Papo de Corrida

João Amôedo: um Ironman para presidente

Nem todo mundo sabe, mas a corrida à Presidência de 2018 poderia ter tido um maratonista (sub-3 horas!!) e triatleta como vencedor. João Amoêdo, candidato do Partido Novo, corre maratonas desde os anos 80, participou do primeiro Ironman realizado em Floripa e tem muitas “histórias de asfalto” para contar, além de planos para o esporte e o povo brasileiro.

Fomos ouvir o que este carioca de 57 anos, formado pelo mercado financeiro e pelas provas de endurance, tem a dizer ao povo corredor brasileiro.

Primeira maratona nos anos 80, confere?

Minha primeira maratona foi em 1982. Não corria, mas comecei a treinar por conta própria… E quatro meses depois acabei me inscrevendo para uma maratona no Rio. Largava às 6h da manhã lá na Escola Naval, perto do Aeroporto Santos Dumont, ia até Copacabana e voltava. Comecei a correr do zero, corri quatro meses e fiz a maratona.

Sem nenhum treinamento específico…

Nada. Comecei a ler uns livros. Naquela época, quem escrevia muito sobre corrida era o Zé Inácio Werneck. Mas treinei meio que sozinho, procurando fazer muita distância, porque tinha medo. Fiz a primeira maratona em 4h13min.

Você nem corria quatro meses antes…

Nada. Sempre gostei de fazer esporte desde os tempos de colégio, jogava vôlei na praia. Mas o que mais gostava de fazer era windsurfe — velejava muito no Rio, primeiro na Lagoa (Rodrigo de Freitas), depois no mar.

Quantos anos você tinha na primeira maratona?

Tinha 19. Sou de 1962, faço aniversário em outubro, a maratona foi um pouco antes, acho que em setembro, estava quase completando 20 anos. Nunca tinha pensado em maratona, foi basicamente por causa de um amigo da faculdade. Já entrei na corrida pensando em maratona, o objetivo era fazer longa distância.

E depois da primeira maratona, já “oficialmente” corredor?

Na corrida é aquela história: depois que faz a primeira, você quer melhorar para a segunda. Passei a treinar mais, tentando ter algum subsídio, ler alguma coisa. Fiz uma série de maratonas Jornal do Brasil, sempre no Rio. Mas treinando sempre muito mal. Lembro que, em uma dessas maratonas, na semana da prova eu bati todos os meus recordes — subi a Vista Chinesa no melhor tempo, dei 20 tiros de 400 metros voando… Chegou na maratona, estava morto no km 15… (risos). E eu me perguntando: “O que está acontecendo que eu estou quebrado?” Foi um período de aprendizado, tentativa e erro.

E as maratonas sub-3 horas, vieram quando?

Aí foi mais para a frente, já estava morando em São Paulo. Chicago eu fiz abaixo de 3 horas, 2h55min, em 2004, já estava treinando com o Marcos Paulo (Reis, treinador da assessoria esportiva MPR) e já fazia triathlon e Ironman. Já estava com 42 anos. Dois anos antes fiz Florença em 2h57min, uma prova até mais dura do que Chicago. Nas ruas de Florença tem muito paralelepípedo e no final já estava com dores — pedrinha é bem diferente do asfalto liso de Chicago.

Mas a primeira maratona melhorzinha que fiz foi em Veneza: 3h10min. Teve uma coisa engraçada. Minha esposa perguntou se eu tinha visto a ponte que eles fizeram pra gente cruzar o Grande Canal. E eu nem reparei, porque a ponte era no km 34, 35, e eu estava tão concentrado…

Durante os 20 anos que separaram a primeira maratona das sub-3h, nunca parou?

Houve um período em que parei. Na verdade, em 1983 ou 1984, comecei a fazer triathlon. Mas dei uma parada. Quando mudei para São Paulo, comecei a trabalhar no banco, aí houve uns seis ou sete anos em que parei de correr. E comecei a retornar em 1996. Lembro bem disso porque eu morava perto do Ibirapuera e minha meta inicial quando voltei era correr 4 km. Eu saía de casa, corria 2 km e voltava, dava 20 e tantos minutos. É difícil porque você já correu no passado e voltar é uma tristeza… (risos) No passado, eu corria 42 km e, naquele momento, correr 4 ou 5 km era um sofrimento. Reclamava comigo que jamais conseguiria voltar.

Mas voltou!

Voltei em 1997, com um treinador. E já fui direto para o triathlon. Em 1996, decidi fazer um Ironman. Viajei para o Havaí e fui assistir ao Mundial de Ironman, em Kona. Voltei e comecei a treinar, penar para correr 4 km… Também comecei a pedalar muito, comprei uma bicicleta, comecei a nadar. Um ano depois, em 1998, fui fazer o primeiro Ironman na Alemanha, em Roth. A prova é sensacional! São milhares de pessoas assistindo à prova, tem lugares em que você passa de bicicleta um por vez, parece prova do Tour de France.

