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Os perigos de optar por um tênis inadequado

Atualizado em 02 de agosto de 2017
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Em uma caminhada em ritmo lento, cada pé aguenta uma massa equivalente ao seu peso multiplicado por 1,19. A cada passo, uma pessoa de 80 kg suporta 95,2 kg. Na corrida, com movimentos mais intensos, o impacto sobre as articulações aumenta de duas a três vezes. Assim, o corpo passa a suportar uma carga que vai de 160 a 240 kg. Em média, um corredor toca o solo com seus pés entre 160 e 180 vezes por minuto.

Responsáveis por diminuir esse grande impacto entre o solo e o corpo, os tênis, apesar de todos os avanços tecnológicos, nem sempre são os salvadores da pátria. Modernidade no design, leveza e sistemas de amortecimento amplamente divulgados em campanhas publicitárias das fabricantes de tênis não garantem que o calçado não vá prejudicar o desempenho ou até mesmo a saúde do corredor.

Escolher um tênis inadequado representa um perigo para os corredores que, muitas vezes, associam a leveza do calçado à possibilidade de melhorar os tempos nas provas. Linha de pensamento que, segundo Rodrigo Roehniss, consultor técnico de produtos da O2, significa um tiro no pé.

“Em algumas situações, uma parte dos tênis de corrida, principalmente os de performance, com entressola mais baixa, interferem negativamente na performance do atleta, mais por culpa da pessoa que do próprio tênis. Alguns corredores acabam optando pela compra do tênis de competição quando sentem a leveza do mesmo, acreditando que um calçado extremamente leve terá influência muito positiva em sua performance, o que não é verdade”, afirma.

“Em alguns casos, o atleta não tem a estrutura corporal adequada para utilizar os tênis de performance — se estiver acima do peso, por exemplo —, além de não fazer a adaptação adequada para conhecer e entender a resposta desse tipo de modelo, colocando-o direto em uma prova. Isso pode gerar não só desconforto durante a competição, mas também alguma lesão”, acrescenta Roehniss.

O “uso indiscriminado” dos tênis com entressola mais baixa e, portanto, mais leves também chama a atenção da pesquisadora Ana Paula Azevedo, que concluiu em 2013 uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) sobre biomecânica na corrida. Em seu estudo, ela comprova que os calçados minimalistas (aqueles que simulam a sensação de estar correndo com os pés descalços), quando utilizados corretamente, ajudam a amenizar o impacto sobre o corpo e auxiliam na ativação muscular.

 

 

Utilizá-los, no entanto, não depende apenas da vontade do corredor. É preciso fazer uma transição antes de partir para esse tipo de calçado. A pesquisadora recrutou um grupo de corredores e triatletas e teve acesso às planilhas de treinos para fazer uma evolução a fim de checar os benefícios dos tênis minimalistas. 

Nos dois primeiros meses, os atletas mantiveram seus treinamentos habituais com calçados de entressolas mais altas. A partir do terceiro mês, passaram a treinar três vezes por semana com calçados minimalistas intermediários, mais baixos que os primeiros, porém sem todas as características dos minimalistas puros. Entre o quinto e o sexto mês, o grupo, já com os minimalistas puros, com solados de 2 ou 3 cm no máximo, apresentou maior eficiência na absorção de impacto. A progressão cautelosa fez com que o corpo fosse menos castigado pela corrida.

Os efeitos para o corpo

Ortopedista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, Marcello Cunha aponta que, para suavizar vícios posturais, o ideal seria que o pé do corredor passasse por um processo semelhante ao que os grandes astros do esporte são submetidos pelas fabricantes de material esportivo: a criação de um calçado moldado especialmente para o corpo de uma pessoa. Inviável para os padrões atuais, o sistema vem sendo trabalhado em uma parceria entre a Adidas e a Carbon. Um scanner fará a leitura do pé, além de outras medições, trazendo uma entressola e um cabedal personalizados para o comprador.

Enquanto a novidade não chega para, talvez, revolucionar o universo da corrida, alguns problemas ainda fazem parte da vida dos corredores. Um dos contratempos mais comuns é a fascite plantar, geralmente provocada por calçados duros, que castigam a planta do pé. Desgastes no quadril, lesões no joelho e rupturas no tendão de Aquiles também são recorrentes.

“O uso de equipamento é tão importante quanto a checagem do tipo de atividade que deve ser feita pela pessoa. A forma como a pessoa corre e os vícios posturais devem interferir na escolha do tênis que se adapta melhor ao atleta. O uso indevido do calçado pode levar a um desbalanceamento, que faz com que o eixo biomecânico seja alterado”, ressalta Cunha.

E nem todos os problemas são ortopédicos. A pele também pode sofrer com um tênis inadequado, garante o dermatologista Rodolfo Mendonça. “A pele tem diferentes características, dependendo do local do corpo e de sua função. A pele da planta dos pés possui uma camada de queratina muito mais grossa que a do rosto, já que está submetida constantemente a cargas e atritos. Essa espessura varia de acordo com o peso de cada um, assim como com o tipo de atividade exercida pelo indivíduo. O sofrimento da pele será pior dependendo do impacto e do tempo de uma prova”, diz.

Calos, rachaduras, bolhas e o escurecimento de unhas são possíveis complicações do sistema tegumentar após uma prova. O espessamento da pele do pé já tem como intuito a proteção contra as agressões sofridas. Áreas de maior pressão podem produzir um aumento excessivo da camada de queratina, formando calos e gerando dor durante a corrida.

É recomendável escolher calçados mais folgados para provas e treinamentos mais intensos, já que os pés incham durante a corrida. Tênis apertados ou costuras inadequadas podem levar ao surgimento de bolhas. O escurecimento da unha — ou até mesmo sua queda — pode ocorrer devido a hematomas diante de atrito intenso.

 

Dicas para escolher o tênis adequado

1- Procure lojas em que os vendedores realmente tenham conhecimento sobre o mundo da corrida. Profissionais embasados têm contato com fabricantes e maior acesso às tecnologias desenvolvida pelas marcas. Se estiver com dúvidas técnicas e sentir que o vendedor quer apenas atingir sua cota de vendas, busque informações e seu novo par de tênis em outro local.

2- Realize um teste de pisada, que possibilita que você conheça as dimensões reais do pé em uma análise estática. Além de receber um “raio-X” com as características dos seus pés, o atleta corre em uma esteira e suas passadas são analisadas por especialistas. Um equipamento de alta definição capta imagens em câmera lenta, trazendo com riqueza de detalhes o estilo do corredor. Ao fim do processo, os profissionais do teste de pisada indicam um modelo que otimize o rendimento do atleta.

3- Os tênis mais caros podem ser mais badalados e talvez até impressionem mais os seus companheiros de corrida, mas nem sempre são os mais propícios para você. Leve em consideração pares que estão mais em conta e talvez tenham características semelhantes.