Pedalar num dos lugares mais secos do mundo, a 2.400 metros de altitude, onde a amplitude térmica garante calor intenso durante o dia e temperatura gélida à noite, não é muito simples. Mas se estivermos falando de uma aventura de bike no Deserto do Atacama, no Chile, de uma coisa o ciclista pode ter certeza: é recompensador. Qualquer contratempo é compensado pela garantia de um pedal inesquecível num lugar onde tudo é superlativo — muito alto, muito seco, muito frio, muito quente e, claro, muito bonito (confira na galeria de fotos no final da matéria).
San Pedro de Atacama é um vilarejo próximo à Cordilheira dos Andes, vizinho à Bolívia, e cercado por maravilhas como salares, gêisers, dezenas de vulcões e lagoas, desfiladeiros e montanhas. Nessa região de paisagens únicas há alguns lugares onde nunca choveu e o visual monocromático de ruas de terra batida e construções de adobe faz tudo parecer um cenário de filme. E dos bons.
O pedal
Há várias agências que alugam bikes boas e bem cuidadas no centro, o que torna desnecessário o esforço de despachar a sua a partir do Brasil. O aluguel sai a partir de 3 mil pesos chilenos (R$ 15) o período de 4 horas a 7 mil pesos (R$ 30) o dia todo. Meio período é suficiente para fazer essa rota, mas você pode querer ficar mais tempo curtindo a paisagem. Se fizer na parte da tarde, saiba que o pôr do sol do trecho final (Vale da Morte) é imperdível. Importante também fazer todo o abastecimento de água e alimentos na cidade, pois no caminho não há infraestrutura — e, acredite, vai precisar de muita água, mesmo sendo um pedal curto como este, de cerca de 30 km.
Estávamos em dois ciclistas e saímos do centrinho de San Pedro de Atacama, pegando uma via de terra batida plana que segue o leito do rio batizado com o mesmo nome da cidade. Trecho fácil, com placas indicando o caminho e fundo emoldurado pelo onipresente vulcão Licancabur, com seus mais de 5.900 metros na fronteira com a Bolívia.
A paisagem encanta, e o primeiro ponto de parada está só a 3 km, onde se encontra a Pukara de Quitor (Fortaleza de Quitor), sítio arqueológico pré-colombiano do século 12 construído por povos nativos e posteriormente habitado pelos incas. Como as ruínas ficam no alto de um morro, é preciso deixar as bikes no paraciclo antes de subir. A vista é belíssima e dá uma boa ideia do pedal pela frente. Erguida num ponto estratégico, a fortaleza ocupava um ponto bastante alto, e as construções foram colocadas em distintos níveis, com fins defensivos e de habitação. Pouco restou, entretanto, após a invasão dos espanhóis em 1540.
Depois de apreciar o visual, é hora de retomar as bikes. Seguindo um pouco na mesma estrada, passa-se uma ponte sobre o leito do rio San Pedro e toda a continuação é do outro lado. Não há segredo: sempre na estrada principal, de terra batida e alguns pontos de areia. Até a entrada para o túnel (antiga estrada para Calama) há placas indicativas e muitos turistas fazendo o trajeto. O pedal até lá é curto e vale muitíssimo a pena esticar até a Quebrada del Diablo. A Quebrada está poucos quilômetros à frente dessa entrada para o túnel, mas do lado oposto. Enquanto o túnel fica à esquerda, a Quebrada está à direita — mas não espere uma placa. A única pista para a trilha é uma árvore e um morro com uma cruz, mas esse pode até passar despercebido. Já a árvore, não. São pouquíssimas pelo caminho e você até agradece um pouco de sombra.
Antes de entrar na trilha da Quebrada, avance um pouco pela estrada principal. Ela leva à bucólica igreja de San Isido, um total de 12 km desde o centro de San Pedro. Não há nada depois, então volte para a Quebrada, onde está a verdadeira diversão. Um singletrack cercado por paredões com mais de 10 metros e tons indescritíveis. Formação geológica impressionante, esculpida há 23 milhões de anos pela erosão eólica e fluvial, numa mistura de rocha, sal, argila.
Amarelo, laranja, vermelho e marrom vão tingindo os murões de acordo com a hora do dia e a incidência do sol. Divirta-se no sobe e desce das passagens estreitas e siga em frente por um tempo nessa paisagem única, mas retorne pelo mesmo caminho. A vontade é seguir mais e mais para ver o que há, mas não há placas (e possivelmente nenhum outro turista), por isso torna-se perigoso quando surgem algumas bifurcações. A volta é em leve e deliciosa descida, ótima para quem está em dia com a técnica, pois o caminho exige certa destreza e há trechos inesperados de pedra e areia.
Já na estrada principal, é hora de seguir para o túnel. Volte um pouco e logo verá a placa indicativa. A partir daí encare a única parte dura do trajeto, uma subida de cerca de 2 km bastante íngreme, feita sob sol escaldante e sem sombras. Ao fim, o tão procurado túnel construído em 1930, que atravessa a Cordilheira de Sal e dá acesso à antiga estrada para Calama. Muitos chegam ao túnel e voltam pelo mesmo caminho, mas é possível dar uma volta e retornar pelo Vale da Morte, uma proposta bem mais interessante.
