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Desde que duas bicicletas se alinharam pela primeira vez para uma corrida, todos buscam alternativas para tornar a sua mais eficiente que a do concorrente. Leveza, aerodinâmica, rigidez são alguns dos elementos buscados com a mistura de criatividade e ciência. Isso inclui o desenvolvimento de novos materiais e até itens inusitados, como as peças de máquina de lavar de Graeme Obree — escocês campeão de ciclismo e inventor, famoso por desenvolver bicicletas aerodinâmicas e novas formas de se posicionar sobre elas. É neste contexto de diferenciação e ganhos marginais que surgiram as coroas assimétricas, elípticas ou “quase retangulares”. Invenções dos mais diferentes princípios com o intuito de reinventar o sistema de tração da bicicleta, convencionalmente redondo.
O ponto de partida é o mesmo para todas. Se a coroa convencional é redonda, a pedalada não é. Fazemos mais força em determinados pontos (comparando com a imagem de um relógio de ponteiro, quando a pedivela está próxima da posição de 3h) e desperdiçamos energia em outros (na mesma analogia, nos pontos de 6h e 12h). A variação da velocidade instantânea entre os pontos de maior torque (3h e 9h) e os chamados pontos mortos (6h e 12) pode chegar a 22%. Resumindo, por mais redonda que seja a sua cadência atual, há sempre um potencial de melhoria a ser explorado, principalmente no período de recuperação do ciclo de pedalada, também chamado de pontos mortos (dead spots) — essa é a teoria.
As opções existentes no mercado começam a divergir quanto à forma de obter este equilíbrio na prática. Há quem acredite que a vantagem está em aumentar a tração nos pontos de maior alavanca. Alguns somam a esse raciocínio reduzir o diâmetro nos pontos de menos força, para um giro mais rápido pelos pontos mortos, concentrando o trabalho onde o esforço será recompensado. Há quem aposte no prolongamento do esforço nos pontos principais, com um aumento no momento de torque, tornando menos significante a passagem pelo ponto fraco.
A procura — e a curiosidade — por coroas assimétricas aumenta na mesma proporção em que os grandes nomes do esporte conquistam resultados relevantes pedalando com esse equipamento. Em 2008, o espanhol Carlos Sastre, um escalador nato, venceu o Tour de France com as coroas elípticas da Rotor, o modelo Q-Rings. Em 2012 e 2013, foram os britânicos da Sky, Bradley Wiggins e Chris Froome, que venceram a maior prova do ciclismo usando uma coroa Osymetric, tanto nas bikes de estrada quanto nas de contrarrelógio — semelhante à utilizada pelo belga Frederik Van Lierde no título do Mundial de Ironman em 2013. No mountain bike, o suíço Chris Sauser conquistou o título Mundial de Maratona 2013 com uma Rotor QX1. Entre as mulheres, Marianne Vos é o maior nome a optar por uma Q-Rings.
Os cartões de visita não poderiam ser melhores para as coroas assimétricas, ainda restritas a pequenos/médios fabricantes, com destaque para os já citados, Rotor e Osymetric, que produzem em acanhada escala — a Rotor na Espanha e a Osymetric na França, com autorização de reprodução também nos EUA, com o nome Osymetric USA. Isso significa, a grosso modo, que o uso de coroas assimétricas é opção do atleta e não uma imposição de patrocinadores. Apenas a Shimano, entre os grandes nomes do mercado, experimentou algo similar com o projeto Biopace, fabricado entre os anos de 1983 e 1993, mas o projeto foi encerrado sem muitas explicações.
Comprovação Científica
Para aumentar o fetiche em torno das coroas assimétricas, não há estudos convincentes de que algum modelo seja realmente melhor — nem pior — do que o sistema convencional. Um dos maiores especialistas em potência aplicada ao ciclismo, o norte-americano Hunter Allen espera que a chegada de novos medidores de potência ao mercado ajude a avaliar a real eficiência das coroas assimétricas, tornando possível medir apropriadamente o esforço nos dois pedais e também o registro em altas velocidades em todo o ciclo. “Só assim será possível começar a dimensionar o quanto elas ajudam um ciclista”, diz Allen, que depois de dois anos usando o equipamento retomou o modelo tradicional: “Fiz algumas avaliações, não percebi nenhuma vantagem para mim”.
Hunter acredita que as coroas assimétricas ajudam ciclistas que pedalam mais travados, os smashers ou socadores. “É muito difícil determinar quem terá vantagem com elas, mas geralmente é o praticante que possui uma pedalada pobre. Ciclistas ‘socadores’, com a pedalada mais travada e cadência menor, tendem a ser mais beneficiados. Na pedalada ideal, os melhores ciclistas não são os que fazem mais força no pedal, mas aqueles que levam o joelho em direção ao guidão e empurram os pedais nos pontos de maior tração (pedivela próxima da posição de 3h). As coroas assimétricas ajudam os ciclistas com a pedalada menos redonda a retornar mais rapidamente ao ponto de tração ou a fazer isso sem desperdiçar tanta energia”, conclui Allen.
No Brasil, Rodrigo Bini, doutor em ciências do esporte e do exercício pela Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, com foco em ciclismo e triathlon, publicou em coautoria com Frederico Dagnese um artigo reunindo uma extensa revisão literária sobre o tema na Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano e os resultados são inconclusivos: “Os efeitos não claros nas variáveis biomecânicas e fisiológicas no uso da maioria dos sistemas de coroa não circulares disponíveis no mercado excluem sua efetividade para aumento de desempenho no ciclismo. Diferentes modelos de coroas não circulares limitam o uso racional desses sistemas, uma vez que o foco em otimizar diferentes variáveis não necessariamente leva a um aumento do desempenho no ciclismo”, aponta o artigo.
O empresário e ciclista Max Leisner utiliza o sistema Rotor Q-Rings há mais de cinco anos, mesmo tempo em que passou a comercializar o produto em sua loja, em Curitiba (PR). Satisfeito com os resultados e sem pretensão de voltar para o sistema convencional, ele explica que é preciso separar o efeito placebo do ganho real. “Não espere um efeito mágico ou 3 km/h a mais no pedal, pois não é isso que esse sistema oferece. A Q-Rings não é interessante para todo mundo e muito menos atinge todos da mesma forma. É um quebra-cabeça em busca do melhor ponto de ação e a melhor forma de transpor a parte de recuperação da pedalada”, avalia. Como principal virtude, ele aponta uma economia de energia refletida na diminuição dos batimentos cardíacos e da potência aplicada para uma mesma velocidade. Considerando a especificidade de cada atleta, o mérito indiscutível das coroas não circulares é aumentar o número de opções disponíveis no mercado para diferentes tipos de ciclistas. O debate sobre a eficácia delas sempre existiu e, aos poucos, a ciência começa a oferecer subterfúgios para derrubar alguns mitos, sugerir novas adaptações e a melhor forma de utilização para elas. As respostas, como sempre, continuam apoiadas na individualidade de cada um.
Por Leandro Bittar
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