Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Zersenay Tadese, cinco vezes campeão mundial e detentor do recorde mundial da prova, com 58min23s cravados em 2010 nas ruas de Lisboa. Tem ainda uma base e início nas competições mundiais na duríssima forja de campeões chamada cross country, em que também se tornaria o melhor do mundo.
Já nos 10.000 metros, tem uma medalha de bronze da Olimpíada de Atenas 2004, uma de prata do Mundial de 2009 e batalhas históricas contra um mito da prova, o etíope Kenenisa Bekele.
Por toda essa formação e carreira de atleta completo, o eritreu Tadese era aposta certa para se destacar na maratona, o caminho natural de muitas feras dos 10.000 metros e da meia-maratona. Mas ele jamais brilhou ou venceu quando migrou para os 42.195 metros e tem como melhor marca um tempo distante dos mais competitivos maratonistas do planeta: 2h10min41s.
A história de Tadese começa na pacata aldeia de Adi Bana, onde nasce em 8 de fevereiro de 1982 numa região que é hoje a Eritreia, no nordeste da África, quando esse país ainda era parte da Etiópia. Sua terra só se tornaria independente em 1993, após uma sangrenta guerra civil.
O menino cresce no pacato interior. Não sofre com a violência da guerra, nem depois, com uma das ditaduras mais cruéis da África, que dura até hoje sob o comando do presidente e general eritreu Issaias Afeworki.
Como tantas crianças pobres africanas, cresce descalço e forma sua base nas corridas por pura necessidade: correndo para a escola, 11 km distante, e voltando caminhando.
Não é correndo, porém, que Zersenay Tadese começa no esporte. Herança do passado colonial da ocupação italiana, o ciclismo era o esporte mais popular da região e o garoto torna-se um ciclista promissor de provas de 30 a 50 km. No início da juventude, pensa em virar profissional na Europa, mas as distâncias das competições nas terras sagradas dos pedais são muito maiores do que ele está acostumado.
Motivado pelo professor de um clube local, decide experimentar o atletismo. Logo sua velocidade e ritmo forte e constante começam a se destacar nas planícies a mais de 2.000 metros de seu país.
Aos 20 anos, o jovem Zersenay, de 1,60 metro e 54 kg, é descoberto, em 2002, pela espanhola Julia García, agente de atletas sempre garimpando na terra fértil de corredores africana. Ela o leva a Madri, junto de um grupo de atletas eritreus, e pede a atenção do treinador Jeronimo Bravo, que se impressiona com a capacidade dele. Tadese passa a viver a maior parte do ano na capital espanhola.
O eritreu faz sua estreia internacional no Mundial de Cross Country, em Dublin, Irlanda, nos 12 km. A inexperiência faz com que perca a largada, pois esperava que uma bandeira que abaixasse fosse o sinal, em vez do tiro de pistola. Por isso larga depois dos outros competidores e fica com o 30º lugar.
Apenas dois anos depois, em 2004, em Atenas, no berço dos Jogos Olímpicos, Zersenay Tadese conquista uma inédita medalha olímpica de bronze para a Eritreia, nos 10.000 metros, atrás apenas dos etíopes Kenenisa Bekele e Sileshi Sihine, e vira herói nacional.
Traz ainda da Grécia o sétimo lugar na final dos 5.000 metros. Quando volta para casa, é aclamado por uma multidão nas ruas de Asmara, capital da Eritreia, e até hoje, quase 20 anos depois, garante que essa medalha valeu mais que qualquer outra.
Em 2005 ele é vice-campeão do Mundial de Cross Country, e no ano seguinte inicia seu impressionante domínio nas meias-maratonas: vence os mundiais de 2006 em Debrecen, Hungria; 2007 (Udine, Itália), 2008 (Rio de Janeiro), 2009 (Birmingham, Grã-Bretanha); é vice em 2010, na China, e volta a vencer em 2012, em Kavarna, Bulgária.
Além das provas de cross e nas ruas, o herói eritreu torna-se um notável corredor dos 10.000 metros. Porém, esbarra sempre em Bekele, um rival praticamente imbatível, o mesmo que também dominava o mundial de cross country com um incrível pentacampeonato seguido, tanto nos 12 como nos 4 km (2002/2003/2004/2005/2006).
Em março de 2007, a medalha olímpica de 2004 é a mais amada por Tadese, mas o que acontece no calor infernal e úmido de Mombasa, Quênia, no Mundial de Cross disputado em um campo de golfe às margens do Oceano Índico, dá nova dimensão à sua carreira. O eritreu quebra o reinado de Bekele, que abandona a prova, exausto, e vence o Mundial de Cross.
