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Quantos anos você tem? Muita gente fala que depois dos 60 — imagine! — é velho para começar na corrida. Mas outros vêm e provam o contrário: correm mais do que alguns garotos de 20, sobram em disposição, e ainda chegam na frente em muitas provas.
Tem tanta gente começando mais tarde e se dando bem na corrida, que fica o questionamento: será que a idade realmente importa? Essa vantagem ou desvantagem está mais relacionada a uma questão de genética ou basta treinar para continuar correndo até ficar velhinho?
Nem lá nem cá. Você vai ver no infográfico que a genética importa, mas a idade, nem tanto. Só que quando falamos de movimentar o corpo, os anos de treinamento e o estilo de vida que você leva contam muito mais.
O pace, a velocidade e a distância que um corredor é capaz de correr têm mais a ver com treinamento e estilo de vida. Entretanto, se você tiver genética boa para ajudar nessa equação, melhor ainda. “Tanto faz a idade. A predisposição genética vem dos nossos pais, mas não temos como predizê-la — ainda. Talvez daqui a 20 anos possamos saber se você tem maior ou menor tendência para ser um atleta de endurance. Mas não é só sobre genética. Todas as pessoas são dotadas de um ótimo mecanismo de produção de energia, nosso corpo. E quanto mais treinado ele for, mais adaptações fisiológicas vão acontecer ao longo dos anos de prática”, avisa Gerson Leite, fisiologista do esporte.
Quase todas as pesquisas de fisiologia do exercício mostram certas mudanças que podem diminuir o desempenho com o avançar da idade. Mas, ao contrário de uma pessoa mais velha e sedentária, você, atleta (amador ou não), experimenta sintomas mais discretos. Quando falamos de corrida, as mudanças mais preocupantes são as alterações na capacidade aeróbia e na quantidade de gordura corporal versus músculo. E não param por aí.
Até agora, tudo que a ciência sabe sobre exercício e envelhecimento é que parece haver uma relação inversa entre o volume de exercício dos idosos e o risco de morte prematura, independentemente da causa. Em outras palavras, quanto mais você se exercita, menor a probabilidade de ter uma morte precoce.
Mesmo com assiduidade nos treinos, a genética vai determinar quem é você na fila da performance. “Estima-se que os genes conseguem prever uma variação de 25% do desempenho aeróbio de uma pessoa. Consequentemente, alguém com grande predisposição genética terá uma performance melhor”, continua Gerson. Isso ajuda a explicar por que alguns corredores perdem músculos e ganham gordura apesar de seus melhores esforços, enquanto outros têm pouca mudança na composição corporal e na performance.
Se você acha que o seu estilo de vida não influencia como você envelhece, repense. O efeito acumulativo de álcool, gordura saturada, cafeína, noitadas, açúcar e vida estressante, com poucas horas de sono em geral, vai custar caro. Quem paga a conta é o corpo, com disfunções no fígado, coração, cérebro e por aí vai.
O VO2 máximo e os limiares aeróbios são bons preditores de desempenho para avaliar, classificar e entender essas diferenças, conforme você envelhece — mas, repetindo, ser um bom corredor ou corredora não tem a ver com a idade. O desempenho nas corridas tem uma relação grande com os anos de treinamento aeróbio. “Conseguimos até mudar o padrão de fibras musculares com o treino feito de maneira planejada e contínua”, explica Gerson Leite.
Imagine que cada quilômetro percorrido se converte em “dinheiro no banco”, destinado para a melhoria do condicionamento aeróbio. Quanto mais você correr, mais capilares, enzimas aeróbias, mitocôndrias e dúzias de outras mudanças positivas acontecem nos seus músculos para lhe ajudar a obter passadas mais velozes. “Se você compara uma pessoa de 20 anos que corre há dois meses e uma de 60 que tem duas décadas de treino, esta segunda terá vantagem, pois já atingiu um ápice de condição física de corrida, enquanto que o jovem de 20 ainda está começando”, esclarece o treinador Renato Dutra. Mas assim como o banco tem seus encargos, infelizmente, mais corrida também pode implicar mais lesões e mais tecidos cicatrizados.
É justamente esse tempo de prática, intensidade e quilômetros percorridos que irão determinar a sua “idade de corredor”. Sua própria combinação de herança genética, pecados e virtudes no estilo de vida, “quilômetros no banco” e histórico de lesões determinam se você é mais jovem ou mais velho — comparado à sua idade da certidão de nascimento.
