Uma corrida beneficente não estava nos planos. O ano estava apenas começando, mas a diretoria financeira da Associação Beneficente Bênção de Paz, que proporciona amparo à infância carente no Carrão, zona leste da capital paulista, concluiu que 2016 seria longo demais para dinheiro de menos. A crise econômica reduziu o fluxo de doações de pessoas físicas. O das jurídicas já não era expressivo. A receita angariada com jantares beneficentes, feiras e rifas tampouco cobria o rombo.

A cada ano, as correções salariais e a inflação de outras fontes de custo incrementam as despesas em percentual que varia entre 7 e 10%. Esse crescimento natural, atrelado a uma queda de 20% na projeção de receitas em comparação com 2015, pintava um quadro aflitivo. A entidade oferece serviço de creche a 140 crianças de quatro meses até 3 anos e 11 meses, e funciona como contra-turno escolar a outras 150 entre 5 anos e 11 meses a 14 anos. A maior parte dessas famílias necessita muito dessa retaguarda assistencial.

Numa das reuniões convocadas para a busca de soluções, um dos voluntários sugeriu que a entidade organizasse uma corrida beneficente e barata. A ideia agradou em cheio à diretoria e, no dia 19 de fevereiro de 2017, será realizada a 1ª edição da Corrida em Prol da Associação Bênção de Paz. A largada será no simpático Clube Escola da Vila Manchester. Haverá opção de se percorrer uma ou duas voltas num circuito de 5km, além de caminhada de 3 km e provas para crianças de 50m e 100m.

“Nossa meta é audaciosa. Queremos cinco mil inscrições, que serão suficientes para bancar seis meses do Projeto José de Anchieta” (aquele que oferece contra-turno escolar a 150 crianças), diz Eduardo Alessandro Giudice Ortega, diretor financeiro da entidade. O objetivo é arrecadar R$ 200 mil.

Ortega, que cumpre expediente numa loja de tapetes do bairro e dedica várias horas semanais à associação, pagou sua própria inscrição e estava animado com a ideia de participar da corrida beneficente, mas logo foi advertido por um colega voluntário que terá que trabalhar na organização – também no dia do evento. O diretor financeiro tem uma inveja saudável de quem poderá correr a prova, e cita os motivos:

“Temos poucas corridas na zona leste. Esta será uma ótima oportunidade para os corredores da região, e a um custo bem baixo em comparação com outras provas, de apenas R$ 50”.

Os operosos e dedicados voluntários arregimentaram vários patrocinadores, o que tornou viável uma taxa de inscrição bastante barata em comparação com outras provas do calendário paulistano de corridas de rua. Medalhas, gradis, água, bolsas dos kits…Muitos desses itens serão recebidos de graça.

O passo seguinte foi correr atrás das extensas providências necessárias: aprovação do percurso pela Companhia de Engenharia de Tráfego, homologação pela Federação Paulista de Atletismo, ingresso no calendário da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação.

Empolgado com a empreitada, Ortega está esperançoso de que a corrida beneficente inaugural da Associação seja a primeira de uma longa série. “Queremos fazer uma corrida bem completa e agradável para entrar definitivamente em nossa agenda de eventos que geram renda para associação”. Quem quiser conferir, pode se inscrever aqui.

Gratos por toda ajuda oferecida na luta para equilibrar despesas e receitas, os voluntários agradecem como podem. O dono de uma pequena padaria do bairro, que todos os dias entrega um carregamento de pães para a merenda das crianças, recebeu uma visita surpresa do coro infantil da Associação e molhou de lágrimas o avental ao ouvir as afinadas vozes cantarem “Boas Festas”, de Assis Valente: “eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel…”.

Estabelecido há décadas no Carrão, o dono da modesta panificadora sentiu-se como o bom velhinho da Lapônia. A generosidade compensa. “Correr pode oferecer não só dopamina e bem estar, mas também a boa sensação de ajudar o próximo”, arremata Ortega.