Cinco meses depois, os dois se enfrentam de novo, agora em Osaka, Japão, mas no Mundial de Atletismo em pista. A final dos 10.000 metros assiste a um alucinado voo solo do baixinho eritreu, que imprime e comanda a prova com um ritmo forte que vai machucando os rivais.
Lidera até quase o km 9, mas aí é atropelado por Sileshi Sihine, pelo queniano Martin Mathati e, claro, por Bekele, que conquista seu terceiro título mundial seguido. Tadese fica com o quarto lugar.
O auge do duelo acontece no Mundial de Berlim, 2009. Tadese imprime mais uma vez uma cadência infernal, lidera quase toda a final. Na última volta, vê Bekele explodir em uma disparada espetacular para o ouro e o quarto mundial seguido, igualando o lendário Halle Gebrselassie.
Zersenay Tadese fica com a prata e esse vice-campeonato faz com que o eritreu seja apenas o segundo corredor da história, depois de Paul Tergat, a conquistar no mesmo ano medalhas em mundiais disputados em diferentes pisos: além da pista de Berlim, ele ficou com o bronze no Mundial de Cross e o ouro no Mundial de Meia-maratona, tudo em 2009.
Nos 10.000 metros do Mundial de Atletismo seguinte, em Daegu (2011), o eritreu fica em quarto lugar. Dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, traz um quinto lugar, é o sexto em Londres 2012 e oitavo no Rio 2016.
O ano de 2010 faz Tadese esquecer um pouco as derrotas em pista para Bekele. O evento que ajuda nisso é a meia-maratona de Lisboa, disputada em 21 de março. Na terra dos grandes desbravadores de novos mundos do passado, cada passagem do baixinho eritreu é assombrosa.
Os 10 km são alcançados com 27min53s. Na sequência, corre os 5 km em 13min40 (total de 41min33s). No km 20 soma 55min21s e faz os últimos 1.100 metros abaixo dos 3 minutos, cravando 58min23s para eclipsar em 10 segundos o recorde mundial anterior, do queniano Samuel Wanjiru.
“Foi uma performance maravilhosa, por sua consistência de ritmo e ainda pelo fato de ter corrido sozinho os últimos 12 km”, afirmou o renomado fisiologista sul-africano Ross Tucker em seu blog, The Science of Sport.
Além desse desempenho impressionante em Lisboa, Ross destacou outro elemento decisivo para o recorde de Tadese: a descoberta, num estudo do British Journal of Sports Medicine, de 2007, de que o eritreu era o corredor mais econômico do planeta, ou seja, nenhum outro tinha a mesma capacidade para manter uma velocidade constante consumindo uma menor quantidade de oxigênio que outros atletas.
O recorde mundial da meia e a capacidade física de Zersenay Tadese fizeram alguns especialistas o apontarem como um futuro monstro também da maratona.
“Ele parece pronto para a maratona. É intenso, mas econômico. Tem força mental e talento. Teve de se contentar em ser um corredor secundário de Bekele nas pistas, mas nas ruas ele parece uma força mais formidável”, afirmou ao jornal The Guardian o antigo grande fundista inglês Steve Cram.
Nas poucas provas que disputou, seu melhor tempo ficou acima de 2h10min. Mesmo assim foi escolhido, junto do melhor maratonista do planeta, o queniano Eliud Kipchoge, campeão olímpico no Rio 2016, e do etíope vencedor duas vezes da maratona de Boston, Lelisa Desisa, para integrar o projeto da Nike para uma maratona em menos de 2 horas.
O Breaking2 tem como palco o autódromo de Monza, na Itália, em 6 de maio de 2017. Claro que as condições criadas pela empresa — seis corredores — coelhos puxando o ritmo à frente, quebrando o vento para o trio Eliud Kipchoge, Zersenay Tadese, Lelisa Desisa, além de linha verde da marca abaixo de 2 horas sendo projetada à frente deles, e não ser uma prova oficial — não permitiriam que a marca de um recorde mundial fosse homologada.
Mesmo assim, Kipchoge fica a apenas meros 25 segundos de baixar das 2 horas. Já Tadese e Desisa, sobretudo esse
último, não aguentam o ritmo do melhor do trio, e o eritreu completa a maratona em 2h06min51s. Talvez ter sido um dos escolhidos para o ambicioso Breaking2 signifique um recomeço para Tadese.
Seu próximo desafio será a maratona de Berlim, em que terá a companhia dos quenianos Kipchoge e Wilson Kipsang, ex-recordista mundial da prova. Aguardemos então o próximo 16 de setembro para descobrir se o campeão humilde e discreto, Zersenay Tadese, enfim conseguirá ser aceito no olimpo das corridas, a maratona.
*Por Zé Augusto de Aguiar
Compartilhar link