E a corrida?

A corrida começou a ficar mais fácil com o Ironman. Minha sensação é a de que os outros esportes, a natação e o ciclismo, te complementam muito, te deixam mais preparado, mais forte, reduzem a probabilidade de lesão. Passei a correr três vezes por semana. Na época das primeiras maratonas, cheguei a correr 550 km num mês! Alguns dias corria duas vezes, de manhã e à noite.

João Amoêdo no Ironman de Floripa

Já que você falou disso, como encara cada uma das modalidades do triathlon?

Quando vou ver meus tempos de Ironman, pelo meu histórico eu deveria ser melhor na corrida, porque sempre corri mais do que pratiquei os outros esportes. Mas acabo indo melhor na natação. Saía da água sempre entre os 30% melhores. Mas acabava forçando muito na bicicleta e me prejudicava na corrida. No treinamento eu sempre fazia essa rotina de nadar três a quatro vezes por semana, correr três vezes e pedalar também três vezes. A sensação é que a natação é mais fácil de treinar, porque é o que machuca menos, em que você despende menos tempo e te prepara muito. A natação sempre me ajudava muito na corrida.

Atualmente você não está correndo…

Machuquei o pé jogando vôlei na areia com as minhas filhas, fiquei praticamente um ano e meio sem conseguir correr. Voltei agora, há uns três meses, devagar. Recentemente consegui correr 15 km. Desde 1997 foi o maior período em que fiquei sem praticar corrida. Também tento nadar duas ou três vezes por semana. Bicicleta, basicamente em casa, comprei um rolo.

O que a maratona te trouxe, além do prazer esportivo?

Olha, tanto a maratona quanto o Ironman sempre foram uma sensação “você conseguiu”. Superação do desafio — especialmente no início senti isso. Tive tempos ruins, acabava andando um pouco nas provas. Quando completei a primeira maratona inteira correndo, sem caminhar, em Veneza, foi sensacional! É uma sensação muito boa de realização, de planejamento. E os treinos também eram algo que me dava muito prazer: acompanhar a melhora nos tempos, a sua evolução. Completar realmente é uma felicidade, tem aquele sofrimentozinho quando termina, mas a sensação é tão boa que logo na sequência já está pensando na próxima.

Também melhora a autoestima e a confiança para cumprir desafios, não?

Na vida a gente tem muitos desafios, muitos obstáculos. Se você já fez coisas que te impuseram outros sofrimentos, fica mais fácil. A questão da realização de vencer desafios como a maratona, como o Ironman, te prepara bastante. Na semana passada, numa palestra com uma garotada lá no ITA, me pediram alguns conselhos.

Expliquei que a turma mais jovem tem de aprender a sofrer. Sofrer é bom porque te prepara para os desafios, te deixa melhor para enfrentar os obstáculos. As provas de longa distância te dão essa característica de ter objetividade, se concentrar. Concentração, assim como a dor da resiliência, são muito importantes.

Quais são suas grandes alegrias no esporte?

Em Chicago e em Veneza fiquei muito satisfeito… Veneza foi a primeira vez em que não andei. Além disso, eu tinha feito maratonas na faixa de 3h45min, e em Veneza baixei 30 minutos. A primeira abaixo de 3 horas foi Florença. E Chicago foi uma maratona muito gostosa, um clima bom, cheguei muito bem. Foram provas que me deixaram muito feliz.

No Ironman, o primeiro que completei em 1998, em Roth, também fiquei bem feliz. Estava muito gripado, fiquei a semana inteira muito ruim na Alemanha. Dois ou três dias antes tomei até antibiótico, e fiquei praticamente a semana lá sem treinar. Falei para a minha esposa que iria fazer natação e ver como estava. “Se der eu faço a primeira volta com a bicicleta.” E depois de fazer a primeira volta de 90 km, tentei fazer a segunda… Saí pra correr, no final acabei completando a prova em 11 horas e pouco. Foi uma grande satisfação.

Você participou de algumas provas históricas…

A primeira Maratona do Rio, o primeiro Ironman de Florianópolis… E também o Golden Cup, primeiras provas de triathlon no Rio, bem no início do esporte.

O esporte teve alguma influência na sua carreira?

Sempre me preparou muito para a questão da disciplina, do planejamento, da organização, de criar uma rotina. Quando eu trabalhava no banco e estava procurando gente, dizia para o meu gerente: “Precisamos de gente obstinada para trabalhar”. E para fazer esporte de longa distância, você tem de ser obstinado. Essas coisas se misturam muito à personalidade de quem faz esporte, têm muito a ver com a minha atuação na área financeira na iniciativa privada.

