Brigas entre torcedores, mortes em dias de clássicos e um clima de insegurança mancharam o futebol paranaense nos últimos anos. Episódios de violência nos estádios curitibanos e seus arredores se multiplicaram em jogos envolvendo Coritiba, Atlético-PR e Paraná, afastando o público cuja única motivação é apoiar o seu time. Gols, dribles e o clima festivo que deveria caracterizar o esporte mais popular do país deram lugar a socos, pontapés, bombas e tiros.
Enquanto as torcidas organizadas seguem associadas a atos de barbárie, três grupos de torcedores-corredores de Curitiba mostram que a rivalidade nos gramados não é empecilho para conviver em um clima pacífico. Muito pelo contrário. O Coxa Runners, o Park Fitness Paranista e o Furacão Runners surgiram como iniciativas de torcedores paranaenses que queriam unir duas paixões: o futebol e a corrida. O que inicialmente era uma proposta meramente esportiva se converteu em uma lição de civilidade aos brigões alviverdes, rubro-negros e tricolores.
Os encontros entre membros do Coxa Runners, Park Fitness Paranista e Furacão Runners são comuns nas provas de corrida realizadas em Curitiba. Neles, em vez de inimizade, impera o clima amistoso e nascem ações exemplares. Em 2016, os três grupos se juntaram para organizar uma campanha do agasalho. Recolheram cerca de 300 quilos em roupas destinadas a um asilo da capital mais fria do país.
“A corrida é um ambiente mais agradável, saudável. É um ambiente sem aquela rivalidade pesada do futebol. Você compete contra si mesmo, não precisa impor uma superioridade em relação aos outros, como acontece algumas vezes no futebol”, explica Rui Santos, líder do Park Fitness Paranista.
“Mesmo que cada um seja apaixonado pelo seu time, quem está ali participando das corridas e interagindo com as pessoas é o atleta. Se a pessoa estiver com a camiseta do clube dela, qual é a diferença? Por que não manter o mesmo nível de amizade e convivência com todo mundo? Acho que a corrida proporciona isso”, acrescenta José Derujo Lima, um dos fundadores do Coxa Runners.
A pedido do Ativo, 30 torcedores-corredores – 10 de cada equipe – se juntaram no Museu Oscar Niemeyer, um dos pontos turísticos de Curitiba, para explicar como a corrida amenizou a rixa futebolística e deu origem a belas histórias. Nesse encontro, não faltaram piadas e provocações sadias.
Enquanto o Coritiba tentava espantar a má fase para seguir na Série A do Campeonato Brasileiro, o Paraná, dono da terceira maior torcida do estado, vivia momentos de euforia com a possibilidade do acesso na Série B, que se concretizara no mês seguinte. Um dos motivos era o fato de ter quebrado o recorde de público da Arena da Baixada, o moderníssimo estádio do Atlético-PR, na vitória por 1 a 0 sobre o Internacional. “Calamos quem duvidava da força da nossa torcida”, repetiam os paranistas.
Diferentemente do que sugere o seu nome, o Coritiba Foot Ball Club hoje não se resume a futebol. O Coxa Runners foi o primeiro grupo paranaense a surgir a partir do amor por um clube de futebol. Fundado há cinco anos, não tem fins lucrativos e reúne atletas em treinos, corridas e outros eventos. Não é raro ver o escudo coxa-branca em competições em outras cidades do Sul do país.
Os interesses, no entanto, vão além da corrida e dos papos de arquibancada. “Nas corridas, é tudo muito rápido. O pessoal não consegue interagir”, diz Derujo. Para promover essa interação e aumentar a troca de experiências, o grupo também organiza churrascos, jantares e até um programa transmitido pela rádio oficial do Coritiba.
Às 20 horas das segundas-feiras, em uma das cabines de transmissão do estádio Couto Pereira, é gravado o Coxa Runners, cuja programação traz informações técnicas sobre o universo da corrida.
Não para por aí. A diretoria do Coritiba também dá o sinal verde para a realização da Coxa Run, a corrida de aniversário do clube. No último dia 12 de outubro, às 7 horas da manhã, 1.800 adultos e 200 crianças estiveram no Couto Pereira para disputar a terceira edição da prova.
