Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade
A corrida pode ser uma ferramenta de transformação social. E é nisso que o projeto Arcah, em Araçariguama, na região metropolitana de Sorocaba, acredita. A iniciativa busca reabilitar pessoas em situação de rua e utiliza a o esporte como parte essencial do tratamento.
O objetivo é dar a essas pessoas uma chance digna de recomeço, deixando para trás a realidade difícil, solitária e com muitos percalços, entre eles a dependência química de drogas e álcool.
Em 2013, um grupo de empresários, amigos e conhecidos se uniu para tentar entender a situação de quem vive nas ruas. “Que problema é esse? Quem são essas pessoas, de onde elas vieram e, principalmente, por que isso acontece? Precisamos estudar isso”, relembra Rodrigo Flaire, diretor de operações da Arcah.
Flaire procurou a resposta entre projetos, exemplos de comunidades terapêuticas existentes e nos livros.
Encontrou a história do norte-americano Carl Hart, cientista social, ativista e educador. Criado na periferia de Miami, Hart usou drogas e cometeu delitos durante sua juventude.
“Um dos estudos de Hart quis provar que não importa a situação, o ser humano sempre irá optar pelo que é melhor para ele. Desde que li essa frase, fiquei com essa pulga atrás da orelha: o que aconteceu na vida dessas pessoas para que lugares como a Cracolândia, as ruas ou o albergue sejam as melhores opções? Isso me intrigou. Assim nasceu a Arcah.”, explica.
Depois de uma imersão na Comunidade San Patrignano, na Itália, Flaire regressou ao Brasil e apostou as fichas em um modelo de reabilitação sem grades, remédios e isolamento social.
No lugar, trabalho, ensino, alimentação, moradia e corrida. A atividade física é um alicerce importante no processo.
“Ela requer uma disciplina que, para a maioria deles, quase nunca foi exercida. Aprender a correr exige tempo, rotina e dedicação. Tenho visto nítidas mudanças naqueles que se dedicam, como a autoestima aflorando, autoconfiança mais presente e a interação mais respeitosa.”, comemora Leandro Pessoa, da LPO Assessoria Esportiva, responsável pelos treinos da Arcah.
Além de reaprenderem a viver em um ambiente com regras e convivência “familiar”, os educandos, todos homens, aprendem a cuidar da terra, a meditar e têm tratamento com psicólogos, nutricionistas e outros médicos na fazenda do projeto.
A meta é desafiadora: vencer a dependência química, aprender um ofício e morar durante três anos no local. A principal motivação é fazer com que eles adquiram responsabilidade pela própria vida, aceitem-se, perdoem a si mesmos pelas agruras do passado e encontrem no esporte um aliado contra recaídas.
Na primeira visita da O2, o local abrigava 12 moradores; na última, nove. Alguns desistem no meio do caminho e, como não estão confinados, são livres para ir embora quando quiserem.
Apesar do livre-arbítrio, existem deveres no dia a dia: cuidar do jardim, mexer com a terra, rastelar o chão, faxinar os quartos, preparar a comida, cuidar da horta, aprender a fazer pequenos reparos e cozinhar são algumas das atividades que fazem parte da rotina da Arcah.
Claro que o treinamento tem a sua recompensa — os educandos participaram da etapa Rock Nitro da Night Run, em agosto. Cruzar a linha de chegada de uma corrida de verdade é o símbolo de vitória de uma nova fase.
Para Leandro Pessoa, treinador dos educandos da Arcah, o maior aprendizado tem sido respeitar o limite do outro.
“Com histórias tão difíceis e peculiares, de dano emocional, de falta de afeto… eles têm excesso de falta, sabe? Ganhar a confiança deles é um grande desafio. É difícil ultrapassar essa barreira que a rua construiu. Agora que tenho mais acesso, cada treino é uma vitória.”, comenta.
Se vai dar certo no fim? Não dá para saber. Tratar a dependência química é mais árduo do que se pensa, e existe muita polêmica sobre os tipos de tratamentos para dependentes. O que se sabe é que a taxa de recuperação é baixa por causa do retorno ao vício. Poucos saem da areia movediça sem olhar para trás.
“É uma realidade difícil, mas, se um dos educandos da Arcah conseguir levar a corrida para a vida e ter essa vida nova que todos ali estão aprendendo, já terá valido a pena”, torce o treino.
“Sem dúvida o esporte é essencial pra gente hoje. Mudou muito. Criamos expectativa, causa uma euforia, sabe? É gostosa essa sensação, a gente não tinha mais isso. Tem dias que estamos desanimados, mas quando corremos já ficamos felizes de novo. Aquele suor que sai do corpo é gostoso. Vejo meus sonhos chegando mais perto de mim, as vontades que eu já tinha esquecido.”
“Fiquei alguns anos consumindo drogas e álcool compulsivamente. Até hoje sinto coisas, mesmo há dez meses em tratamento, é como se nada tivesse melhorado ainda dentro de mim. Algumas marcas não saem. Mas o esporte tem sido essa válvula de escape para o desânimo e a fraqueza não me pegarem. Dá vontade de desistir se o esporte não tá aí. Cada quilômetro corrido é uma superação. Parei de fumar porque fiquei motivado aqui. Agora estamos correndo 5 km, está sendo muito especial.”
“Eu não gostava de correr. Nunca queria, acabei indo depois que o Leandro (professor) ficou me incentivando. Fui a primeira vez, a segunda… aí um dia corri 5 km sem parar. A corrida vai ser minha vitória de vida. Fico contente depois que eu corro, me sinto um atleta de verdade. Uma coisa que eu nunca imaginava fazer”
Compartilhar link