não precisa ser um buraco tão grande. Dez anos atrás, a Copa América de Ciclismo pagava R$ 5 mil para o campeão e R$ 1 mil para a campeã. Mas imagina o quanto eu preciso me preparar para uma prova de 20 dias e o quanto uma menina precisa se preparar para uma prova de 10 dias. É impossível exigirem a mesma coisa. Os organizadores não têm como colocar as mesmas premiações, uma vez que o número de pessoas e voltas é mais reduzido. Se fosse igual, com certeza não seria assim.”
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