Desde que me aventurei pela primeira vez em provas de ultratrail, com quilometragem acima de 42 km, um dos meus maiores desejos era o de completar uma corrida na qual o trajeto superasse os dois dígitos, ou seja, feito que consegui este ano ao completar os 100 km da Indomit Costa Esmeralda, prova disputada em Santa Catarina, entre Porto Belo e Bombinhas.
Comecei a me aventurar neste universo das corridas de montanha em 2012, e com o passar do tempo, das provas, e da dedicação nos treinos, fui elevando meu nível de competição e condicionamento físico. Superei barreiras que até então eram inimagináveis para mim, e concluí o ano de 2014 com a primeira colocação na Indomit Costa Esmeralda 84 km. Ao cruzar o pórtico final, a sensação de alegria típica desse momento tomou conta de mim, mas dessa vez com uma diferença: eu estava sentindo a euforia de me julgar preparada para competir os 100 km, que seriam disputados em novembro de 2015.
A partir daquele momento, defini esta prova como meu objetivo majoritário para o ano que viria. Ao lado de meu técnico Fabio Moralles, escolhemos as corridas que eu disputaria, pensando sempre nos benefícios e desenvolvimento ganhos em todas estas experiências que serviriam como apoio e alicerce para o meu grande objetivo. Ao todo foram mais de nove provas trail com quilometragem acima de 42 km, que me deram uma base indispensável.
Sendo assim, semanas antes da Indomit Costa Esmeralda 100 km, iniciei os treinos específicos para poder superar este desafio. A rotina era desgastante, conciliando treinos e trabalho com práticas que iniciavam-se às 5h30m, com durações médias de 3 horas, cinco vezes por semana. Como exemplo, posso citar a madrugada inteira correndo ininterruptamente nos morros de Curitiba e também um grande e longo treino com carga que realizei na serra da Graciosa, região que liga a capital paranaense ao litoral, com um desnível extremamente difícil. Foram treinos exaustivos e dolorosos, mas que, no fundo, eu sabia que cada gota de suor e cada novo passo avante iriam ser recompensadores no futuro.
Enfim, chegou o grande dia. Largamos com o relógio marcando 00h00, no centro de Porto Belo. No início, encontrei trilhas estreitas e técnicas, que, com a vegetação molhada pela chuva na véspera, apresentavam um cenário no qual as quedas poderiam acontecer a qualquer momento. Os terrenos de praia e areia que a prova oferece também são imensamente difíceis, pois algumas destas possuíam apenas areia fofa, elevando o grau de dificuldade e exaustão. Somava-se a isso o calor, que com o passar do tempo foi ficando mais forte.
Nos primeiros quilômetros, meu corpo estava respondendo de maneira satisfatória. Do km 30 ao 38, puxei bastante e me arrisquei, pois vi que a segunda colocada estava próxima, então pensei: vou tentar abrir agora e depois administro a diferença! Tive segurança para fazer isso porque sabia que havia treinado bastante e meu corpo estava dando um feedback positivo, o que me deixou mais segura ainda.
Nessas provas de longa duração, o psicológico é um grande fator de sucesso. Próximo ao km 50, depois de passar por uma trilha com bastante troncos, acabei chutando um que abriu meu dedão do pé e causou uma dor incessante até o fim. A partir deste momento, a cabeça passou a ser o ponto determinante para o ritmo médio de corrida. No km 77, ao passar pelo último ponto de hidratação que eu poderia ter acesso a meus equipamentos, encontrei familiares e amigos do coração me dando força e realizei minha troca de tênis, momento em que minha convicção e força aumentaram ainda mais.
É comum nessas provas ficarmos sujeitos a uma série de contratempos e problemas inesperados. Pode ser desde uma queda de mal jeito até uma pisada errada, um músculo que se distende ou outros fatores que culminam na queda do desempenho. Porém, é importante que o atleta saiba lidar com estas situações e se adaptar a estes imprevistos, e foi pensando nisso que dei o meu máximo para superar mentalmente aquilo que não estava planejado. Conforme os quilômetros foram passando e a chegada foi se aproximando eu me sentia mais forte. O cansaço foi querendo chegar, mas não teve espaço diante da euforia, da alegria e da sensação de dever cumprido. Depois de 12h36m de prova, cruzei a linha de chegada da Indomit Costa Esmeralda 100 km com uma diferença de quase duas horas para a segunda colocada, quebrando o recorde estabelecido em 2014.
Esta corrida foi, além de tudo, uma grande vitória pessoal. Um percurso cansativo, com trilhas estreitas, terrenos irregulares, montanhas difíceis de serem superadas e clima quente, sem falar no grande desafio de competir com atletas nacionais de alto nível. E apesar de eu ter conquistado a primeira colocação, procuro sempre dizer que o pódio não é tudo o que importa. Por mais que você não tenha chances de uma boa colocação, enfrente a prova com coragem e entusiasmo. No final, quando superar tudo e cruzar o pórtico de chegada, a vitória já será sua.
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