“O tempora! O mores!”, resmungava o filósofo romano Cícero nos primeiros anos de nossa era, impressionado com a corrupção dos políticos e a dissolução moral da época em que vivia (a famosa frase em latim significa “Que tempos! Que costumes!” e faz parte de um discurso que integra as “Catilinárias”).
Nem sempre com conotação política, a frase vem sendo usada nos últimos dois mil anos por gente que se surpreende com comportamentos poucos usuais, inusitados. Na língua das ruas, uma boa tradução seria “Não há o que não haja”.
Pois vejam só: agora até a roupa das bruxas está sendo observada, cuidada, medida e comentada.
E não é em desenho animado, filme ou série de terror sexy/adolescente em algum canal internético ou da TV por assinatura.
Nada não: é coisa do mundo das corridas.
Você não sabia que tem corredora bruxa? Pois, se tem santo das corridas, por que não haveria de existir uma feiticeirazinha?
É fato.
Uma pobre bruxa corredora treinou como doida, dia e noite, meses a fio para se esbagaçar numa maratona e quebrar o recorde mundial das feiticeiras, sem usar magia nem alquimias especiais (isso ela deixa para atletas profissionais que fazem uso da trapaça para obter resultados competitivos).
Nossa querida bruxa, dando sangue e suor, só queria entrar para o Livro dos Recordes como a maga mais veloz de todos os tempos.
E conseguiu!!!
Mas não levou. Foi gongada no tapetão: o povo da cartolagem achou que a bela e atlética feiticeira tinha usado saia muito curta, minha gente. Para o Guinness, não tem conversa de bruxa moderninha, não: é preciso usar vestidão, se não não tem choro nem recorde…
E você pensa que estou brincando?
Aqui não se brinca, esta séria para mais da conta.
O fato se deu na Grã-Bretanha, esse pequeno conjunto de nações que acaba de decidir dar o fora daquele grande conjunto de nações chamado União Europeia.
Pois a loiríssima Nicola Nuttall, séria e comportada senhora de 45 anos, mãe de duas também loiríssimas crianças, resolveu aproveitar a maratona de Londres deste ano para se divertir e ainda fazer caridade.
Corredora que é há vários anos, pensou em arrecadar fundos para a Alzheimer`s Society, entidade que trabalha no combate ao mal de Alzheimer e em apoio a quem sofre da doença.
Dona Nuttall já faz isso no dia a dia, mas resolveu dar uma incrementada: prometeu não apenas correr a Maratona de Londres vestida de bruxa como também quebrar o recorde mundial das corredoras fantasiadas de feiticeira.
Organizou a página para arrecadação de fundos –ela se deu razoavelmente bem, conseguindo mais de mil e setecentas libras para a benemerência. E pegou com o Guinness todas as informações para desafiar o recorde, fez sua inscrição, apresentou a fantasia e recebeu aprovação da entidade, que, como se sabe, é a avalista de uma infinidade de recordes inusitados pelo mundo afora ao longo de dezenas e dezenas de anos.
Tudo certo, lá se foi nossa amiga, a loira bruxa de Pendle, Lancashire, meter bronca na Maratona de Londres. Vestiu a fantasia combinada, encarou o chapelão e carregou a vassoura na mão –não dava para usá-la para voar…
Completou no honroso tempo de três horas, trinta e um minutos e dezessete segundos. A marca é ainda mais valiosa considerando que dona Nicola, observada por seus dois filhos, tinha corrido outra maratona duas semanas antes da prova de Londres. Fechou a de Lancaster, no dia 10 de abril, em 3h21 e caquerada…
O que importa é que, no dia 24 de abril de 2016, na maratona de Londres em que o queniano Eliud Kipchoge deixou escapar o recorde mundial, nossa bruxa Nuttall deu uma banho na marca histórica das feiticeiras, derrubando o recorde com uma vantagem de vinte e nove minutos.
Lá se foi nossa bruxa feliz da vida, cantando vantagem e celebrando com a família, os amigos e os apoiadores. Não só é uma bruxa boazinha como também é veloz.
Pois agora, dias atrás, ela ficou sabendo que seu recorde não valeu: o vestido que usou era muito curto.
O Guinness, sabemos todos, é bastante rigoroso para avalizar um recorde. Demora um tempão entre o ato e o fato, analisa a documentação, revê fotos etc. e tal…
Pois constataram que dona Nuttall tinha feito modificações no vestido aprovado para a disputa do recorde, deixando a vestimenta substancialmente mais curta”, como afirmou num porta-voz do Guinness.
“Fiquei desapontada”, disse a mamãe bruxa à imprensa britânica. “É como se eu tivesse desapontado todo mundo. Conversei com eles várias vezes, o assunto tem ido e voltado, mas eles se mantêm inflexíveis.”
O porta-voz do Guinness reconheceu que a fantasia de Nicola Nuttall havia sido aprovada. Mas disse que as fotos do pós-prova mostram que o vestido usada tinha sido bem mais curto e ainda com fendas laterais, que facilitavam o movimento.
Com isso, apesar de a bruxa não ter usado magia proibida, ficou sem o recorde das feiticeiras.
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