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Parte do sucesso da maratona, no mundo ocidental, é ser um desafio enorme de superação pessoal. Já do outro lado do planeta, bem fiel ao espírito e modo de vida orientais, a Maratona de Tóquio apaixona os corredores por seu caráter coletivo e humanista. Brilham ali a educação, o respeito, a humildade e a cortesia intrínsecos ao povo japonês. Essa é a marca oferecida pelos mais de 10 mil voluntários da prova.
Paira em toda a maratona de Tóquio, o nobre senso nipônico de hospitalidade, chamado de Omotenashi. O executivo inglês Roger Berman, 56 anos, radicado há décadas no país e estreante na prova em 2017, dá um exemplo preciso: “Por volta do km 35, muitos japoneses apareceram com tubos de Salonpas, um spray de alívio muscular, e eles se ofereciam para aplicar nos corredores que precisavam, eu incluído! Não sei se existe uma ajuda parecida do público em alguma outra corrida do planeta”.
Berman completou a Maratona de Tóquio no ano passado em mais de 6 horas. Tempo muito alto? Um dos diferenciais de Tóquio é ser a mais democrática das majors: o tempo-limite é de 7 horas. Por isso a prova faz a festa de milhares de corredores amadores que realmente querem se divertir e confraternizar. Nenhuma outra major tem tantos fantasiados, o que é também uma forma de extravasar contra o caráter em geral mais fechado do povo japonês.
O limite amplo de 7 horas abriu a prova para os corredores comuns e tornou-se uma medida tão popular que foi adotada em outras provas Japão afora. “Isso mudou a imagem da maratona para os japoneses, porque todo mundo pôde perceber que a prova também é divertida, e não apenas uma missão exaustiva”, revelou Seiji Miura, treinador e dono de loja de corrida em Osaka, ao jornal New York Times.
Claro que a elite profissional e os sedentos por recordes pessoais talvez não aproveitem a atmosfera única de Tóquio, mas quem corre mais por prazer ganha de presente uma energia poderosa. Além dos voluntários, ressoam os grupos de tambores, bandas, corais de escolas e danças típicas; a vibração dos grupos de artes marciais e cheerleaders, e o poderoso clamor do público-parceiro: Ganbare! (Continue dando duro!).
Além do combustível humano que empurra os maratonistas, o show de civilidade impressiona. “Tudo é muito organizado e limpo em Tóquio. Foi a primeira vez, por exemplo, que presenciei em uma corrida voluntários com sacos de lixo na mão para o descarte das embalagens de gel”, destaca a paulistana Vívian Fuller Olsen, 48, advogada e tradutora.
Tóquio é uma corrida quase toda plana, com exceção dos primeiros quilômetros em ligeiro declive e a ascensão leve de três pontes perto do final da maratona. Uma marca diferente da prova é que a corrida dobra sobre si mesma algumas vezes, dando a chance de ver na pista oposta corredores bem à sua frente, como as feras da elite.
Quanto ao visual, como a maior parte da Maratona de Tóquio é percorrida em amplas avenidas entre prédios, não há a beleza para os olhos de majors como Paris e Londres. Mas pelo menos o trajeto consegue destacar a riqueza tanto da história como da modernidade do país.
A largada, pertinho do prédio do Governo Metropolitano de Tóquio (sede do governo), fica próxima também da maior estação de metrô e trem do planeta, Shinjuku. No km 8 passa-se ao lado de Akihabara, a capital mundial dos eletrônicos e da indústria cultural dos mangás e animes.
Outro ponto que anima os competidores, alcançado no km 15, é Asakusa, região bem turística no coração da cidade, com muitas barracas de comida e lojas de lembranças. A energia vem de vários grupos de música, dança e artes marciais, além da mística de passar ao lado do portão principal do Senso-ji, o mais antigo templo budista de Tóquio, erguido em homenagem à Kannon, deusa da misericórdia.
“Asakusa é o lugar que me faz sentir mais japonês. O templo é o lugar onde sempre me sinto calmo e elevado, até curado, quando corro até ele”, diz o japonês Satoshi Hashimoto, consultor de TI que já fez a prova cinco vezes (seu melhor tempo é 3h03min, em 2016), quatro delas depois de operar e superar um tumor no pâncreas.
Perto do templo ancestral, os corredores veem a Tokyo Skytree, uma torre de radiodifusão que é a estrutura mais
alta do Japão, e a segunda do mundo, com 634 metros de altura. Do alto dela é possível avistar o Monte Fuji.
No terço final da prova, no km 30, a temperatura do público sobe em Ginza, o bairro mais requintado de
Tóquio. “Esse é o lugar com mais espectadores. A atmosfera é incrível e os corredores sentem-se muito energizados e alegres”, afirma Satoshi.
No trecho final, o destaque é a arquitetura moderna, já perto da região costeira de Odaiba, antes do término junto aos jardins do Palácio Imperial, residência oficial da família imperial japonesa.
O boom das corridas no Japão é anterior ao do mundo ocidental. Depois da Segunda Guerra Mundial, uma das formas de levantar o ânimo do país derrotado no confronto foi a criação das ekidens, as longas corridas de revezamento (muito populares até hoje, com cada trecho em geral de 21 km).
Além da alta competitividade, essas provas estimularam muito a solidariedade e o trabalho em equipe. A base nessas competições fez com que nos anos 1960 boa parte dos melhores maratonistas do mundo fossem japoneses.
As primeiras maratonas oficiais em Tóquio foram criadas no final dos anos 1970. Eram apenas masculinas, e havia uma outra prova só para mulheres. Foi só em 2007 que nasceu a atual Maratona de Tóquio, para ambos os sexos, que se tornou uma major em 2012. O recorde da prova pertence ao Quênia, tanto no masculino quanto no feminino: Wilson Kipsang marcou 2h03min58s e Sarah Chepchirchir, 2h19min47s, ambos em 2017.
Depois de décadas em que os melhores maratonistas japoneses preferiram se dedicar mais às corridas de revezamento, a proximidade da Olimpíada de Tóquio 2020 trouxe um investimento pesado na maratona. O segundo colocado na Maratona de Tóquio de 2018, Yuta Shitara, 26 anos, faturou US$ 934 mil por bater o recorde nacional, ao marcar 2h06min11s. Outros cinco japoneses ficaram entre os dez primeiros da prova, além de nove atletas do país terem fechado a prova em menos de 2h10min. O vencedor foi o queniano Dickson Chumba, com 2h05min30s.
Diante da ascensão dos corredores japoneses, a prova de 2019 — primeira major do ano, em 3 de março —, apenas um ano antes dos Jogos Olímpicos, promete ser uma das mais disputadas e velozes da história. Talvez esteja chegando a hora de os japoneses — que sabem como poucos povos o que é suportar o sacrifício e o sofrimento por muito tempo — vencerem a sua maratona.
Um cuidado essencial para esta maratona é com o clima. A temperatura média da prova oscila entre 3°C e 7°C. Ou seja, faz frio. A chuva (quase uma tradição na prova) e os fortes ventos perto do oceano, nos quilômetros finais, tornam a prova gélida.
As vagas por sorteio para a Maratona de Tóquio de 2019 (cerca de 350 mil inscritos para concorrer a 30 mil vagas) já estão fechadas. O sorteio costuma ser encerrado em agosto do ano anterior à prova. As vagas para corredores que doam aos programas de caridade da corrida também se encerram no ano anterior ao da maratona.
*Por Zé Augusto de Aguiar
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