Serra do Rio do Rastro, majestosa e imponente cadeias de montanhas localizada na região sul, estado de Santa Catarina, no município de Lauro Müller, a mais de 1421 metros de altitude (altitude do Mirante). O percurso da rodovia SC-390 é caracterizado por subidas íngremes e curvas fechadas. A serra é coberta pela mata Atlântica, com uma fauna bem diversa, com vários tipos de felinos de pequeno, médio e grande portes, e anfíbios entre eles o “Sapo”, símbolo do desafio! Foi nesse cenário incrível que resolvi marcar meu desafio: a maratona em subida, a Uphill Marathon!
Desde, 2009, quando estive no Desafio, uma corrida de 50 km, fiquei conhecendo essa serra pelas fotos e sempre me imaginava estar ali correndo… Este desafio vem lá de junho de 2009, mas não havia naquele momento nenhuma corrida programada para a região. Cheguei a sugerir a empresas que fazem corridas esse local, mas nada de concreto surgiu.
Em 2013, fiquei sabendo dessa prova, até que em 2014 consegui, estava inscrito entre os 300 seletos corredores que se mostraram aptos ao grandioso desafio da Uphill Marathon.
2014: Depois de correr a ultramaratona na Patagônia de 63 km em Torres Del Paine, no Chile, pouco mais que duas semanas depois chegou a hora de subir, conhecer a tão esperada serra. A vontade de chegar lá era grande, me recuperei do desgaste da ultramaratona e me posicionei com foco único para a maratona em subida.
Muitos corredores ficaram na cidade de Criciúma, cidade mais próxima da largada que tem maior condição de receber os atletas, e foi lá que estive também hospedado. O aeroporto da cidade é bem pequeno, com voos para Campinas pela empresa Azul.
O local da entrega do kit foi na cidade próxima de Criciúma, uma cidadezinha chamada de Treviso. Ali, também seria a tão esperada largada da 2º Maratona em Subida do Brasil.
A largada foi às 7h da manhã, na praça central, ao lado da Igreja. Antes da largada, um vendaval e chuvas torrenciais atingiram a região de Treviso. Isso já mostrava que algo poderia estar nos esperando na serra. A tempestade inicial não abalou os “Ninjas Runners”, nome dado a quem tem a habilidade, a coragem, o controle do corpo e da mente para atingir a meta final dos 42 km, 195m da maratona em subida.
Como diz uma das frases da Uphill Marathon : “ Os que hoje te chamam de louco, amanhã vão te chamar de lenda!”
Às 7h, ao som de Highway to Hell, da banda ACDC, os atletas largaram para os 42.195m da maratona em subida. Os primeiros quilômetros serviram como aquecimento para encarar a Serra do Rio do Rastro com suas 256 curvas acentuadas.
Não havia mais chuva, uma trégua, seguimos em direção a serra. Dividi o percurso em três grandes e distintas partes para combinar uma boa estratégia de corrida. Os primeiros 10 km, com subidas algumas fortes, mas davam para manter um bom pace. Do km 11 ao 20, uma região de variações de subidas, sim, claro, mas também descidas, que se torna um oásis no meio da Uphill Marathon. Dos km 21 ao 26, subidas fortes, é preciso saber dosar muito bem a energia evitando o desgaste ao máximo. Após o km 26, a inclinação aumenta bastante e após o km 30, já no inicio da serra, não tem refresco é subida forte e forte, e faltando 8 km para o final da maratona, a inclinação torna-se muito forte, subir correndo nesse ponto é complicado.
A corrida: Nos primeiros 5 km, procurei me aquecer bem com um pace de 10 a 10,3 km/h, passamos por uma região alagada, com pedras e sem asfalto, às vezes plana, às vezes em subidas leves. Correr ali estava ruim qualquer descuido era sim queda. Mas, logo, entramos no asfalto e pude nesse ponto já desenvolver melhor com um pace de 10,3 a 10,6 km/h.
A prova estava só no início e era importante pensar lá na frente e foi isso que eu fiz: só pensava na serra. Chuvas pelo caminho. Bom refrescava.
Passamos por alguns municípios, como Lauro Muller e vilarejos. Os locais saiam das suas casas para ver o que estava acontecendo. Eram os “Ninjas Runners” passando, tudo muito bom!
Passei por uma placa que sinalizava que faltavam 22 km para a Serra do Rio do Rastro, mas mesmo antes, grandes subidas se apresentavam e isso vai minando as forças. Por isso, todo cuidado é pouco quando se trata da Uphill Marathon.
Entre os km 10 e 21, corri muito bem, aumentei meu pace chegando a 11,3 km/h, bem além do que eu estava planejando, mas estava me sentindo tão bem, que fui em frente.
