Os calcanhares eram o ponto fraco de Aquiles, que era invulnerável em todas as outras partes do corpo por ter sido banhado no Rio Estiges, curso d’água que dava sete voltas no inferno. A área pode ser também especialmente perigosa para os corredores, longe da invulnerabilidade do herói mitológico. Se exigidos demais, os calcanhares podem condenar os atletas a um período longe do asfalto por causa do esporão de calcâneo.
Mas quais seriam as circunstâncias? Conversamos com Maurício Garcia, coordenador do setor de fisioterapia do Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, além de fisioterapeuta do Centro de Traumatologia do Esporte da Unifesp.
O problema ocorre em pessoas com sobrepeso. Normalmente, os portadores do esporão de calcâneo têm um histórico de sobrecarga na fáscia plantar. Provavelmente, são hiperpronadores ou hipersupinadores. Garcia cita um estudo elaborado com vítimas do esporão de calcâneo, que concluiu ser determinante um volume de treinos significativo para a manifestação desse problema ósseo: acima de 64 quilômetros semanais.
O fisioterapeuta da Universidade Federal de São Paulo adverte corredores com esse perfil (com sobrepeso e volume semanal de treino relativamente elevado) a identificar o tipo de pisada, com testes que a flagrem dinâmica e estaticamente, a utilizar tênis apropriados para esse tipo de pisada e corrigir o volume de treinos, a fim de evitar sobrecarga.
É sempre melhor evitar, obviamente, que o problema se manifeste. O esporão de calcâneo, no entanto, não é tão mortal como a flechada de Páris que acometeu Aquiles na Guerra de Troia.
O tratamento caseiro para o esporão de calcâneo não é apenas permitido, como recomendado. Ele é bastante similar ao da fascite plantar. Massagear o pé com uma bolinha de tênis ou com bolinhas fisioterápicas de borracha com protuberâncias (tipo espinhos) é indicado. Ainda mais eficiente, segundo Garcia, é a criomassagem.
Encha de água uma latinha de refrigerante ou uma garrafa de água mineral de meio litro, leve ao congelador e faça pressão com o pé sobre ela. Três sessões diárias, cada uma delas com seis minutos, dão conta do recado.
Garcia dá mais informações para que o corredor progrida no sentido do autoconhecimento de sua máquina pessoal de correr. Investir em baropodometria – o estudo da pisada que oferece informações sobre a distribuição da carga (peso corporal) pelos pés – é um bom caminho.
Outra indicação é submeter-se a uma avaliação dinâmica da pisada. Trata-se de uma análise cinemática – gravam-se os movimentos do corredor, e essa filmagem é salva num software chamado Dartfish. É um programa utilizado também por atletas de ponta, como nadadores, interessados em correção de movimentos.
Com todos esses dados, o corredor pode, por exemplo, ser orientado a utilizar um par de tênis neutro, mas com palmilha customizada.
João Paulo Bergamaschi, ortopedista e cirurgião de coluna da Clínica Kennedy, de São Paulo, frisa que um portador de esporão de calcâneo pode conviver sem grandes dramas com essa proeminência óssea.
“A reabilitação é feita em duas etapas. Em crise, com dor, o corredor deve ser tratado com fisioterapia analgésica, raios infravermelhos, ondas de ultrassom. Num segundo momento, deve buscar, com a ajuda de um fisioterapeuta, fortalecer a musculatura do pé, com aqueles exercícios feitos com bolinhas (de tênis, golfe) e com garrafa d’água congelada. Não é algo tão fácil como o fortalecimento do joelho, que se faz em academia de musculação, mas funciona”, diz o profissional formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, acostumado a lidar com estragos bem mais pesados – é médico da equipe oficial do UFC Brasil.
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