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Não me lembro de ter conversado com alguém que tivesse corrido a Meia Maratona das Cataratas. Pelo menos não foi isso que me fez sentir atraído por essa corrida desde que soube de sua existência e logo a agendei no meu calendário emocional de “provas para correr algum dia”. Talvez tenham sido algumas fotos que vi, impactantes, do magnífico cenário. Pode ter sido o mero fato de não conhecer as majestosas Cataratas e me dar conta de que não existia uma forma melhor de conhecê-las do que correndo.
Depois de aceitar, quase sem duvidar, o convite que chegou à redação da O2, peguei um voo rápido, sem escalas e desembarquei em Foz do Iguaçu. Chovia um pouco. Segundo o motorista que me levou até o hotel, aquela já era a segunda semana de tempo ruim, sem trégua. Não me restava outra opção que respirar fundo, esperar o melhor e me preparar para o pior — neste caso, ter que completar uma meia-maratona debaixo de chuva.
Pouco a pouco, no entanto, fui entrando em certo estado de otimismo. O Marco das Três Fronteiras, um obelisco de pedra onde se juntam as águas do Rio Iguaçu com as do Rio Paraná, era o lugar marcado para a retirada do kit. Excelente começo. Após um trâmite ágil e quase sem fila, decidi dar uma volta por ali, pouco depois do pôr do sol.
Para quem não sabe, neste ponto exato Brasil, Argentina e Paraguai formam um triângulo equilátero que determina o limite territorial da soberania dos três países. Como argentino de nascimento e brasileiro por opção, na solidão dos meus pensamentos e com a mente jogando com as memórias, me emocionei un poquito ao sentir esse abraço entre as nações que amo, mas que, muitas vezes, por questões do futebol, costumam se envolver em lutas quase fraticidas — sem sentido, na minha opinião.
Voltei emocionado ao hotel. Não esperava que uma retirada de kit pudesse me levar a reflexões tão profundas. Ainda era sexta, e no sábado estava programada uma esperada viagem ao Parque Nacional do Iguaçu. Pela manhã, saímos ao encontro com a natureza. Mais uma vez uma surpresa, submergir em um espetáculo tão bonito.
Ensopado depois de passar muito perto da queda d’água com mais fluxo, a famosa Garganta do Diabo, regressei à minha base. Agora, sim, era momento de um bom banho quente e, por fim, me preparar para a 12ª edição da Meia Maratona das Cataratas. Para tornar tudo um pouco mais especial, em 2019 se celebraram durante a prova os 80 anos do Parque Nacional do Iguaçu.
E chegou o dia. Depois de um rápido café da manhã quase de madrugada no hotel, preparado exclusivamente para os vários corredores hospedados no local, partimos em uma van rumo ao Parque. Nessa base, nos esperavam ônibus oficiais da corrida, que logo nos levariam até a largada, no Porto Canoas.
Metódico com os horários pré-prova como sou, pensei que o transporte não conseguiria atender a todos ao ver as filas com mais de 4.500 pessoas esperando. No entanto, tudo correu bem e de forma rápida e, para minha surpresa, fomos subindo aos ônibus quase trotando. Ponto para a organização, pontaço! Ah, estava fresco e não chovia, gol dos deuses da natureza…
O sol começava a aparecer e a jornada prometia ser inesquecível. Para matar o tempo, antes de entrar no pelotão da largada, comecei a conversar com alguns competidores. Havia um clima de agitação a que ninguém passava imune. “Conheci as Cataratas agora mesmo e serão meus primeiros 21 km. Estou explodindo de felicidade e nervosismo”, me disse Jorge, um argentino, de Lanús, que tinha chegado com seu grupo horas antes.
A poucos metros de Jorge, o locutor do evento continuava mencionando as cidades de onde vinham os atletas. Não parava nunca, eram milhares, do Chile até os Estados Unidos, passando pelo Peru e chegando à Inglaterra. Pouco a pouco, fomos buscando nossos lugares na zona da largada. Dando saltos, olhando o relógio, esperávamos o início da corrida. Até que, bam!, já estávamos correndo a Meia Maratona das Cataratas e, muitos, realizando um sonho.
No meu caso, larguei quase no meio, e talvez tenha sido o que me ajudou a segurar o ritmo no primeiro quilômetro com subidas, já que muitos atletas cruzavam o meu caminho. No entanto, depois apareceram as descidas e meu relógio começou a cuspir tempos velozes. Talvez pelo ambiente, pela natureza fascinante ao meu redor e o clima perfeito, fresco e com sol, parecia que meus pulmões estavam trabalhando como nunca. Sentia como o ar entrava e saía, sem obstruções, fluindo.
Apesar do ritmo, um pouco rápido demais para mim — corredor amador que vinha de um tempo sem treinamentos sérios —, estava conseguindo desfrutar da paisagem e até consegui ter cabeça para ler as placas que, em pontos estratégicos, abordavam assuntos como “poluição do ar”. E frases fortes como: “O que te faz perder o fôlego?”, “9 em cada 10 pessoas no mundo respiram ar poluído”. Ao lê-las, eu me fortalecia.
Essa fase de Herói da Marvel quase me pregou uma peça, já que depois de passar a primeira metade da prova senti que não podia manter o ritmo. O retorno estava marcado por uma subida, nada muito complicado, mas nesse momento senti que estava escalando a Garganta do Diabo. “Pronto, acabou, vou trotar até o final, procurando tucanos entre as árvores”, pensei.
Meu passeio matinal não durou muito e não consegui avistar nenhum tucano graças a um grupo de jovens voluntários que, além de me servir água e isotônico, me deu uns tapinhas nas costas e, com frases motivacionais, limpou os meus pulmões. As pernas respondiam outra vez, a cabeça estava no seu lugar e, sobretudo, estava feliz de estar ali, naquele lugar, naquele exato momento.
Pouco a pouco, os passos foram se encaixando e recorri a uma tática que sempre uso quando as coisas ficam difíceis. Trata-se de identificar alguém que, sob o meu critério, esteja correndo a um bom ritmo, para me tornar sua sombra e voltar à corrida. E foi o que fiz com um atleta paraguaio, magro e com pernas largas, excelente pacer. “Un gusto, Miguel”, me disse em espanhol, percebendo a minha manobra na hora e demonstrando sua genuína simpatia.
Só me restou estender a mão e me colocar ao seu lado. Trocando algumas palavras e gestos de parceria, continuei com Miguel quase até o final, quando ambos decidimos acelerar. Nos perdemos entre curvas e retas, atordoados pelo público e a felicidade de todos que nos esperavam em Porto Canoas.
No final, uma descida violenta para cruzar a meta com um tiro eufórico, fechando a prova em 1h37min. Segundos depois, o vazio pelo que terminou e o desejo de voltar. E voltar logo, uma e mil vezes mais.
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