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Em 1981 , Donald Appleyard, renomado pesquisador e professor de desenvolvimento urbano da Universidade de Berkeley (EUA), publicou o livro Liveble Streets (Ruas Habitáveis, em tradução livre) com base em suas pesquisas sobre como as pessoas vivenciam as ruas com diferentes volumes de tráfego. Ele mostrou pela primeira vez o efeito da quantidade de automóveis em circulação nas interações sociais de uma comunidade, além de como a habitação, ruas e bairros são percebidos pelas pessoas.
Num dado exercício, o pesquisador pediu para que moradores de ruas com tráfego diferenciado identificassem o espaço deles — o que consideravam como sendo o seu lar ou a continuidade dele. O resultado foi que quanto maior o volume de carros, menor era a identificação com o espaço público. Ou seja, nas ruas com trânsito pesado, as pessoas só conseguiram identificar a sua própria casa como o seu lar. Já naquelas com pouco trânsito, as pessoas identificaram a rua toda como parte do seu lar.
Assim, Appleyard descobriu que quanto maior o volume de carros em uma rua, menores são as interações sociais na comunidade. Um fato importante que deveria ter sido levado em conta quando os planejadores urbanos começaram a construir cidades para o tráfego de automóveis — se esqueceram de medir o impacto no estilo de vida de seus habitantes, tornando os ambientes mais impessoais, perigosos e estressantes.
Nós (Instituto Mobilidade Verde) resolvemos aplicar a mesma pesquisa de Appleyard em Afuá, município de 40 mil habitantes a noroeste da ilha de Marajó, no estado do Pará, delta do rio Amazonas — e o mais importante, uma cidade 100% livre de automóveis. Como seria a percepção das pessoas em relação ao espaço público onde
não há carros?
Ao todo, foram cem entrevistas, 20 depoimentos e uma oficina com três exercícios de Appleyard, além de reuniões com o prefeito e secretários municipais.
O resultado foi incrível, acima de nossas expectativas. Ao pedir para as pessoas relacionarem o que elas consideravam como lar num desenho de uma rua, grande parte
relacionou não só a rua toda como parte da sua casa, como também todas as praças, escolas, creches, hospitais, biblioteca, câmara e prefeitura como sendo espaço
delas. Chegamos à conclusão de que em uma cidade 100% livre de automóveis, as pessoas não têm somente uma maior relação com sua comunidade, mas também com sua cidadania e o meio ambiente ao seu redor.
O município de Afuá não tem carro ou qualquer outro veículo motorizado porque é proibido por lei, devido a uma particularidade da cidade, que foi construída sobre palafitas. Mas os habitantes parecem não se importar com isso. O veículo mais rápido é a bicicleta e, se depender dos moradores de lá, continuará assim por muito tempo. Nós
também perguntamos se eles se sentiam felizes em Afuá. Foi a única resposta com 100% de consenso.
Coluna publicada na revista VO2 Bike, edição 102
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