O empresário que transformou seu hobby em profissão

Atualizado em 18 de maio de 2018
Mais em Papo de Corrida

 “O sofrimento é passageiro. A desistência é para sempre.” Muito antes de adotar esse lema, o carioca Bernardo Fonseca, primeiro brasileiro a vencer a Maratona da Antártica, decidiu que desistir não era uma opção. Aos 12 anos, em uma visita à fazenda de sua família, no interior de Minas Gerais, foi desafiado por um tio a correr até Abaeté, cidade 43 km distante da propriedade. O cansaço pintou no km 4, mas Bernardo seguiu em frente. Nove horas e 15 minutos depois de começar a correr, concluiu, cambaleante, o desafio proposto pelo tio. E o que era uma simples brincadeira quase virou caso de polícia.

“Até hoje eu não sei quem é o mais doido da história, eu ou o meu tio. Quando deram seis horas [de desafio], meu tio entrou em desespero. Ele chegou a ir à polícia para ver se tinha alguma notícia minha. Foi naquele momento que eu vi que tinha uma predisposição a conhecer o meu limite”, recorda Bernardo Fonseca, de 40 anos.

Redefinir seus limites físicos e psicológicosé o que ele tem feito nas últimas duas décadas. Sua procura constante por novos desafios o levou a correr em alguns dos lugares mais inóspitos do planeta. O prazer consiste em estar “onde pouquíssimas pessoas chegaram”.

Vulcões, geleiras, desertos e montanhas de difícil acesso já fizeram parte de seus roteiros esportivos. Cada uma dessas experiências rendeu histórias saborosas. Uma das preocupações de Bernardo ao decidir correr a Maratona da Antártica em 2010 era a aclimatação ao frio extremo. O empresário encontrou a solução em um local inusitado: no centro de distribuição de uma grande empresa de alimentos frigoríficos em Duque de Caxias, na abafada Baixada Fluminense (RJ). Ele instalou uma esteira dentro de um depósito para congelar pizza e nuggets e correu a –22°C. “Era um frio de rasgar”, lembra.

 

 

A estratégia funcionou. Na Antártica, Bernardo quebrou dois recordes em trechos disputados com um intervalo inferior a 24 horas, nos 42 km e nos 100 km. Para atingir um condicionamento físico impecável e fortalecer o psicológico antes de chegar ao Polo Sul, ele teve uma motivação especial: o desafio seria acompanhado por uma equipe da Rede Globo e transmitido no Esporte Espetacular. “Tive medo de pagar mico em rede nacional”, revela.

Correr no Polo Sul ou completar 256 km no calor da Maratona des Sables, no Marrocos, não se comparam ao desgaste físico de correr 80 km na altitude do Monte Everest, cuja altura é de 8.848 metros. Foi no Nepal que ele enfrentou as piores condições de sua vida.

“Sempre me perguntam o que é pior, se é o frio ou o calor. Nada é pior do que a altitude. No fundo, o frio passa pela questão de estar ‘malvestido’. No calor, não tem muito jeito. Na altitude, parece que você carrega uma pedra nas costas. Você olha no relógio e, por mais preparado que esteja, o seu tempo é semelhante ao de uma pessoa caminhando.”

HOBBY QUE VIROU PROFISSÃO

Bernardo Fonseca trabalhou no mercado financeiro até meados da década passada. Certo dia, determinou que a diversão seria também o seu trabalho. Deu adeus ao banco suíço que o empregava e onde passava manhãs, tardes, noites e madrugadas para empreender em um ramo que considerava mais prazeroso e ao mesmo tempo desafiador: o esporte. Assim surgiu a X3M Sports Business, empresa que organiza eventos como Mizuno Uphill, Circuito X-Terra e Desafio Mano a Mano, que já teve a participação de Usain Bolt e Justin Gatlin. “Sempre entendi que quem trabalha com o que gosta vive de férias”, diz. “De férias” há 13 anos, ele é o idealizador de cerca de 60 eventos por ano.

Uma das iniciativas da qual mais se orgulha é o Projeto de Braços Abertos, que leva a corrida a comunidades da Cidade Maravilhosa visando à integração e à transformação social. Desde 2012, o programa já teve 20 etapas em favelas como Vidigal, Rocinha, Santa Marta, Borel, Caju, Manguinhos e Jacarezinho.

Diferentemente do clima competitivo de suas ultramaratonas mundo afora, o empresário Bernardo Fonseca já começa as etapas do projeto satisfeito por fazer algo pela cidade onde vive. “No Braços Abertos, nós já saímos ganhando antes da largada.” Assim como nas ultramaratonas, ele espera que o sofrimento do seu Rio de Janeiro, imerso em conflitos de todos os tipos, também seja passageiro.