Mapas e minas
O túnel tem cerca de 100 metros de completa escuridão. É preciso descer da bike e caminhar com cuidado, pois há pedras grandes. Do outro lado, uma pegadinha. Com um mapa para turistas desenhado à mão, saindo do túnel é possível ver à frente uma duna, que bate com a descrição do mapa. Como se trata da estrada principal, não pensamos duas vezes e descemos por ela. Depois de pedalar bastante (incrível como o deserto cria sensações falsas de distância) passamos pela duna e percebemos que não era a que procurávamos. Pensamos estar em um caminho alternativo, do outro lado da duna em questão. A formação de rochas seduzia e enganava: com muitas curvas, pouco dava para ver
à frente, e havia sempre a esperança de que a cidade de San Pedro se descortinaria logo mais. Pedalamos algum tempo solitários nessa estrada até (por sorte!) deparar com uma bifurcação e uma placa que indicava um telefone de emergência a 9 km — embora sequer desse para saber para que lado estaria o telefone nessa encruzilhada. Definitivamente, não era por ali. Hora de dar meia volta e torcer para refazer o caminho corretamente até o túnel. Apesar do momento de apreensão, não houve problema em encontrá-lo.
Deveríamos ter desconfiado que as marcas inexistentes de pneus na areia indicavam um caminho pouco utilizado, e depois descobrimos que aquela estrada é con siderada perigosa, pois pode conter minas terrestres depositadas nas áreas fronteiriças do Chile na década de 1970 e que volta e meia ressurgem em acidentes.
Retornando ao túnel. O correto é, na saída dele, pegar a trilha à esquerda. Ela sobe o desfiladeiro e vai até o Vale da Morte. É uma trilha técnica, com muitos trechos em areia fofa e pedras — é preciso empurrar a bike por um tempo, pois ela sai diretamente na belíssima duna de sandboard, um paredão de 120 metros de areia dourada e fina. Ao descê-la, estará já no Vale da Morte. É interessante fazer esse passeio na parte da tarde para chegar na duna ao pôr do sol (atenção, no verão isso acontece quase às 21h!) para apreciar a profusão de cores. Outro momento para deixar um pouco a bike e explorar a área a pé.
Dali, já está bem próximo a San Pedro, bastando percorrer o Vale por um prazeroso caminho sinuoso de terra, que segue contornando mais formas geológicas curiosas. A saída fica na atual rodovia Calama–San Pedro (essa sim você pode pegar sem receios), e estará apenas a 4 km da cidade. Celebre o dia de pedal com uma taça de pisco sour, a bebida nacional, na charmosa pracinha central marcada pela igreja do início do século 16. Se ainda sobrou fôlego para se encantar com algo, faça o tour astronômico para observar o estreladíssimo e privilegiado céu do deserto.
Laguna Cejar
Outra ótima opção de pedal é até a Laguna Cejar, distante 25 km de San Pedro. Esse pedal não tem segredos, pois é quase todo feito em estrada, com placas indicativas. A chegada é na lagoa, onde a concentração de sal é tão alta que o corpo não afunda de jeito nenhum (como no mar morto). Lembre-se de tirar completamente o sal do corpo antes de voltar, pois combinado com o sol forte ele faz com que a pele queime mais rápido e ainda deixa as roupas duras quando seca. Há algumas outras lagoas próximas e salares para quem puder esticar. Vale a pena!
Dicas gerais
– Como Chegar
A porta de entrada é Calama (duas horas de voo de Santiago), cidade que se desenvolveu devido às jazidas de cobre. Calama está a 100 km de San Pedro. No pequeno aeroporto, serviços de táxis e vans. Há ônibus também saindo da rodoviária.
– Levar a bike ou alugar?
Com a quantidade, qualidade e preço das bikes para alugar em San Pedro, nem pense no esforço desnecessário (e os riscos) de levar a própria bike de avião. Boas Treks custam a partir de 3 mil pesos chilenos e há tipos variados (femininas, infantis, com carrinho etc.).
– O que Levar
Muita água — leve uma mochila com várias garrafas. Boné, óculos de sol e filtro solar são obrigatórios.
– Melhor época
Em geral, o Deserto do Atacama pode ser visitado durante todo o ano. No começo do ano (janeiro a março) pode chover alguns dias em San Pedro e durante o inverno (junho e agosto) a temperatura à noite pode ser negativa. Assim, as melhores épocas são a primavera (entre setembro e novembro) e o outono (entre março e maio).
– Prepare o fôlego
Lembre-se também de que você estará a mais de 2.400 metros de altitude e que a menor pressão atmosférica reduz a disponibilidade de oxigênio, então a respiração e os batimentos cardíacos ficam mais acelerados e a sensação de cansaço bate mais rápido. No retorno às baixas altitudes, porém, todo esse “perrengue” é revertido em benefícios, como aumento do VO2 máximo e do volume de hemácias (glóbulos vermelhos presentes no sangue). Depois de “descer a serra”, pedalar ou fazer qualquer exercício aeróbico nas duas semanas seguintes fica muito fácil, pena que o efeito passa logo.
Por Marina Gomes
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