Há uma questão importante sobre as fibras musculares e como elas se alteram ao longo da vida e no decorrer do envelhecimento. “As fibras de contração rápida, de velocidade, força explosiva, do tipo 2B, e as fibras de contração rápida intermediárias, que podem ficar resistentes ou rápidas, dependendo do estímulo, vão perdendo a sua tenacidade e a capacidade de contração. Com o tempo, parte desses dois tipos de fibra (em especial, a 2B) é perdida. É o que chamamos de sarcopenia, problema típico do envelhecimento”, explica Renato.
Estudos têm mostrado benefícios de treinos para idosos com força máxima e força explosiva, que recrutam mais as fibras de contração rápida. Em alguns casos, acontece até uma recuperação delas. Não se sabe se é a genética que confere propensão a possuir ou não esse tipo de processo das fibras. “Falo com meus alunos mais velhos para investir em treinos com cargas altas e sprints para estimularas fibras de contração rápida e retardar esse envelhecimento”, explica Renato. Por isso, atletas veteranos migram para provas cada vez mais longas. Quanto mais curta a prova, mais dessas fibras é exigido. Fica difícil competir com os mais novos. Dessa forma, vale a dica do treinador: “Se você é competitivo e se preocupa com a colocação na classificação geral, a ideia de migrar para distâncias mais longas faz com que sua colocação geral caia menos, porque você perde menos resistência do que velocidade conforme ganha anos de vida”, avisa.
Outro ponto que vale a atenção é o desvio natural da postura ao envelhecer, tanto na coluna como nas pernas. “Por exemplo, o joelho de caubói (varo) nos homens é temeroso e pode acentuar o risco de lesão. Na mulher, o joelho fica mais para dentro (valgo) com a idade. Ou seja, não dá para fugir da inevitável caminhada da velhice. Mas quando você descobre o esporte como estilo de vida, entende que as rugas podem não sumir da nossa pele. E, quanto mais você se movimentar durante a vida, mais jovem será aí dentro. Isso não é uma fórmula antiaging. É lifestyle de corredor.
Para Renato Dutra, o fundamental para quem quer começar aos 60 anos é entender que o passado conta. “A primeira pergunta que faço é: você faz algum tipo de fortalecimento? Porque o processo de envelhecimento traz uma perda de força e de massa muscular. Aliado a isso, vale olhar se há uma suspeita de osteopenia e osteoporose, problemas inerentes ao envelhecimento. Se a pessoa não trabalha fortalecimento, terá mais risco de começar na corrida sem estar suficientemente preparada”, explica. Além disso, pode apresentar lesões prévias, de má postura, atividades anteriores, doenças ocupacionais (histórico de dor lombar e hérnia, por exemplo). É preciso levantar com mais critério as nuances na saúde”, completa.
Por não ser um “carro zero km”, essa máquina inspira cuidados para ser colocada de forma impecável nas pistas. Especialmente quando falamos de corridas em trilha, pela montanha. Na cidade, um carro antigo precisa de manutenção, principalmente se for fazer uma longa viagem. Essa comparação didática é para lembrar que é fundamental fazer uma bateria de exames periodicamente, mesmo que você seja experiente na corrida.
Outra dúvida é se com o passar do tempo e a chegada a velhice, é necessário reduzir o ritmo. A resposta é: tudo depende de como foi feita a corrida nesses anos de trajetória. “Observo muito as pessoas correndo. A tribo da corrida vem se renovando. Isso tem a ver com algo que eu falo e que é assustador, que é chamado de taxa de sobrevivência na corrida. Os estudos sobre a incidência de lesões em corredores mostram que ao longo da carreira de corredor eles param de treinar por se machucarem. São problemas que incapacitam para o esporte ou lesões recorrentes que desanimam os treinamentos. Ficam indo e vindo para a fisioterapia, ciclo recorrente, e a pessoa desanima”, explica Renato.
Em geral, a turma das antigas, dos 1980, 1990, não sobreviveu à corrida. O motivo é a mentalidade do esporte na época do “quanto mais, melhor” e, claro, não havia tanta informação disponível. Era uma lei fazer maratona. Para tal, era feita uma adaptação dos treinos de elite, que castigava o corpo da pessoa amadora.
Se você imaginar alguém que sempre correu três vezes por semana, 30 a 40 minutos por treino, é bem provável que esteja saudável e livre de lesões, porque manteve um patamar de leve a moderado na modalidade. Além de suas estruturas, que estão mais reforçadas por conta dessas pequenas doses que deixaram o corpo mais resistente ao impacto da corrida.
Moral da história: a corrida é para todos? Sim, mas você precisa se preparar para isso, como em tudo na vida.
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