Paulo Roberto Falcão, ex-jogador do Internacional e da seleção brasileira, escreveu certa vez que “artistas que dependem da forma física morrem duas vezes”. A primeira, quando encerram suas carreiras profissionais; a segunda, como todos os outros mortais. Colocar um ponto final em uma jornada que envolve glórias, realização pessoal, entrega, dor e sacrifícios na vida privada provoca sentimentos mistos na maioria dos atletas: alívio nos que sofreram fisicamente durante anos e angústia para os que não sabem o que fazer longe da modalidade à qual tanto se dedicaram.
Veteranos nas competições de alto rendimento, os ex-atletas, muitas vezes, se veem na condição de juvenis quando o assunto é a obrigação de escrever o primeiro capítulo de suas novas vidas. “Você olha para a sua carreira, pensa um pouco e diz: ‘Parece que eu só sei fazer isso da minha vida’”, conta a judoca Danielle Zangrando, primeira mulher a colocar o judô feminino brasileiro em um pódio de Mundial — foi bronze em Chiba, no Japão, em 1995, na categoria até 56 kg — e medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007. Para Danielle, de 38 anos, um dos antídotos contra o vazio deixado pelo afastamento de competições importantes é a corrida, que mantém vivo o amor pelo esporte e oferece bem-estar.
As passadas entraram na sua vida ainda na adolescência — e de uma forma nada confortável. Um dos sacrifícios feitos para alcançar o peso desejado para competir no judô era correr de moletom, uma estratégia ultrapassada que eleva a temperatura corporal e acelera a perda de líquidos.
Castigada por uma hérnia de disco na região lombar, Danielle abandonou os tatames em 2010 e, logo após sua aposentadoria, engravidou. Com Lara, sua filha, descobriu o “triathlon materno”. “Eu virei triatleta. Vivia para dar mamadeira, trocar fralda e botar para dormir”, lembra, rindo. À medida que a filha crescia, ela recuperava a independência e passava a procurar um novo esporte para chamar de seu. O judô, por envolver muito contato físico, representava um perigo a um corpo que tinha sofrido tanto nos anos anteriores.
Na areia firme da praia de Santos, cidade onde vive, ela resolveu dar uma nova chance à corrida e finalmente pegou gosto pelos treinos. Hoje, a corrida está à frente do judô em sua lista de preferências.
“Eu gosto de praia, gosto de sol. A corrida foi uma das primeiras atividades físicas que pratiquei depois do nascimento da minha filha. O judô lesiona muito, e a corrida é um esporte que oferece muita independência. Você não precisa de um parceiro para treinar. Dá para vir à praia sozinha, correr, terminar com um mergulho e curtir o dia”, contou, enquanto conversava com a O2 em um quiosque da praia de Santos.
Na corrida, Danielle aprendeu a controlar o espírito competitivo que a manteve no judô durante mais de duas décadas. Assimilar que o desejo de vencer já não devia pautar sua vida, no entanto, não foi dos processos mais simples.
“Luto contra isso até hoje. Você para de competir, mas o competidor não sai de você. Você fica marcando tempo, alguém te passa e você pensa: ‘Preciso passar essa pessoa’. Em seguida, você conclui: ‘Para que estou fazendo isso?’”, reconhece.
Um episódio que simboliza sua luta para dosar a competitividade aconteceu no último mês de dezembro. Em uma viagem com Lara para Gramado, no Rio Grande do Sul, Danielle decidiu se inscrever de última hora na Corrida de Noel, prova de 10 km com o tema natalino. Em determinado momento, soube que era a terceira colocada. Por alguns instantes, quis acelerar o passo para assumir a liderança. Não demorou para concluir que a obsessão pela vitória deveria ser página virada em sua vida.
“Terminei a prova com o terceiro lugar. Fiquei feliz duas vezes. Primeiro, por ter segurado a minha onda, não ter caído na minha ‘neura’. Percebi que meu objetivo ali era viajar com a minha filha, não ser a primeira colocada em uma prova de corrida. Ao mesmo tempo, fiquei feliz por ter ido ao pódio, algo que eu ainda não havia alcançado na corrida”, afirmou.
Ultimamente, a corrida tem sido uma ferramenta para que Danielle vença o “mal do século”: a depressão. “Eu fiquei reclusa, não queria fazer nada, falar com ninguém. Acontece. Eu amo esporte e não tinha vontade de levantar da cama para fazer nada. Aí você pensa: ‘O que estou fazendo da minha vida?’”
“O esporte, às vezes, te exige tanto, tanto, mas tanto que você acaba se automutilando. Se eu não fizer uma atividade física, me faz falta. Mas, em alguns períodos da depressão, eu não queria fazer nada. Agora que já estou em uma fase melhor do tratamento, retomei. Se eu vejo que vou ficar irritada ou que posso ter uma alteração de humor, já canalizo para o esporte”, finalizou.
