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Uma coisa é fato: o corpo precisa estar em harmonia para você se movimentar bem durante a corrida — e são os pés e as pernas os principais parceiros dessa jornada. A forma como correr descalço se relaciona com o resto do corpo durante as passadas também é tão importante quanto ter um bom tênis de corrida.
Vitor Carrara, educador físico, especialista em fisiologia do exercício, treinador e corredor de montanha, idealizador e facilitador do curso livre de corrida ancestral, e Bruno Mascella, fisioterapeuta especialista em análise e reeducação da biomecânica de corredores, começaram a correr descalços e descobriram que sentir os pés literalmente no chão não era só uma questão de liberdade.
Correr sem tênis é uma alternativa para recuperar a mobilidade do corpo todo e fortalecer os pés — que vivem presos em sapatos, sandálias de salto alto e tênis repletos de amortecimento e tecnologia. Não que seja errado correr com calçados específicos para o running, mas a corrida sem proteção exige mais consciência corporal. Descalço, a experiência é diferente, mais precisa, mais respeitosa e mais eficiente.
Na prática, quando corrigimos a técnica, nossa postura muda e a forma como corremos, também. É bem difícil correr descalço e distraído ouvindo música, por exemplo. Outra coisa: a corrida descalça fortalece a musculatura dos pés, confere flexibilidade a tendões e ligamentos e, portanto, resistência. Muitos corredores têm pernas muito fortes e pés fracos, o que provoca um desequilíbrio no corpo que desencadeia lesões — a fascite plantar é uma delas.
O conforto e o estilo de vida atual fizeram com que a maioria de nós perdesse a habilidade do movimento. Sabia que nossos pés já estão bem diferentes da época em que correr descalço era nossa atividade principal para sobreviver como caçadores coletores? (Veja o infográfico abaixo para entender essas modificações.)
O restante do corpo também sentiu o impacto da mudança de estilo de vida: passamos a maior parte do tempo sentados na frente do computador, do celular e da televisão. A inércia por longos períodos transforma movimentos simples (como saltos, ficar de cócoras e rolamentos) em complexos pela falta de mobilidade e flexibilidade.
Mas calma, dá para resgatar essas funções perdidas com mudanças simples no dia a dia. “A solução não é voltarmos para a África e vivermos como caçadores coletores, tampouco abandonar os tênis para sempre. Mudanças de hábitos e uma reeducação segura é que vão permitir que nossos corpos não se afastem tanto de sua biologia natural. Dessa forma, conseguimos correr de forma mais segura e saudável, com ou sem calçado”, sugere Vitor Carrara, em seu curso sobre corrida ancestral, destinado a treinadores e especialistas da área.
Em meio a tantas lesões comuns entre corredores, o que se observa na literatura científica é que aqueles indivíduos que correm pisando com os calcanhares desenvolvem mais lesões nos joelhos e no quadril; já corredores descalços, que predominantemente correm com a parte frontal do pé, são mais suscetíveis a lesões nos tornozelos e pés.
“Quando se trata de lesões inespecíficas (não se sabe a causa direta), determinar causa e efeito é um grande erro para quem busca entender lesões na corrida. A melhor forma de entendê-las é buscar uma visão integrada, analisando fatores fisiológicos, biomecânicos, carga de treinamento, alimentação, entre outros. Juntos, esses elementos determinam os verdadeiros riscos de lesões”, completa Vitor Carrara.
Antes de sair correndo descalço por aí, é melhor fortalecer os pés com pequenas mudanças de hábitos, como andar mais descalço em terrenos e superfícies irregulares. Areia, troncos caídos, grama e subidas ajudam a estimular a ativação do arco dos pés.
Fazer treinos específicos, como agarrar pequenos objetos com os dedos e pisar descalço em bolinhas de tênis também ajuda. Além disso, toda atividade que envolve posturas de equilíbrio e uso da força dos pés no chão é ótima para desenvolver a força do núcleo dos pés. Modalidades como pilates, yoga, artes marciais e alguns tipos de dança são especialmente benéficas.
Existem três formas de fazer o primeiro contato com o solo: com o calcanhar (retropé), com o meio (mediopé) ou pela ponta do pé (antepé). Uma recente pesquisa publicada no Journal of Sport and Health Science, sobre a corrida e a forma como pisamos o solo, aponta que 95% dos corredores calçados aterrissam com os calcanhares, 4% utilizam o meio dos pés e 1% o antepé. Corredores descalços aterrissam predominantemente com a parte frontal dos pés (antepé).
“Essa prevalência dominante de aterrissagem do calcanhar se deve ao uso de calçados de conforto extremo que facilitam o contato inicial com o solo pelo retropé. Tendo em vista que o ser humano evoluiu sem grandes tecnologias de calçados, e corre há mais ou menos 2 milhões de anos, o padrão biomecânico de corredores descalços possivelmente representa a forma mais natural da corrida”, explica Bruno.
O especialista enfatiza que a forma de aterrissagem do corredor tem como influências a velocidade, o tipo de solo onde se treina e o calçado utilizado. Outro fator é a largura da passada à frente do tronco. “Quando o indivíduo tem uma passada muito larga, com os joelhos hiperestendidos, tende a ter um pico de impacto nas articulações, se comparado a pessoas que fazem passadas mais curtas”, esclarece o fisioterapeuta.
“Comecei a correr descalço na praia e vi quanto é interessante sentir os pés no chão. Corri na grama, na montanha, até chegar ao asfalto. É normal ralar os pés no concreto, por isso é preciso ter certos cuidados — analisar o local da corrida e o horário para não queimar os pés por causa do sol escaldante são alguns deles. Ultimamente tenho colocado fitas adesivas resistentes na sola, nas regiões onde sinto mais o impacto.”
“Percebi uma nova proposta de correr. A nossa mecânica de pisada descalça muda completamente. Eu botava o calcanhar no chão quando comecei a correr, como a maioria dos corredores faz. Foi necessário todo um trabalho de auto-observação. Entrei na onda dos tênis minimalistas, com drop zero, que obrigavam a pisar com o mediopé. No começo, a panturrilha, a sola do pé e os dedos doíam muito. Vejo pedaços de galho no chão, vou até eles para pisar em cima, nas britas, em tudo, para estimular e fortalecer a sola do pé e o jeito de pisar. Para trajetos difíceis ou em horários de asfalto muito quente, adaptei uma sandália de borracha.”
“Já fazia umas corridinhas descalça, mas foi só em 2015, quando comecei a estudar sobre corrida minimalista e depois fiz o curso de corrida ancestral que decidi experimentar tudo aquilo no meu próprio corpo. Se o ser humano corre há aproximadamente 2 milhões de anos, não seria eu que iria decepcionar. Fui aumentando as distâncias, os tipos de provas e percebi que me sentia muito mais à vontade descalça do que com os tênis.”
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