Prova mais tradicional do Brasil, a São Silvestre foi acumulando muitos fatos curiosos ao longo de sua história. Selecionamos dez entre as melhores. Confira!
O primeiro troféu da São Silvestre repousa no acervo do Clube Esperia, representado por Alfredo Gomes, campeão da edição inaugural do evento, em 1925.
O vencedor, eletricista da companhia telefônica e corredor nas horas vagas, percorreu o percurso de 6,2 mil metros em 23min10s.
O segundo esperiota (associado ou representante do Clube Esperia, fundado às margens do Tietê, em 1899, por sete italianos), campeão da São Silvestre foi Heitor (Ettore) Blasi, em 1927. Alfredo Gomes conheceu Blasi durante os Jogos Olímpicos de 1924, em Paris, e o convidou a defender as cores do Esperia na São Silvestre.
O italiano topou o desafio e venceu, registrando o tempo de 23min no percurso de 6,2 mil metros. Em 1929, Blasi sagrou-se bicampeão, defendendo as cores de outro clube criado pela colônia italiana em São Paulo, o Palestra Itália.
Gomes e Blasi revezaram-se na conquista de troféus de outras provas importantes à época: Volta de São Paulo (Prova Estadinho), Urbino Taccola, Volta de Campinas e Corrida Rústica Fanfulla (Fanfulla era um importante jornal da colônia italiana em São Paulo).
Blasi trocou o universo das corridas a pé pelo automobilístico. Foi mecânico de Nuno Crespi. A dupla sofreu um grave acidente, que custou a vida de Crespi, e Blasi teve que se submeter à amputação de um dos pés.
Fundado em 1914, o Palestra Itália abriu seu departamento de atletismo em 1920. Em 1924, foi um dos sete clubes fundadores da Federação Paulista de Atletismo.
A pista de atletismo no entorno do gramado do Estádio Palestra Itália foi o criadouro de excelentes corredores, que deram ao clube oito títulos por equipes da São Silvestre (27, 29, 30, 32, 36, 40, 41 e 42).
O único estrangeiro campeão da chamada fase nacional da São Silvestre (1925 a 1944) foi mesmo Blasi. Nos anos 40, outro importante clube de futebol se firmou no atletismo, o São Paulo.
O primeiro brasileiro a conquistar o título da SS na fase internacional, inaugurada em 45, foi Sebastião Alves Monteiro, que se inscreveu como atleta da Força Policial, por servir a ela, mas era também representante do SPFC.
Monteiro, em 46, foi também o último brasileiro a se sagrar campeão da São Silvestre antes de um jejum de vitórias nacionais que seria interrompido apenas em 1980, quando o pernambucano José João da Silva (outro atleta tricolor) cruzaria a linha de chegada em primeiro, defronte ao prédio da Fundação Cásper Líbero.
Na competição por equipes, o SPFC coleciona dez troféus. Além do de 42, dividido com o Palmeiras, o clube, hoje situado no Morumbi, levou também os de 43, 48, 54, 55, 56, 57, 60, 63 e 86.
José João da Silva era entregador de quentinhas da cantina Nova Romeu. Estava incumbido de entregar uma delas, a última do último expediente de 1973, a um médico plantonista que trabalhava no Hospital Matarazzo, quando a São Silvestre passou por sua vida.
Foi barrado por um policial ao tentar atravessar a Avenida Paulista, mas encantou-se com a prova, que não conhecia. O jovem de 18 anos achou aquilo lindo e meteu na cabeça que deveria participar.
De volta à cantina Nova Romeu, ainda trêmulo e emocionado pela experiência que havia vivenciado, contou aos patrões Radamés e Romeu Pelliciari o ocorrido.
Pensou que fosse perder o emprego por ter atrasado a entrega da refeição, mas nem bronca tomou, e foi incentivado pelos irmãos Pelliciari a correr, já que se manifestava tão tocado pela prova.
Foram sete anos de aprendizado na corrida, os primeiros no Esporte Clube Pinheiros, e mudanças de plano (originalmente, o pernambucano pretendia ficar em São Paulo apenas até concluir o colegial) até que José João estivesse pronto para acabar com um jejum de 34 anos sem vitórias brasileiras na São Silvestre.
Sebastião Alves Monteiro venceu em 1945 e 1946, ainda nos primeiros anos da fase internacional da prova, quando apenas atletas sul-americanos, entre os estrangeiros, se interessavam por participar.
“Naquela época a gente passava a virada do ano correndo (o horário da largada foi alterado para o início da tarde em 1989, por interesses da Rede Globo).
Conhecia bem o percurso (então com nove quilômetros, seis a menos que hoje) e fui embalado em cada esquina”, relembra. “Vi as luzes da Paulista e o meu técnico gritando na Kombi: ‘o português (Fernando Mamede) não é de nada. Passa o português que a vitória é sua’. Passei e aí tive a certeza de que fiz certo em trocar as quentinhas pelas corridas.”
