A interação com a natureza, as belas paisagens encontradas durante os trajetos e a solidariedade entre os participantes em trechos sinuosos das provas seduzem os esportistas e os levam a buscar a imprevisibilidade de bosques, montanhas, praias e dunas. Em uma só prova de trail run, é possível deparar com os mais variados cenários – e com a possibilidade de intempéries climáticas modificarem bruscamente o percurso. Segundo Dagny Barrios, escritora norte-americana especializada em corrida:
“Você não conquista a trilha, você reage”.
Gerente operacional da empresa que organiza o Mountain Do, bandeira brasileira que, na segunda metade da década de 1990, se inspirou em eventos europeus para abrir caminho de provas de trail run no País, Cláudio Rafael Varela Ribas atribui o crescimento exponencial do nicho ao desejo de fuga de quem vive nas grandes cidades.
“A corrida de montanha está ganhando mais espaço. Há uma migração do asfalto para a trilha. Quem corre no asfalto e vem para a trilha encontra uma nova energia. As pessoas estão precisando sair da cidade, do estresse. A pessoa vem para a trilha e fica mais light”, aponta.
Encontrar uma nova atmosfera e desafios até então desconhecidos motivou Romina de Nicolai, treinadora do Corre Corinthians, grupo de corrida que leva o nome do time de futebol mais popular de São Paulo, a explorar trilhas Brasil afora. Ex-triatleta, ela participou de duas edições do Ironman e completou as distâncias clássicas das provas de rua. Esteve em seis meias-maratonas, duas maratonas e sabia de cor e salteado os percursos dos principais eventos do calendário esportivo de São Paulo.
Três anos depois de experimentar o trail run, a treinadora não disfarça o encantamento pelo clima de solidariedade que o novo caminho na corrida lhe proporcionou. Romina liderou um grupo de 23 pessoas vinculadas ao Corre Corinthians no Mountain Do no Costão do Santinho, em Florianópolis, no início de julho.
“Eu estava precisando de algo novo. Descobri novos percursos e vi que a trilha era algo realmente desafiador. Me apaixonei por tudo que envolve o mundo de trail. Nunca sei o que realmente vou encontrar em uma corrida de montanha. Se choveu ou está muito seco, o solo muda. Por mais que façamos todos os preparativos, a natureza pode mudar tudo de uma hora para a outra. Fora isso, as pessoas se ajudam no percurso. Sempre tem a competitividade, mas, se você vê alguém que precisa de uma corda, interrompe a corrida para ajudar.”
Para alguns, a corrida de rua é marcada pela preocupação com o desempenho individual. Na montanha, o relógio não é encarado com apreensão. Terminar a prova e não se machucar, para muitos, já representa uma vitória. Dono de uma assessoria esportiva em São José, a poucos quilômetros de Florianópolis, há 18 anos, o treinador Ricardo Sardá afirma que os grupos de trail são marcados pela camaradagem. Trocas de suprimentos – géis, paçocas e jujubas, por exemplo – tornam-se comuns nas subidas e descidas de montanhas.
A opinião é compartilhada pela funcionária pública Marina Antoniazzi, de 29 anos. Na segunda quinzena de junho, ela deixou Jundiaí para disputar sua primeira prova de montanha na Serra Fina, na divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Hospedada em um hostel, a jovem aprovou as dicas recebidas e a forma como foi tratada por aquelas que seriam suas concorrentes na Kailash Trail Run, com 10 km de subida, outros 10 de descida e trechos curtos de aceleração.
O calor humano entre os participantes, simbolizado em ajuda mútua e troca de ideias sobre a modalidade, não foi o único fator a impressionar Marina em sua “estreia” na montanha. Acostumada a checar o frequencímetro constantemente quando compete no asfalto, ela só olhou para o relógio em Serra Fina para calcular quando deveria comer e beber água. Preocupação com o pace? Nada disso.
A falta de pressa na montanha é reflexo, em primeiro lugar, da corrida em trechos de solo irregular e repletos de adversidades. Pedras, árvores, galhos e terrenos nada firmes impedem que a velocidade que o corredor desenvolve em parques seja reproduzida nas trilhas.
“Nos trechos mais íngremes da montanha, é difícil correr. Notei que quem tem uma boa técnica de descida consegue ir mais rápido. Quem não tem vai tomando cuidado para não cair. Às vezes, a trilha é cavada, só cabe uma pessoa. Isso te faz perder velocidade. Quando tem um trechinho plano, todo mundo dá uma acelerada”, observa a jovem.
