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Veloz, democrática e apaixonada são os adjetivos mais precisos para definir a Maratona de Chicago. O percurso quase totalmente plano — por suas ruas, avenidas e parques — é perfeito tanto para os atletas de ponta como para os corredores comuns, ambos em busca da marca de suas vidas.
A terceira cidade mais populosa dos Estados Unidos presenciou quatro recordes mundiais da maratona (número atrás apenas de Berlim) e batalhas inesquecíveis em seus 40 anos de vida. Seus atuais recordes da prova são mais que expressivos: 2h03min45s do queniano Dennis Kimetto em 2013, e 2h17min18s da inglesa Paula Radcliffe em 2002.
Além do altíssimo nível na elite, Chicago ainda oferece o calor de mais de 1 milhão e 700 mil pessoas (números do evento do ano passado) que se amontoam nas calçadas e gramados para incentivar os competidores.
“Corri Chicago duas vezes. As pessoas torcem e nos empurram bastante. Como a corrida é em formato de trevo, isso permite que as famílias e amigos nos vejam em vários pontos, alcançando-nos após caminhar apenas alguns quarteirões”, revelou o veterano norte-americano George Walk.
Há um espírito diferente na prova. Um canto único, amplo e penetrante como seu rio, lago e parques; como a vibração e hospitalidade dos moradores e a música essencial do lugar, o blues.
Correr Chicago é não ter medo de manter o ritmo forte nessa longa canção de 42 km, envolvente como as velhas e belas melodias cheias de alma do blues em uma de suas terras mais férteis.
E, como um show, a galera canta junto: “Do primeiro ao último quilômetro, as pessoas se acotovelam, gritam, apoiam, estimulam, socorrem, oferecem comida, abraços, cerveja, energia e toda sorte para 45 mil indivíduos que se lançam a fazer algo extraordinário — correr uma maratona”, conta o consultor estratégico brasileiro Marcus Lindgren, que fez a prova em 2017.
Talvez a quintessência da cidade americana, Chicago não é tão espalhada como outras metrópoles do país. Por isso sua maratona consegue levar os corredores a uma viagem por quase toda a cidade: 29 bairros com grande variedade étnica e cultural — do norte, oeste e sul — são atravessados por essa maratona.
Além da diversidade, o percurso é agraciado com a beleza de parques e de uma das mais agradáveis visões urbanas do país: os prédios e outras construções da famosa escola arquitetônica de Chicago, simbiótica do clássico com o moderno. O prazer para os sentidos vem ainda do verde rio Chicago, cruzado cinco vezes na prova; e do vento constante do Lago Michigan, que parece mar.
O trajeto começa no Millenial Park, famoso por esculturas especialmente feitas para o parque como a Cloud Gate: essa obra espelhada em forma de feijão, refletindo os arranha- céus da cidade e as árvores do parque, é a rainha das selfies de grupos.
Pertinho dali está também o Art Institute, talvez o melhor museu dos Estados Unidos. Depois os corredores seguem pela pulsante e icônica área central chamada Loop, tanto um centro financeiro como comercial e cultural. Ali está o tradicional Chicago Teatre. No km 10 a prova atinge o Lincoln Park, com vista para o zoológico e o belo Diversey Harbor, porto às margens do Lago Michigan.
A jornada prossegue com os corredores sendo abraçados pelo entusiasmo do bairro de Boystown (km 13): surge a música ao vivo, cheerleaders e performers de todos os gêneros. No km 20 sente-se um clamor grande no West Loop, área de torcida bancada pelo Bank of America, patrocinador da prova. O barulho e o apoio crescem ainda mais na Charity Bloc Party (km 22), área onde aparecem os voluntários de quase 200 instituições de caridade.
No km 30, a força e a beleza vêm dos murais coloridos, lojas independentes e restaurantes mexicanos do bairro de Pilsen. A comunidade vibra e empurra como poucas, sabendo que a maratona entra em seu marco decisivo.
