Henrique Avancini, 29, pedala “oficialmente” desde os oito anos de idade, quando participou de sua primeira competição de mountain bike. Carioca de Petrópolis, ele é hoje um dos maiores mountain bikers do Brasil – e do mundo. “Não gosto de dizer que sou apenas um mountain biker, sou um amante das bicicletas e do poder que elas têm”, diz.
Em ótima fase desde o ano passado, quando conquistou a quarta colocação no Campeonato Mundial, Avancini entrou recentemente para o Top 5 do ranking do MTB mundial, ficou com a terceira colocação geral na Cape Epic 2018 (junto com seu parceiro, o alemão Manuel Fumic) e acaba de vencer pela quinta vez a etapa de Araxá (MG) da CIMTB.
Conversamos com ele na sede da Cannondale, em São Paulo, sobre suas conquistas mais recentes no esporte, seus projetos fora da bike e sua vontade de ver o Brasil desenvolver uma cultura ciclística além do esporte. Confira:
Henrique Avancini: É o quinto ano consecutivo em que eu venço esta competição, que é uma prova com um nível muito alto. Vencer qualquer prova cinco anos seguidos é algo muito fora do comum para qualquer atleta, mas creio que no meu caso isso foi possível pelo que Araxá significa para mim, porque é um evento de muita importância não só para a mountain bike mas para a bicicleta no Brasil. Ver o poder do esporte como entretenimento saudável me inflama, ando com mais paixão em Araxá. Houve vezes em que cheguei lá para competir em muito boa forma, e houve vezes, como esse ano, em que não cheguei tão bem, e mesmo assim consegui vencer. Isso só é possível porque é uma prova que me motiva muito, onde vejo tudo que acredito que a bike pode proporcionar de uma vez só: grande proximidade com o público, uma feira para mostrar o poder da indústria da bike de gerar renda e emprego, e uma corrida de mountain bike com importância imensa para a cidade.
Estamos vivendo um bom momento, com uma indústria grande, forte, cenário esportivo positivo e um alto número de atletas que vivem profissionalmente do MTB. O Brasil tem bom clima e boa topografia para a prática do esporte, e tem rolado um boom no número de praticantes. Minha grande preocupação é transformar este boom em algo cultural, que ultrapasse o esporte. Seria legal incumbir nestas pessoas a questão cultural da bike, envolvendo seus amigos, sua comunidade, sua prefeitura – para assim ganharmos um esporte que tenha um corpo por trás da prática esportiva.
Talvez no Brasil as pessoas não tenham tanta clareza disso, mas para um mountain biker, a Cape Epic é talvez a maior consagração que se pode alcançar. Vencer a Cape Epic tem mais importância do que vencer os Jogos Olímpicos ou uma etapa de Copa do Mundo, pelo alcance que a prova tem e por tudo que o evento representa na história do esporte. Tive três participações, sendo que a primeira, em 2016, foi a realização de um sonho, um marco na minha carreira. Tenho um histórico muito positivo na prova: sempre fiquei no top 5 geral, vencendo pelo menos uma etapa – venci uma em 2016, duas em 2017, e duas esse ano, que culminaram com nosso terceiro lugar no pódio. Isso me abriu muitas portas no Brasil, para poder falar de mountain bike onde ele não costuma chegar. A África do Sul é um dos lugares que mais me inspira, pela cultura do mountain bike que foi construída lá – o que eu sonho ver no Brasil, vejo na África do Sul. E trata-se da África do Sul, um país com problemas mais acentuados do que os que temos no Brasil. Isso mostra o poder da bicicleta, que também aproximou muito algumas classes. O trabalhador rural passou a pedalar nas mesmas trilhas em que o fazendeiro trabalhava. Eles passaram a se conectar enquanto ciclistas, o que é muito maneiro.
Hoje em dia, tenho acesso a diversas coisas, muita abertura para expôr minhas ideias, conheço muitas pessoas e tenho muitos planos, mas não consigo executá-los, principalmente por falta de tempo, decorrente da minha agenda profissional. Não consigo, por exemplo, parar uma semana e executar um projeto social que adoraria fazer. Mas acredito que tudo tem seu tempo, minha carreira não será para sempre. Já realizo bastante coisa em paralelo à minha carreira, e acho que vai ser assim quando eu parar de competir.
Não gosto de botar data nas coisas, mas talvez eu não compita por muito mais tempo. Acho que física e mentalmente eu teria condições de competir até uns 36 ou 38 anos de idade, o que me daria mais umas dez temporadas, mas tenho outras ideias e ideais pelos quais lutar. Mas enquanto sentir que é algo que faz sentido e é benéfico para a bike e para as coisas em que acredito, estarei competindo, com total empenho.
Acho que sim, mas ainda é uma coisa muito rasa. O mountain bike tem um potencial muito inexplorado enquanto ferramenta de proteção da natureza. A maioria dos ciclistas pedala em matas e locais rurais e protegidos, mas pouquíssimas pessoas se preocupam com a manutenção destes lugares. Procuro ativar a consciência das pessoas em relação à manutenção das trilhas e do manejo sustentável dos terrenos. A maioria das pessoas pedala no mesmo lugar há anos e nunca foi na trilha para fazer um controle de erosão, uma retenção de água, qualquer tipo de controle do terreno, para que o esporte não seja algo que agrida a natureza. Isso é uma coisa que falta muito na consciência dos ciclistas ainda.