Você morou um ano em San Diego, na Califórnia. Como o nosso país e os EUA encaram o esporte?

Quando você está pedalando lá, existem as pistas específicas, mas, mesmo onde não tem, pode ficar tranquilo. Quem está na direção de um carro se preocupa com a segurança do ciclista. No Brasil, você sai na rua e é visto como um alvo. Em segundo lugar, é interessante a importância que eles dão nas faculdades às pessoas que fazem esporte. Mesmo nos colégios, minhas filhas tinham treinamento de corrida toda semana. Eventos, campo de esporte, uma piscina do colégio, da escola pública. E você pode nadar quantas vezes quiser nessa piscina da escola pública como residente, pagando US$ 80 mensais.

Essa cultura de preparar as crianças, dar formação não só acadêmica, mas de esporte, de espírito de equipe, de meta, de objetivo, de resiliência, isso complementa muito a formação da pessoa. Eles dão muita importância à educação e à valorização do esporte, e essa educação no trânsito é fundamental, especialmente no ciclismo. Infelizmente no Brasil não é assim.

Qual a importância do esporte para a sociedade?

Fundamental. Primeiro pela questão de que o esporte deixa alguns ensinamentos de vida. Você aprende a trabalhar em equipe, a lidar com o fracasso e com o sucesso. O esporte te dá isso — nem sempre quando você treina muito os resultados vêm, existem fatores externos… Tudo isso é fundamental para uma sociedade, principalmente para os mais jovens, para um direcionamento.

O que dá pena no Brasil é que há muito pouca infraestrutura para praticar esporte, assim como pouquíssimo planejamento de campeonatos, de eventos. Nos EUA há essa cultura de corridas de rua, eventos que são feitos para determinadas associações, pessoal com algum tipo de doença, limitação. Você cria um espírito de solidariedade com o esporte. Tudo isso é essencial para criar uma sociedade com valores, e o esporte traz muitos valores.

Quais políticas públicas de esporte são apoiadas pelo Partido Novo?

A primeira coisa que a gente gostaria é de ter uma integração muito grande do esporte com a cultura e a educação. Entendemos que os três têm de estar muito juntos, porque essa base de integração do esporte tem de começar nas escolas. A primeira coisa é infraestrutura. Tem de ter piscina para a pessoa nadar, uma variedade de esportes muito maior. No Brasil a gente só fala de futebol, futebol… Como corredor, fico muito frustrado, porque você quer ler sobre outros esportes no jornal e, na mídia tradicional, 98% do espaço é para o futebol. Sobram 2% para abrigar tênis, vôlei, corrida… E com isso você não estimula as pessoas.

A primeira grande política pública seria dar infraestrutura para os colégios, valorizar o esporte e procurar, dentro do possível, organizar campeonatos, corridas de rua, tudo em nível escolar, no ensino básico. É isso que se vê nos países que dão certo. E muitas vezes no Brasil a gente quer resolver sempre pelo atalho. Os programas olímpicos, por exemplo, dão dinheiro para atleta de ponta, e não adianta. Você tem de formar a base. Com a população que a gente tem no Brasil, se você formar a base de nadador, de corredor, de atletas de diversas modalidades, você terá bons resultados, mas é trabalho de longo prazo.

Tem um maratonista e Ironman na Presidência seria legal?

Um Ironman na Presidência daria para tirar alguma coisa da prova e aplicar. Primeiro, você saberia que estava fazendo uma corrida de longo prazo, que não adianta dar tudo já na natação — depois ainda tem o ciclismo e a corrida. Segundo: tem de ter um planejamento; e terceiro, você tem de estar preparado, é um processo de treinamento, de planejamento, de sofrimento durante o processo.

A gestão pública é isso, estar preparado para enfrentar barreiras que vão surgir, para lidar com adversidades. É aquela história: você vai fazer uma prova, acha que está tudo bem, mas começa a ventar, fica frio… Enfrentar as adversidades e estar preparado para elas ajuda muito. Outra coisa que o esporte ensina é não trapacear. A corrida é contra você, e não faz o menor sentido roubar, porque você estaria enganando a si mesmo. Esse é um conceito do partido que a gente prega muito, de devolver o poder às pessoas.

O Estado brasileiro acaba sendo muito inchado, tirando o protagonismo das pessoas, e acreditamos que o melhor gestor da sua própria vida é o cidadão. É melhor que ele tenha mais poder, que ele pague menos impostos, que o dinheiro fique mais no bolso dele. E nesses esportes de longa duração, como a maratona e o Ironman, você é o protagonista, você decide o ritmo. Pensaria nessas coisas numa gestão presidencial.

Por Zé Lúcio Cardim

 

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