Jantar de Massas e equipe toda reunida: Ursula Pereira, Taka Abe, Carlos Mó, Alex Vicintin, Vera Saporito e Marcello Cesário. Mesas cheias, muitos atletas. A sexta-feira (3 de julho) prometia muita emoção na Ultramaratona dos Anjos Internacional (UAI).
Nessa noite não consegui dormir. Cabeça a mil, ansiedade. Na categoria solo com apoio, haviam 15 atletas masculinos e apenas sete no feminino. Eu era uma delas. Uma sensação de orgulho, agradecimento. Eu que sonhava completar a Conrades um dia, estava ali entre ultramaratonistas gigantes, buscando realizar esse novo grande sonho que surgiu assim que comecei a correr ultramaratonas de montanha.
À noite, procurava pensar em todos os treinos que realizei, cuidado com alimentação, descanso, tudo na medida do que foi viável diante da minha rotina. Das coisas que tinha aberto mão e que também eram importantes para mim. Das dores, lesões passadas, pequenas lesões que tive durante a preparação para essa prova, os rituais de paciência (e falta dela), o joelho esquerdo que incomodou por dois meses e estava zerado para UAI. E eu também deixava vir os pensamentos ruins, resumidos em medo: a dor que estava sentido nas últimas semanas na planta do pé direito, risco de não terminar ou de me machucar, de me perder na trilha, de passar mal, como meu corpo reagiria ao volume, pois o volume máximo que havia corrido foi de 100 km há 1 ano. Dessa forma, pensamentos bons iam se sobrepondo aos ruins e eu tentava permanecer tranquila.
Finalmente, o dia chegou.
Na largada em Passa Quatro (MG), encontro vários amigos. Vejo ansiedade nos olhos de todos. Tenho muito vontade de chorar, tento segurar para manter a calma. Minha equipe estava lá me apoiando e me dando segurança de que tudo sairia conforme nossas reuniões. Tiramos fotos. Nos abraçamos. Agradeço imensamente a minha treinadora Ursula, que acreditou em mim, periodizou todo o treinamento e me deu confiança para mudar minha inscrição dos 135 km para os 235 km, a prova mestre.
A minha equipe foi formada com os melhores atletas, mas principalmente meus melhores amigos e pessoas importantes naquela jornada.
Lembro, ainda, minutos antes da largada, da única palavra do meu nutricionista (e atleta), o Tubarão: “cabeça”. Larguei com isso.
Sirene e fomos.
Procurava seguir as orientações da Ursula “corra confortável”. Eu corri e ela com a Vera me zoaram depois da prova com a minha foto dizendo que eu era a doida em ritmo “tiro” que haviam comentado comigo durante a prova. Enfim, eu ainda me vingarei dessa história. (Risos)
Muita gente fazendo distancias menores, correndo em revezamento e muitos carros de apoio. Combinamos de me encontrar com o carro a cada 5 km. Olho o relógio e já estava com 10 km e não tinha visto o carro. Tentava manter a calma, mas via as outras equipes “funcionando” e nós não estávamos. Eu buscava me concentrar na passada, tentava desviar o pensamento da dor na planta do pé direito, controlar a respiração e me hidratar (havia levado uma garrafa de água na cintura) e isso foi a salvação.
Sobe e desce, encontro o Tubarão e a equipe dele. Tento me concentrar no ritmo e relaxar, mas o pensamento de onde e porque meu carro de apoio não estava lá, começava a me dar dor de estômago. Minha água acaba e já estava com 20 km. Encontrei a equipe do Tubarão, que me deu água e segui. Finalmente, o Mó aparece de bike( e o coitado ouve). Pego o primeiro gel com ele, depois de quase duas horas. Tudo errado, pensei. Havia escrito todo o planejamento da alimentação, suplementação que estava no carro de apoio e, já no início da prova, estava aquela bagunça.
O Mó me fala que o carro havia se perdido e que havia trânsito. Eu procurava recuperar minha calma. Eu não deixaria que isso me tirasse da prova, pensava.
Finalmente, o Taka e o Marcello aparecem de carro e o planejamento começa a funcionar com mais ou menos 2h30 de prova. Eu era, nesse momento, com uns 30 km, a primeira colocada.