O MTB tem potencial para ser explorado economicamente, trazendo consciência ambiental e empregos para os lugares, para que as comunidades locais queira proteger suas matas e florestas. Quando criamos uma trilha em uma região isolada e trazemos fluxo de pessoas para lá, os locais não precisam desmatar a região para plantar ou criar gado, pois a área já rende. O que falta é gerar envolvimento com a bike por parte de quem não é da bike. Se você transmite a importância da bike para quem não pedala, transforma a bicicleta em algo mais cultural e menos pessoal. Hoje, no Brasil, a bicicleta é uma coisa muito pessoal. Quem pedala defende a bicicleta com unhas e dentes, mas quem não pedala não sabe e nem vê um benefício vindo da bicicleta. Temos que encontrar mecanismos para mudar isso. Temos uma dificuldade muito grande de olhar para questões que não são relativas à nossa vida ou a pessoas próximas de nós. A bicicleta tem o poder de mudar isso.
Tem bastante bateria aí? (risos). Prefiro falar de bike em geral do que de mountain bike especificamente, não gosto muito de dividir as coisas – eu sou um biker, amante da bicicleta, entusiasta da bicicleta. Para mim, a bicicleta foi um instrumento de Deus para transformar minha vida, e com a transformação da minha vida, consegui transformar a de outras pessoas. Sair para pedalar ou competir é muito mais do que um momento de bem-estar, um momento individual. Para mim, um bom treino ou competição é quase uma conversa com Deus, há um lado espiritual. E eu acredito na bicicleta como um transformador social, este é o grande poder da bicicleta. Não sonho em ver mais pessoas praticando MTB ou ciclismo de estrada, eu sonho em ver mais pessoas enxergando o quanto a bicicleta pode oferecer, e qual a importância da bicicleta, em grandes centros, zonas rurais, como opção de lazer, locomoção, esporte.
Sim. Moro em uma região isolada em Petrópolis (RJ), perto de uma reserva, para facilitar meus treinamentos, mas existe um comércio local próximo e acabo usando a bike para resolver várias coisas. Mas mesmo quando morava em uma região mais central, também aproveitava a conveniência da bike, que pouca gente enxerga ou quer experimentar.
Hoje em casa tenho cinco bikes: estrada, gravel, enduro, full e rígida. Mas como piloto de fábrica, acabo usando muitas bicicletas em um ano. Às vezes uso uma bicicleta que faz apenas uma competição e depois vai para um showroom ou uma feira, então não posso nem me apegar muito às bikes que tenho (risos). Mas sou um cara pouco materialista, guardo muito mais os momentos.
Tem três que eu tenho guardadas em casa: a primeira tem um valor sentimental enorme para mim, foi a minha primeira bike de MTB, que meu pai montou para mim, cortando e adaptando um outro quadro. Eu quebrei essa bike quando passei reto em uma curva em uma competição e chapei contra um muro. O quadro se partiu e ficou inutilizável, o que foi uma sorte, pois se não houvesse quebrado eu com certeza teria vendido para comprar outra. Mas como partiu ao meio, acabou ficando encostado em casa, e virou uma memória que me lembra de onde eu vim. Existe uma tradição entre os ciclistas olímpicos de guardar a bike olímpica, então a minha só correu os Jogos Olímpicos, e ficou guardada. E a outra que guardo é a do Mundial do ano passado (Henrique ficou em quarto lugar), que foi uma bike exclusiva, feita para aquela competição, e como foi um resultado histórico para mim e para o Brasil, decidi guardar. Prometi guardá-la até bater meu resultado, aí guardo a próxima (risos).
Deus (risos)! Eu não tenho ídolos. Na minha infância não tinha muita informação sobre ciclismo, mas descolei umas fitas VHS com gravações do Tour de France e do Giro d’Italia, na época do Pantani. E o Pantani, para mim, era o suprassumo. Fui viciado no Pantani, fugia de casa à tarde e ficava fazendo uma subida que tinha perto de casa, bem íngreme, em pé, copiando o estilo dele. Lembro de quando vi em uma revista que ele tinha morrido, com uns dois meses de atraso. A história envolvia doping, contava o que o doping o tinha levado a fazer. Aquilo me derrubou, mudou o jeito que eu enxergo as coisas. Comecei a valorizar muito mais ações do que indivíduos. Não quero ser um ídolo, sou humano, sou falho, mas procuro agir sempre de uma maneria íntegra, pois sei o quanto a minha ação pode influenciar um garoto. O lado positivo da história foi eu criar um princípio muito forte contra doping. Tenho uma segurança muito grande para brigar contra o doping, me expor muito nesta causa e ter muitos inimigos por causa desta postura, mas me mantenho firme em relação a esse princípio. O lado negativo é que não tenho um ídolo esportivo.
Nao diria que é um sonho, mas talvez no futuro da minha carreira eu tente participar de algum grand tour. Nao sei se seria um ambiente prazeroso pra mim, depois de competir no topo do mountain bike, se seria uma coisa bacana de fazer, pois é outra vibe. Ainda está em aberto. No mountain bike acho que já competi em todos os lugares onde gostaria, já tive todas as grandes experiências competitivas que poderia ter.
Tenho uma lista enorme! Tenho uma carreira bastante realizada, devo ser sincero. Comecei muito debaixo e cresci muito, minha curva de evolução, tanto atlética quanto profissional, foi muito fora do provável. Minha carreira é uma carreira improvável, o sucesso que obtive nas pistas não é lógico. Então tive muitos momentos felizes porque tive muitos momentos no fundo do poço. Tive muitas situações em que as coisas não davam certo, me machuquei, não tinha patrocínio, sentia que estava tudo contra, e sempre depois destes momentos vieram momentos muito bons. As frustrações da minha vida esportiva foram o que me jogou para outro nível, me fizeram voltar, melhorar como pessoa e como atleta.
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