Depois de finalizar uma meia-maratona em 1h59min nas ruas de São Paulo, ela percorreu os 21 km na Serra Fina em 4h55min. Desencanada do tempo, Marina se permitiu fazer fotos e gravar vídeos mostrando as belezas naturais do percurso. As selfies também indicam que, no trail run, prevalece uma mentalidade menos competitiva.
“Tenho atletas de corrida de montanha que vêm para buscar o troféu, mas 80% do meu grupo participa para curtir o visual, a natureza e tirar fotos”, diz Romina.
“Eu não tenho preocupação com o tempo. Tenho preocupação em terminar e não me lesionar. A corrida, para mim, é uma terapia, um hobby, um lazer”, reforça Liliane Brasiliense.
Aproveitar o viés turístico e a variedade de paisagens que envolvem o universo da corrida de montanha é uma das estratégias de provas como o Mountain Do. “Queremos que todas as nossas provas sejam desafiadoras, mas, ao mesmo tempo, tenham sentido turístico. A pessoa vem, corre num visual desse aí e enlouquece. Cria uma paixão por aquilo”, diz o gerente operacional da empresa.
Foi seduzido pelos atrativos de trail run e pretende se aventurar na montanha em breve? Muita calma nessa hora. A transição não é tão simples e requer uma série de cuidados extras, explicam os treinadores. Com 80% de seus 114 alunos interessados pelo mundo das trilhas, Ricardo Sardá recomenda que o atleta acostumado às provas de rua invista no fortalecimento muscular antes de seguir para as montanhas e compreenda que a mecânica de corrida é diferente.
Quando é procurado por pessoas interessadas em se juntar aos seus treinos específicos, Sardá estabelece um ponto de partida: uma avaliação física individualizada. O teste de potência, por exemplo, serve para checar os pontos fortes e fracos do corredor e se existe uma carência de força em determinadas regiões do corpo.
Quadris, costas, joelhos, tornozelos e posteriores da coxa são as partes mais exigidas para quem passa horas a fio se exercitando entre galhos e pedras. Com a diversidade de terrenos, sai de cena o manual da pisada correta que rege o posicionamento impecável dos corredores de rua – cabeça erguida, olhar para a frente, ponta do pé elevada, contato com o solo realizado com a parte medial dos pés e corpo alinhado – e entram em jogo mais grupos musculares e um outro padrão motor.
“Na montanha, o atleta corre com o corpo inteiro. Carrega um pouco mais de peso com o equipamento, sobrecarrega o trapézio. Também utiliza mais os braços e o core. A passada não pode ser tão rente ao chão pelo risco de tropeçar, torcer o pé”, ressalta João Bellini, treinador do Núcleo Aventura, assessoria baseada em São Paulo.
O Núcleo Aventura leva seus alunos para as trilhas a cada 15 ou 20 dias. Juquitiba, Pico do Jaraguá e Atibaia, locais em um raio de até 70 km em relação à capital paulista, são os destinos escolhidos. Durante a semana, em treinos realizados no Parque do Ibirapuera e na USP, Bellini aposta em agachamentos, saltos, abdominais e técnicas do crossfit para aumentar o grau de fadiga dos alunos antes dos tiros. O objetivo é tirar o atleta da zona de conforto, simulando possíveis dificuldades encontradas nas trilhas.
O número de participantes em provas de trail run no Brasil não costuma ultrapassar a casa dos 1.500 corredores. O conjunto de atrativos que cerca o esporte fica em segundo plano quando o atleta depara com os altos valores desembolsados para participar das provas, além dos custos de deslocamento e hospedagem. As taxas de inscrição começam na casa dos R$ 200 e sobem de acordo com a distância escolhida.
“Fica fora do padrão pagar R$ 350, R$ 400, R$ 500 para fazer uma prova de 42 km. Os organizadores poderiam rever o conceito em relação aos valores”, reclama o comerciante catarinense Everton Samir da Costa. Os organizadores justificam que os custos para a montagem das provas é alto. Com poucas leis de incentivo e patrocínios escassos, as taxas de inscrição financiam a maior parte dos gastos relacionados aos eventos.
“Correr na trilha implica acidentes, locomoção para atender alguém que se machuca, [prevenção contra] animais peçonhentos. Limitamos as nossas provas a uma quantidade de atletas que consigamos atender. Dá para colocar 5 mil em
uma prova? Dá. Mas nós vamos colocar 1.500”, afirma.
A planilha a seguir, elaborada por Ricardo Sardá, representa um treino completo para quem já corre provas entre 10 km e 21 km no asfalto e quer fazer a transição para as trilhas:
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