O REENCONTRO COM A BOA FORMA
Em 1998, o judoca Rogério Sampaio competia sem patrocínio, tirava dinheiro de sua conta para ir às competições no exterior e estava prestes a ser pai. Certo dia, em uma mesa de bar em Foz do Iguaçu, percebeu que dificilmente recuperaria o nível apresentado anos antes e notou que a carreira profissional já não era mais prioridade em sua vida. Entre um gole e outro em seu chope, sentiu que o caminho mais apropriado era o da aposentadoria.
Em 1992, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, Rogério superou o rótulo de azarão e levou a medalha de ouro na categoria até 65 kg. Seu ouro é um dos 30 que o Brasil conquistou até hoje em Jogos Olímpicos. Apesar do histórico vencedor, ele já se via “saturado” do judô. Depois daquela noite em Foz do Iguaçu, não fez esportes regularmente por três ou quatro anos.
A consequência da inatividade física foi o ganho de peso. Aos 35 anos, o medalhista de ouro havia engordado de 10 a 12 kg. Subir à balança passou a ser algo incômodo para alguém que sempre teve a disciplina como diretriz. Era a hora de voltar a praticar esportes.
O medo de sofrer com lesões o afastou dos tatames. O caminho encontrado foi o da corrida, que possibilitou que ele recuperasse a boa forma.
“A corrida é algo ao ar livre e há a questão da endorfina no corpo. Sempre achei extremamente bom para o meu bem-estar emocional e físico. Hoje, costumo correr duas ou três vezes por semana, de 8 a 10 km. Não me aventuro em distâncias maiores porque, como sofri muito como judoca, gosto de fazer uma distância que me deixe confortável”, disse. “Se eu fizesse um trabalho de fortalecimento, correr longas distâncias não seria algo desconfortável. Mas já tenho artrose no quadril, então prefiro me manter nessa faixa dos 10 km.”
Aos 50 anos, Rogério encara a corrida como um momento para se desligar de suas obrigações como gestor do esporte. Em junho, ele assumiu o comando da Secretaria Nacional do Ministério do Esporte, cargo que faz com que seu telefone celular toque constantemente. Mesmo com a agenda concorrida, ele encontra tempo para disputar provas de 10 km — e chega a completá-las em 53 minutos.
“Em vários momentos, vou para a corrida para fazer um tempo legal. Se estiver mais cansado por conta do trabalho, dou uma corrida para desestressar, só para colocar o coração em um batimento mais acelerado.
FABI: ATLETA ATÉ NO TEMPO LIVRE
Fabiana Alvim de Oliveira, a Fabi, é um dos rostos mais conhecidos do vôlei feminino verde e amarelo. A carismática líbero carioca conquistou dez medalhas de ouro com a seleção brasileira — duas delas nas Olimpíadas de 2008 e 2012. Aos 37 anos, ela segue em atividade no Sesc/Rio de Janeiro, mas sabe que a aposentadoria está próxima. “Velha para o esporte e jovem para a vida”, ela agora planeja seus próximos passos. A tendência é que a corrida de rua esteja entre eles.
Desde que deixou a seleção brasileira, em 2014, Fabi passou a ter férias. O tempo livre, contudo, não foi usado apenas para viajar e descansar. Longe dos treinos de vôlei, ela desenvolveu o hábito de correr pelo Rio de Janeiro. Entrou em uma assessoria esportiva, gostou do ambiente que encontrou e ganhou intensidade nos treinos.
“Eu sou muito agitada, sempre quero fazer outrascoisas. Me bateu essa curiosidade de fazer outro esporte, algo em que eu pudesse trabalhar a mente, me desafiar. Sempre fui apaixonada por corrida”, contou. “Eu já vejo que, no futuro, quando parar de jogar, a corrida vai ser o meu segundo esporte. Vou adotá-la para a vida. Não tem uma idade certa para correr.”
Neste ano, Fabi recebeu o sinal verde do preparador físico de seu clube para disputar uma meia-maratona em suas férias e participou da Asics Golden Run no Rio — a marca japonesa é sua patrocinadora. Cruzou a linha de chegada em cerca de 2h20min, fazendo uma manchete, em alusão a um dos movimentos que lhe deram prestígio e notoriedade no vôlei.
A corrida mexeu com a cabeça de uma atleta que já ganhou duas medalhas olímpicas e tem quase duas décadas de vôlei profissional nas costas.
“Vejo que cada um tem uma história de superação diferente. Tem muita gente que vai para a corrida porque passou por uma depressão, por uma obesidade. Tem quem corra para incentivar alguém da família. Eu acho muito interessante. Isso mexe muito com a questão mental. No início, eu me sabotava muito. Depois que comecei a entender o que é a mente, fui parando de me sabotar. Uma corrida longa requer preparação, dedicação. É um desafio difícil à beça”, admite.
Mas como Fabi explica o fato de “sacrificar” as férias para se aventurar em uma nova modalidade? Segundo ela, tudo se resume em amor ao esporte.
“Eu tirei dez dias para viajar. Na minha viagem, consegui correr por lá. Acho que está dentro de nós esse amor pelo esporte. Eu descansei e corri na hora que queria. Conversando com ex-atletas, vejo que é uma veia esportiva. É impossível se desligar do esporte. Está na nossa filosofia de vida. É isso que fez eu me apaixonar pela corrida.”
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