Faço aniversário no próximo dia 14 de fevereiro: vou completar sessenta anos e entrar oficialmente na velhice, na Terceira Idade, na Melhor Idade ou o que seja. E pretendo cruzar esse pórtico imaginário correndo, de preferência ao lado de uma grande turma, festejando não o meu aniversário, mas a vida, que é corrida, e a corrida, que é uma espécie de salvação da vida. Celebração da vida.
Comecei a correr tarde, já cruzando o cabo da Boa Esperança, com mais de quarenta anos. É quando, de modo geral, começa o declínio da vida.
Não falo apenas do ponto de vista físico. No trabalho e na conquista de rendimentos financeiros isso também é verdade: o pico de renda em média ocorre por volta dos quarenta anos, segundo estudo feito por economistas norte-americanos, baseado em análise de dados da Previdência Social dos EUA relativos a 5 milhões de pessoas ao longo de quase 40 anos.
Para a grande maioria da população, conclui o estudo, o crescimento médio de renda entre os 35 e os 55 anos é zero. Com exceção dos 10% no topo da pirâmide, todos os outros experimentam crescimento negativo de renda entre os 45 e os 55 anos.
“Crescimento zero”, em economês, é ficar na mesma, não ir para a frente, não avançar, não crescer, não ganhar mais. “Crescimento negativo”, no caso, é perder renda, ganhar menos, ficar maios pobre. Quanto mais se trabalha, menos se ganha, relativamente, é o que parece dizer o tal estudo.
Do ponto de vista físico, a degringolada também é visível para todos. O processo de envelhecimento é implacável: diminui a capacidade aeróbia, cai a massa muscular, elasticidade dos músculos é menor, a capacidade pulmonar se reduz, há perda de densidade óssea, o metabolismo desacelera, a gordura corporal aumenta, o sistema imunológico torna-se menos poderoso.
Pois a corrida funciona como um antídoto para tudo isso, um fator de redução das perdas, até de ganho, em muitos casos e em muitos aspectos de nossas vidas.
Falo por mim: nunca estive em tão boa forma física quanto nos últimos vinte anos, exatamente os meus anos de corrida.
Da adolescência até a meia idade, fui um sedentário completo, vivendo de casa para o trabalho, do trabalho para a casa. Nas férias, ensaiava caminhadas; nos períodos de trabalho, de vez em quando tentava fazer trabalho físico em alguma academia, mas de maneira quase itinerante, mais gastando dinheiro do que queimando calorias e construindo músculos.
A corrida mudou tudo isso. Pela primeira vez, fiquei fiel a algum tipo de exercício regular. Não abandonei a ideia no primeiro mês nem no primeiro ano nem na primeira década. Ao contrário, fiquei sempre mais apaixonado por engolir quilômetros no asfalto, na praia, nas montanhas, em estradão de terra e em sofisticados centros urbanos.
Vencer a preguiça, sair para a rua e mexer as pernas tem um gosto de grandiosidade e heroísmo que atrai, conquista, seduz. Participar de uma corrida, forçar o corpo a fazer mais do que imaginava possível, dá uma satisfação poderosa – alguns a definem como viciante.
Para mim, além de tudo, a corrida se transformou em parceira de produção: escrevo sobre corrida, uso a corrida para escrever sobre pessoas, descobrir histórias, investigar movimentos, aprender mais sobre o mundo e sobre todos nós, tripulantes desta espaçonave.
Por tudo isso, decidi festejar com corrida a passagem para a terceira idade, para o mundo dos idosos. E com desafio, pois, afinal, é disso que se trata o correr.
Criei vários projetos para a celebração desse momento. O mais portentoso se desenrola ao longo de todo este ano, em que pretendo percorrer distância equivalente à de sessenta maratonas, 2.532 quilômetros.
E tem um para agora, para o dia do aniversário: queria completar 600 km aos 60 anos, corridos até o dia 14 de fevereiro.
Inicialmente, o projeto exigia que a linha de largada fosse no dia primeiro deste ano. Mas, em novembro passado, caí com dores provocadas por uma fratura por estresse. Não podia mais correr.
Mas podia caminhar. Pouquinho, um pouquinho de cada vez. Assim, dei a largada no dia 14 de novembro de 2016, caminhando três mil metros.
Ao longo de um mês, repeti o percurso quase todos os dias. Depois, fui autorizado pelos médicos a aumentar aos poucos a distância caminhada.
Só comecei a poder correr na primeira semana deste ano, apenas curtíssimos intervalos. Ainda hoje, o máximo que corro são quinhentos metros. Faço vários blocos de um quilômetro, quinhentos metros caminhando, quinhentos metros correndo.
É a terapia do corredor, que trata as doenças e os males sem parar de correr – você pode acompanhar tudo em detalhes visitando meu blog em http://lucenacorredor.blogspot.com.
As dores foram sendo controladas, os músculos se fortaleceram, mas o desafio parecia ser demais para mim.
No dia 14 de janeiro, faltando um mês para a data de chegada, eu estava “devendo” mais de setenta quilômetros. Tinha percorrido até ali 328.560 metros, quando a previsão matemática determinava que eu devia ter acumulado até aquele dia 400 quilômetros.
Pois fui recuperando um pouquinho de cada vez. Neste momento, posso dizer que, se nenhum desastre acontecer, vou conseguir completar os 600 km aos 60 anos. Ou melhor, antes mesmo do dia do meu aniversário.
Gostaria de festejar com você esse momento, numa corrida-celebração, em que todos cruzemos juntos o marco dos 600 km aos 60 anos, escrevendo com suor no asfalto uma poesia em que dizemos todos que estamos vivos, ativos, operantes.
Pelos meus cálculos, a hora da virada será no domingo, 12 de fevereiro. Às 9h30, estarei nas escadarias do prédio da Gazeta (avenida Paulista, 900), onde tantas vezes festejamos chegadas gloriosas da São Silvestre.
Às 10h, quando a avenida, que é a cara e o coração de São Paulo fechar para o trânsito de veículos, vou dar a largada na minha corrida-festa, na minha corrida de chegada.
Será um prazer e uma honra ter sua presença ao meu lado, completando comigo o trecho final dessa jornada de 600 km aos 60 anos. Que é o começo do resto de nossas vidas.
A hora é já, depois é mais tarde.
VAMO QUE VAMO!!!
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