Na metade do km 33 surge a festa de Chinatown, muita música chinesa e pessoas vestidas de dragões. Depois chega-se a Bronzeville, bairro que preserva a história e a cultura afro-americanas. Finalmente, na 26ª milha ou metade do km 41, é hora de encarar a leve subida de Slight Mil, pequena colina antes da reta final no Grant Park.
O sonho de criar a Maratona de Chicago nasce de um eclético grupo interessado tanto em esportes como em saúde, urbanismo e parques. Dois professores de educação física da ACM (um homem e uma mulher), um cardiologista, um consultor financeiro e um diretor de associação de amigos dos parques, todos entusiastas da corrida, decidem que a cidade precisa de uma maratona.
Uma das barreiras, porém, é a resistência de Ed Kelly, superintendente de todos os parques da cidade. Correr na época é considerado algo danoso para as áreas verdes, é simplesmente proibido nos parques e nas margens do Lago Michigan.
O médico daquele grupo, Noel Nequin, organiza uma prova de 10 milhas de sucesso, com mais de mil corredores, e entusiasma o novo prefeito e corredor fervoroso, Michael Bilandic, que decide tornar Chicago “a capital mundial da corrida”. Para isso, ele começa transformando 8 km de um antigo caminho equestre ao longo do lago em trilha de corrida. Iniciou-se assim um cenário que hoje oferece quase 30 km de caminhos para corrida.
Apoiado pelo governo local, o sonho da Maratona de Chicago virou realidade com o apoio financeiro da empresa Flair Communications. O dia 25 de setembro de 1977 marca os primeiros 42 km corridos na cidade, com o então fantástico número de 4.200 atletas. A prova ganhou força em 1979, atraindo a elite mundial graças ao patrocínio da Beatrice Foods. A partir de 1987, com a saída da empresa, Chicago torna-se uma prova menor e só volta a atrair os melhores do mundo em 1994, com o investimento do La Salle Bank.
Chicago tem uma história de batalhas formidáveis, como a vencida em 2017 pelo norte-americano Galen Rupp. Bronze na Olimpíada do Rio, ele chegou à frente do queniano bicampeão mundial da prova, Abel Kirui. Desde 1982 (vitória de Greg Meyer), um corredor nascido nos Estados Unidos não vencia essa prova. Marcante no ano passado também foi o triunfo da etíope Tirunesh Dibaba, bicampeã olímpica dos 10.000 metros (Pequim e Londres) quebrando a hegemonia das quenianas. Os grandes triunfos de Rupp e Dibaba ficam atrás, porém, de duas provas épicas.
Nunca houve, entre as mulheres, uma disputa como a de 1985. Nesse ano, a primeira campeã olímpica, Joan Benoit (a maratona feminina estreou nos Jogos em Los Angeles 1984) lutou contra a então recordista mundial, a norueguesa Ingrid Kristiansen e a medalhista de bronze em Los Angeles e bicampeã em Chicago, a portuguesa Rosa Mota.
A norte-americana vence com 2h21min21s, bate o recorde dos Estados Unidos e fica a apenas 15 segundos da marca mundial de Ingrid. A norueguesa fica em segundo, 45 segundos atrás, e Rosa Mota, em terceiro, faz o tempo de sua vida, com 2h23min29s.
Entre os homens, o ano mágico é o 2010 do combate entre o etíope Tsegaye Bekede e o jovem queniano Sammuel Wanjiru, que estreara nessa prova apenas três anos antes e já era campeão e recordista olímpico em condições infernais de calor, umidade e poluição altíssimas (Pequim 2008). Wanjiru, 23 anos, defendia seu título (de Chicago 2009), mas chegara ao Meio-Oeste americano após um ano terrível lutando contra seu vício em álcool, sobrepeso e vida desregrada.
Era a dura espiral de autodestruição do menino miserável que de repente ficou rico com o sucesso nas corridas. O queniano só se levanta após seu manager o arrastar para a Itália para tratar seu vício, e ele volta ao Quênia apenas dois meses antes de Chicago. Treina insanamente, chega a fazer esticadas de 30 km entre 3min10s/km a insanos 2min45s/km.
