Para ser considerado um maratonista não basta terminar uma prova de 42 km, pegar a medalha e pendurá-la na estante da sala ali, bem ao lado da foto emoldurada que estampa o traje da corrida molhado de suor. É preciso ter uma essência, uma personalidade marcada pela determinação e força de vontade, conquistadas com doses de planejamento, motivação e coragem.
O planejamento pode não ser complexo nem completo, mas deve existir. Desde o momento que começam os primeiros treinos, vem o aprendizado para ouvir o próprio corpo e, então, o corredor começa a sentir o quanto pode melhorar seu potencial e sua intensidade. Para que isso ocorra, é preciso planejar os horários, dias da semana, períodos do dia e possíveis gastos financeiros.
O problema é que, em uma segunda etapa dos treinos para uma maratona, o atleta precisa de mais tempo. Começa a ver necessidade de abrir mão do sono, se preocupar mais com a alimentação, abdicar de alguns momentos de relacionamentos sociais e até mesmo de alguns outros hobbies. A prioridade para corrida parece ficar até um pouco “doentia” na visão de quem está vendo de fora, pois a pessoa torna-se, de certa forma, “obcecada”, “neurótica”, quase “louca”.
Lidar com estes aspectos faz do maratonista um ser que consegue conviver consigo mesmo. São pessoas que acabam descobrindo meios de não se incomodarem com o que os outros pensam. Ficariam horas seguidas em um local isolado sem se incomodar com a ausência de pessoas. Mas isto não quer dizer que sejam antissociais e gostem de ficar sozinhos. Pelo contrário, valorizam muito o trabalho em equipe e sabem da importância das pessoas ao seu redor, mesmo que muitas vezes não demonstrem isso.
Além disso, a sua motivação também é constante. A cada final de treino notar que baixou em alguns segundos seu pace, ou que manteve o ritmo mesmo com aumento da elevação total, é sempre uma pequena emoção, que traz mais força e vontade para o objetivo final. Por este motivo, é possível ver uma boa parcela desta classe de corredores calmos, sem demonstrações de ansiedade, pensando (e planejando) a longo prazo e com os pés no chão.
Já a coragem é algo que surge de forma particular, após a conquista de desafios, superação de adversidades e abandono de vícios. Praticamente todos que definem a meta de correr uma maratona possuem um motivo de certa forma louvável. E a determinação que uma prova longa como essa exige é o que torna os maratonistas mentalmente fortes, estáveis e corajosos.
Querem um exemplo. Me lembro até hoje de um homem que aos 35 anos estava obeso, prestes a perder o emprego e a família. Este homem passou três anos se preparando até correr a Maratona de São Paulo. Depois disso ele estava em um emprego melhor, cargo melhor, bem mais magro e mais unido que nunca com família e amigos. Quando seu chefe dava um desafio aparentemente impossível, ele aceitava. E em seguida, quando seus colegas lhe perguntavam “Você é louco?”, ele simplesmente respondia: “Vocês já correram uma maratona?”. Aposto que até hoje eles não entenderam essa resposta…
Resumindo, não existe uma regra bem definida a respeito do comportamento da mente de um maratonista. Mas podemos dizer que a maioria deles são fáceis de lidar, podem ser excelentes funcionários, gostam de desafios, não temem obstáculos, são observadores e centrados, não se descontrolam por qualquer coisa e estão sempre dispostos a ajudar aqueles que realmente merecem.
Quem lê este artigo pode imaginar que eu sou um exemplo de pessoa. Na verdade, eu espero ter estas qualidades em breve (estou treinando!). Minha fonte de inspiração para este texto vem da convivência que tive com alguns destes corredores ímpares ao longo de minha profissão. E por isso, resolvi aproveitar esta oportunidade e dedicar algumas palavras a todos que sabem o que é cruzar a linha de chegada de uma maratona.
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