O abastecimento foi perfeito, águas, em alguns postos de isotônico, e um posto (se não me engano no km 22) com amendoim, gel, etc… Tudo muito bom.
Além do abastecimento aos corredores perfeito, não posso deixar de falar da parte médica, volta e meia uma ambulância passava por mim, e algumas vezes até perguntavam: “ tudo bem?”. Claro que, em determinados pontos do percurso, minha reposta era apenas com um sorriso meio “ amarelo” e um O.K., “ positivo com a mão.
Passei por vales, atravessei regiões de montanhas lindas. A paisagem fazia em muitos momentos o cansaço ir embora. Eu pensava: “ Como é bonita essa região”.
Quando faltavam cerca de 21 km para terminar a maratona, comecei a encontrar colegas “Ninjas” já caminhando e isso antes da grande Serra. A prova, segundo a organização, tinha trechos de cortes: km 21 e km 10, para a chegada. Na Uphill Marathon, a contagem dos quilômetros é realizada em ordem decrescente.
A partir do km 21 que os “Ninja Runners” foram testados de verdade. Mantive um ritmo adequado, entre 9,3 a 10km/h, para a região. Subidas fortes e algumas descidas pequenas ainda apresentava no percurso, mas eu sabia, isso iria logo terminar.
Em algum momento, dor no joelho, em outros, na panturrilha. Isso me deixou preocupado, pois sabia que a Uphill Marathon iria mostrar a sua verdadeira face logo, logo, e precisava estar pronto para aguentar firme a grande carga de subidas que estava por vir. Logo, faltando 17,km para o final, começaram as subidas contínuas, ou seja, a partir dalí, sem o mínimo refresco, nada de plano, descidas eram passado. Passei por alguns hotéis e mais colegas Ninjas caminhando, a subida começa a apertar!
Por incrível que pareça, quando estava em subidas contínuas, tanto o meu joelho quanto a minha panturrilha, não mais apresentavam as dores anteriores. Foquei ainda mais, o objetivo: subir e subir. Estava tão concentrado, que nem vi um posto de abastecimento em plena serra. Nesse ponto, do km 12 para o final da prova, a serra com suas curvas estava de verdade, ali aos meus olhos. Pensei: “cheguei, agora vou subir!” Estava me sentindo bem, concentrado e com a respiração ainda controlada. Mas…
…de repente, do km 8 para o final da prova, a inclinação aumentou e muito, continuei a correr. Estava a 7,0 e 7,8 km/h, e todo o esforço e desgaste vieram com tudo. Continuei bem lento até os 7 km para o final, quando fui obrigado a caminhar e correr, caminhar e correr… Então, nesse ponto, a natureza mostrou sua força aos ninjas: as fortíssimas rajadas de vento de 90, 100 km/h segundo a imprensa, e chuva forte, com pingos grossos. Quase não conseguia caminhar, correr era quase impossível. Quando o vento estava contra, mesmo caminhando, a sensação era de estar parado… Um esforço enorme, com um mínimo deslocamento. Subi segurando o boné, tentando caminhar e, às vezes, desafiando o vento e as incríveis inclinações de até 32%. A chuva atingia a pele com força, o que doía. A inclinação sugava as últimas forças e o vento, literalmente, não deixava correr. Para completar, com a tempestade, laminas de água de cachoeiras desciam pela encosta e chegavam até a estrada, formando verdadeiros rios descendo a serra.
Águas geladíssimas, que dificultavam ainda mais a subida. A serra nesse ponto estava assustadora. Teve momento que parecia que iria sair voando, literalmente. E isso me deixou com medo, pois o vento vinha com tamanha força, que me empurrava para as pedras da encosta e, em outros momentos, sentia até uma flutuação… As pernas se entrelaçavam, mesmo caminhando devagar, quase parando, a dificuldade era enorme. Difícil se manter na estrada. Também, teve momentos que devido à alta pressão dos ventos sobre meu corpo, tive até dificuldade de respirar. Isso, foi realmente assustador.
Faltavam 2,5 km para o final, ainda passando pelas ultimas curvas super-fechadas da serra. Neste ponto, voltei a correr sem ter a necessidade de caminhar. Poderia fechar a maratona em um sub 5h. Ventava muito ainda, mas dava para correr devagar. Faltando 1 km para o final, cheguei ao cume da serra e, logo, avistei o tão esperado pórtico de chegada.
Nos últimos 800 metros, forcei. Mas, com o vento, parecia estar correndo bêbado. Não conseguia ir em linha reta. A força para se manter na estrada era enorme. Consegui!
Fechei a maratona em 5h00min26seg. Quase, um sub 5h. Mas fica para o ano que vem.
Agora, sei por que são conhecidos como NINJAS RUNNERS os que fazem essa prova.
Marcos Gagliardi
Ultramaratonista
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