Detalhe: o português Fernando Mamede foi recordista mundial dos 10.000 m entre 1984 e 1989.
A Argentina, país com rica história na maratona (medalha de ouro olímpica em 1932, com Juan Carlos Zabala, e em 1948, com Delfo Cabrera), venceu por três vezes a São Silvestre, sempre com Osvaldo Suarez (58 a 60).
Um dos maiores fundistas em sua época, não pôde participar dos Jogos de Melbourne, em 56. Estava cotado ao pódio. Visto como peronista pelos generais envolvidos no golpe chamado “Revolução Libertadora”, foi proscrito.
Em 1960, ocupou durante boa parte da maratona dos Jogos Olímpicos de Roma a segunda posição, atrás do campeão, o etíope Abebe Bikila. Desconhecendo a necessidade de se hidratar, caiu de rendimento, vítima do forte calor mediterrâneo, e terminou em nono.
Na São Silvestre, sem a concorrência de Bikila, e em percurso mais curto, reinou.
Muitos pais orgulhosos dos pupilos que disputam a versão infantil da prova, a São Silvestrinha, criada em 94, sonham vê-los se consagrando na “São Silvestrona”.
Esse sonho se tornou realidade para Franck Caldeira. Depois de correr na pista de atletismo do Estádio Ícaro de Castro Mello, que integra o Constâncio Vaz Guimarães, complexo do Ibirapuera, a edição “kids” de 97, o corredor mineiro se tornou campeão do evento principal em 2006.
Concebida originalmente como evento local, a São Silvestre alcançou a glória em termos de renome internacional graças à participação de Emil Zatopek.
A “Locomotiva Humana”, sabendo que a largada da prova de 1953 seria dada logo após a execução do Hino Nacional, decorou a melodia, para saber o exato momento em que daria alguns saltos, prática que adotara a título de aquecimento e ritual. Antes do final da execução do hino, no entanto, um torcedor soltou um rojão.
Muitos corredores, achando que se tratava do tiro de largada, saíram correndo e foram imitados pelo campeão dos 5.000m, 10.000m e maratona dos Jogos Olímpicos de Helsinque 1952.
O contratempo em nada perturbou o tcheco, que, mesmo sem dar seus pulos, venceu em 20min30s, recorde do percurso de 7,3km, com início e final na frente do prédio da Gazeta, então localizado à Rua Conceição (atual Avenida Cásper Líbero).
Esse foi um dos percursos mais utilizados ao longo da história da SS, e esteve em vigência de 1950 a 1966.
Frank Shorter se destacou na temporada de 1970 num desafio dos tempos da Guerra Fria. Em Leningrado, numa disputa entre americanos e soviéticos, venceu os 10.000m em 28min22s, tempo impressionante naquela época.
Pai do “running moderno” e inspiração para legiões de corredores amadores, Shorter, à época um estudante de medicina em Bolder, no Colorado, ganhou o apoio dos torcedores paulistas, que simpatizaram com o americano por usar a “head band”, uma fita na testa inspirada em hábitos dos índios navajos.
“É uma prova difícil, porque há uma grande descida no começo e uma grande subida no final, o que cansa qualquer um”, disse o bigodudo Shorter ao jornal O Estado de S. Paulo.
Em 72, Shorter viria a se consagrar com a conquista do ouro olímpico da maratona de Munique. Em 76, foi novamente ao pódio de Montreal, com a prata pendurada no pescoço.
A São Silvestre, transmitida desde 1970 pela TV Gazeta, passou a ser exibida também pela Rede Globo a partir de 1982. Em 97, o queniano Paul Tergat já havia conquistado dois dos cinco títulos da São Silvestre que hoje constam de seu currículo.
Ainda assim, não era exatamente popular. A grande atração da entrevista coletiva que antecedeu o evento não foi falar com os jornalistas em algum grande auditório, mas numa loja de calçados do Centro da cidade, na Rua 24 de Maio, a Besni.
Ele já era vice-campeão olímpico dos 10.000m, em Atlanta 96, mas ainda desconhecido por muitos. Um office boy, surpreso com a movimentação de jornalistas na loja do Centrão, perguntou a um deles: “Nossa, por que tanta gente por aqui?”.
Ao receber a resposta de que Paul Tergat estava lá, confundiu-se com “Poltergeist – o Fenômeno”, filme que fizera imenso sucesso na década de 80. “Caramba, Poltergeist. Meio perigoso, né?”.
Como foi feita a primeira transmissão da prova pela TV Gazeta, em 1970? A largada e a chegada da prova eram exibidas ao vivo. O restante era mostrado por fitas gravadas por 16 câmeras espalhadas ao longo do percurso. Cada novo trecho de fita que chegava, transportado por motos, era colocado no ar, dando sequência à transmissão.
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