Chicago, 2010. Três coelhos puxam a prova, que completa sua metade com 1h02min35s. No km 30, Kebede lança um ataque demolidor que arrebenta o pelotão de frente, menos Wanjiru, Lilesa e Corir. No km 40, a disputa vira um duelo entre Kebede e Wanjiru, que protagonizam o que para muitos seria o maior final de maratona da história.
A cada algumas centenas de metros, Kebede ataca furiosamente, se desgarra à frente, mas recebe um contra-ataque ainda mais vigoroso do rival e o filme se repete. É só nos últimos 400 metros que a prova será decidida. O americano Toni Reavis, lendário e pioneiro comentarista da transmissão ao vivo de corridas, narrou o duelo da garupa de uma moto. Assim ele descreveu o último round histórico em Chicago:
“Aí está agora, Wanjiru! Lado a lado!… Sammy ficou para trás três vezes, mas se nega a dar-se por vencido… Olhem para Wajiru! Mãe de Deus! Que colhões tem esse cara! Ele vai conseguir! É a melhor corrida de sua vida, uma vitória incrível!”
Wanjiru morreu menos de um ano depois. Após trair a esposa de novo com uma das amantes, tentou fugir de um flagrante pulando pela janela de sua casa, bateu a cabeça e não resistiu.
No próximo dia 7 de outubro de 2018, esperamos que as feras que correrão Chicago — o britânico de origem somali Mo Farah, bicampeão olímpico dos 5.000 e 10.000 metros em Londres e no Rio; o atual campeão Galen Rupp; o atual campeão de Boston, o japonês Yuki Kawauchi, entre outros — honrem a memória de Wanjiru. Entre as mulheres, que o legado de Joan Benoit, Ingrid Kristiansen e Rosa Mota inspire outras heroínas.
Confira um vídeo do percurso da prova:
Garantidas para atletas com marcas sub-3h15min (homens) ou 3h45min (mulheres). Os demais precisam se inscrever em um sorteio (aberto por seis semanas antes de abril). A taxa de inscrição para estrangeiros é de US$ 210. Outra opção é comprar um pacote das agências de turismo ou doar uma quantia considerável para o Run For Charity, programa de caridade da Maratona de Chicago.
Tanto a expo ou feira esportiva como os pontos de apoio durante a prova — com gel, água e isotônicos — são impecáveis.
O treinador brasileiro Nelson Evêncio já correu a Maratona de Chicago três vezes e dá dicas essenciais: “Quem sai muito fraco não consegue melhorar o tempo; mas se sair muito rápido, vai sentir no final”. O cuidado é vital sobretudo se fizer calor, pois “da metade da maratona em diante não há muitas sombras”. Outra dica importante é “correr tangenciando as curvas”, pois o percurso tem muitas.
A área central, onde está o vibrante bairro Loop, e a maioria dos bairros, bem diversos em suas etnias, são facilmente percorridos a pé. Se preferir, a malha metroviária e ferroviária é muito boa e o Uber funciona muito bem. Imperdível também é o passeio de barco pelo rio Chicago e o gostoso píer com calçadão de Navy Pier.
Além do fabuloso museu Art Institute e das grandes esculturas, ambas no Millenium Park, e dos inúmeros jardins e parques (cerca de 500), o verão é um convite às inúmeras praias às margens do Lago Michigan. Já os amantes da boa música não podem perder o mergulho no som essencial da cidade, o blues. Bares acolhedores oferecem poderosos shows ao vivo como o Buddy Guy’s Legends.
1.156 brasileiros participaram da prova em 2017.
A melhor obra publicada sobre a maratona de Chicago é The Chicago Marathon, do professor Andrew Suozzo, uma ampla análise histórica, sociológica, comercial, esportiva e humana da prova.
A temperatura média na época da maratona fica entre 9°C e 19°C, mas já aconteceram provas bem frias e, oposto disso, infernais como a do ano passado: o calor intenso gerou muitos resgates de emergência, internações e até uma morte.
*Por Zé Augusto e Aguiar
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