Começava a relaxar e a aproveitar o visual da prova. Procurava pensar em nada, nesse início de prova. Geralmente falo pouco em treinos. Em provas, falo quase nada. E quem me vê, acha que estou séria ou brava, mas estou, na verdade, muito feliz. Fazendo o que mais amo na vida, um encontro comigo mesma, com quem sou, meus valores e o que quero ser.
Não sei dizer exatamente as quilometragens mas lembro das cidades e estabelecia metas de chegar a determinada cidade ou PC, que variava de 40 km a 70 km. O Taka foi meu pacer no primeiro dia, na parte da manhã. Corremos por lugares lindos. Meus pés já reclamavam de dor. Como doíam descer aqueles paralelepípedos. Acredito que descemos uns 10 km direto assim. Encontrei diversas pessoas e conversava rapidamente. Eram palavras de incentivos, alguns atletas perguntavam quem eu era e citavam o nome da Luzia. Eu não a conhecia, mas como falavam muito dela durante a prova, muito experiente e que já venceu a BR, imaginei ser a favorita. Mas ia fazendo a minha corrida e tirando a dor no pé (que não incomodava muito). Estava super bem.
Final da tarde e todos da equipe aparecem para minha alegria. A Vera e o Alex iriam correr comigo os 60km-70km da noite, o pior trecho “Pico do Papagaio” por ser a maior subida da prova com cerca de 20 km e mais 25 km de descida técnica, com pedras e areias, muito escorregadias. Além disso, no ano anterior, fez apenas 4C no pico. Detalhe, o carro de apoio não pode subir nessa área. Só avistaria o carro pela manhã.
À caminho do pico, com os dois carros da equipe iluminando o caminho, Vera, Taka, Ursula, Alex correndo comigo e contando piadas. Nos volantes, o Mó e o Marcello alternavam o som na caixa. Confesso que foi divertido o início da noite. Demos muitas risadas e o ritmo acabou caindo. Creio que perdi um pouco o foco e estávamos relaxados demais.
Mas isso logo mudou. Atrás, apareceu a atleta Fabiola, que havia corrido por diversas vezes a BR e a UAI, a conheci em um treino no Pico do Jaraguá e eu sabia que era uma competidora forte pela experiência que tinha. Apertei o ritmo para continuar garantindo a primeira colocação. Nessa hora, não vi mais ninguém. Corri o maior ritmo que podia imprimir com quase 100 km de prova. Eu corri com trekking poles (bastões de trekking). Eu não sei usar isso até hoje, uso no instinto e acho que me ajuda quando se “trekka”, mas quando se corre mesmo…. cai. Cai de rolar no chão e dar cambalhota. Tropecei nesses malditos trekking poles. Dor, raiva, medo. Tudo junto. Meus amigos me ajudam a me colocar de pé e logo vejo a Fabiola e retomo como dava. Olho meu joelho e ele não sangra, jorra sangue.
Chegamos na subida. Tudo o que havíamos planejado nessa hora (alimentação, troca de tênis, troca de roupa para mais quentes)… eu grito para abortarmos tudo e saio correndo. Consegui apenas trocar os tênis e a Vera e o Alex conseguiram pegar os agasalhos que deu, alimentação e hidratação.
Já eram, aproximadamente, 3h da manhã e estávamos com 20 horas de prova. Olhando para as primeiras 20 horas, erros e acertos. Erros: a falta do carro de apoio no início da prova, de alimentação e hidratação correta no início da prova, perder o foco no início da noite, ansiedade em manter posição de liderança com menos de 100 km de prova, sair para o trecho mais difícil pouco alimentada, sem descanso e agasalhos, não termos estabelecido pontos fixos para o carro me encontrar e não para me seguir. Acertos: todo o trabalho da equipe em ajustar a alimentação, iluminação e som dos carros de apoio, divisão das tarefas entre todos do apoio, agilidade na tomada de decisões do que era preciso ser feito, do que eu precisava, e mais importante, da empolgação de todos em fazer parte daquela aventura.
No próximo post, contarei como foi o pico e as próximas horas (e mais difíceis) dessa enorme aventura, a Ultramaratona dos Anjos Internacional.
Bons treinos!
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