“Eu corro há sete meses de forma mais séria. Comecei a correr para emagrecer e perdi 23 quilos. A corrida só tem feito bem para mim. O pessoal aqui é muito receptivo”, elogiou no dia da prova Juliane Cristina Pereira, vencedora da categoria feminina dos 5 km do evento.
Perda de peso, superação, redução de estresse… São muitos os motivos que levam uma pessoa a começar a correr. No Park Fitness Paranista, há quem tenha achado na paixão pelo Paraná Clube uma razão para dar as primeiras passadas. Inicialmente, o grupo tinha em seus treinos de 20 a 30 pessoas, mas representar o Tricolor da Vila, ainda que de forma não oficial, trouxe visibilidade e novos representantes.
“Nós vemos ‘paranismo’ em tudo que fazemos. O grupo veio da ideia de aliar uma vida mais saudável e o bem-estar ao ‘paranismo'”, diz Rui Santos, o porta-voz do Park Fitness Paranista. “Temos uma proximidade pequena com a diretoria do clube. Eles ainda não podem nos oferecer estrutura, mas conhecem o nosso projeto.”
Originalmente, o “paranismo” designava um movimento artístico que buscava dar ao estado o orgulho de suas próprias raízes. No entanto, desde que o Paraná Clube cresceu no cenário do futebol nacional, seus torcedores resolveram dar um novo sentido ao termo, como se este neologismo simbolizasse o sentimento de pertencer ao time mais jovem do trio – o Tricolor da Vila nasceu em 1989, após uma fusão entre dois clubes curitibanos.
Foi no Park Fitness Paranista que Guilherme Zaremba, de 33 anos, viveu um dos momentos mais emocionantes de sua trajetória na corrida – e, por que não, de sua vida. Em cinco anos correndo, ele perdeu 28 quilos e ganhou uma nova família após um episódio triste.
Há um ano e meio, Zaremba viu os integrantes do Park Fitness Paranista abraçarem seu drama familiar. Pietro, seu afilhado, sofria com um tumor na coluna. Além de receber ajuda financeira dentro do grupo para auxiliar no tratamento, foi “escoltado” emocionalmente quando sua cabeça e suas pernas começavam a falhar durante a Maratona de Curitiba.
“Eu sempre tive o objetivo de disputar uma maratona em prol da saúde do Pietro. No fim das contas, fui muito além disso. O pessoal do grupo me deu um carinho enorme. Em 2016, no km 36 da Maratona de Curitiba, havia uma tenda do Park Fitness Paranista em frente à Vila Capanema [estádio onde joga o Paraná]. Pessoas que eu não conhecia vieram correndo comigo nos últimos seis km. Diziam: ‘você vai conseguir’, ‘você vai chegar lá’. A emoção foi enorme. Só quem corre sabe como isso vai além do esporte”, lembra.
Pietro não resistiu ao câncer devastador, mas seu padrinho segue apegado aos novos e velhos amigos feitos na corrida para superar a perda.
O Furacão Runners, grupo de corrida do Atlético-PR, surgiu em 2013 e tem o apoio oficial do clube. Segundo Guilherme Hagebock, um dos fundadores, um dos objetivos era criar um vínculo de amizade entre corredores de rua apaixonados pelo Rubro-Negro. Duas pessoas foram mais longe.
Para Valdevino Moraes da Luz e Luciene Duarte de Oliveira, o Furacão Runners trouxe uma terceira paixão. O casal se conheceu há aproximadamente dois anos e comemorou o noivado correndo uma maratona. Hoje, eles treinam, torcem e vivem juntos.
“Se um é corredor e o outro não, acaba atrapalhando. Ela é maratonista, eu também. Estamos sempre juntos. A corrida é essencial para a nossa harmonia”, diz Valdevino.
Os finais de semana do casal são dedicados ao que os juntou: o Atlético e a corrida.
“No sábado, já dormimos cedo, porque domingo é dia de correr 30 km. Depois do longão, fechamos o domingo lá na Arena”, descreve Luciene.
Milene Szaikowski, namorada de Guilherme e integrante do Furacão Runners, planeja estreitar ainda mais a relação com coxas-brancas e paranistas.
“Queremos fazer no futuro uma corrida dos três clubes de Curitiba. Começamos umas reuniões para ver se conseguimos fazer isso. Queremos acabar de vez com essa história de que os torcedores brigam. Aqui não tem essa. Quem corre tem outra cabeça.”
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