A delegação brasileira que participou do Mundial de Ultramaratona voltou ao Brasil feliz, com sensação de dever cumprido. Afinal, a turma conseguiu a nona colocação entre 38 delegações, melhorando em cinco postos a classificação conquistada nos dois últimos anos pelo time masculino – no ano passado, a equipe feminina não pontuou por falta de número.
O Mundial de Ultramaratona, com distância de 100 km, foi disputado em Los Alcazares, Espanha. A delegação brasileira, selecionada pelos treinadores Herói Fung e Mariano Moraes e comandada por Susso Oscar Prisco, disse presente com oito atletas no masculino e quatro no feminino.
Urbano Dario Cracco Junior e Luíza Tobar foram os atletas mais bem colocados de nossa delegação. Conversei com os dois por e-mail, e publico a seguir a primeira das entrevistas. A conversa com Tobar será divulgada em outra oportunidade.
Como outros ultramaratonistas, o jovem Urbano – completou 30 anos no início deste mês – é um atleta amador. Formado em educação física, ganha a vida como treinador pessoal.
Urbano me disse que sempre gostou de correr, começando nas brincadeiras de criança. A partir dos 11 anos, praticando judô, precisava controlar o peso comendo e correndo. Lesões o tiraram das lutas, mas não do asfalto.
No última ano da faculdade, em 2007, fez sua primeira São Silvestre. Daí foi aquela embolada que a gente conhece, muitas provas e aumento da distância das competições. Há quem chegue até a maratona, e uns poucos passam: em 2010, Urbano fez sua primeira ultra, uma prova de 100 km em Cubatão.
Encontrou-se nas distâncias enormes e demonstrou qualidade: chegou a se classificar para participar da temida Spartathlon, na Grécia. Terminou no 24º posto na prova de 250 km realizada em 30 de setembro. Menos de dois meses depois, encarou o Mundial de Ultramaratona.
Confira a seguir a entrevista.
RODOLFO LUCENA – Você é bicampeão da prova de 24 horas dos Fuzileiros Navais (RJ) e da prova de 12 horas de Piracicaba. O Mundial é numa distância “curta” para quem faz esse tipo de prova, mas exige mais velocidade. Você chegou a fazer uma preparação especial?
URBANO CRACCO – Como eu faria a Spartathlon no final de setembro, realizei muitos treinos de volume e subidas, chegando a volumes de 200 km semanais, com treinos longos entre 40 km e 70 km no dia.
Após terminar a prova na Grécia, senti que estava muito bem na questão volume, mas faltava o principal para uma prova curta como o mundial de 100 km, que seria a velocidade. Então, juntamente com o técnico Mariano, iniciamos um trabalho de polimento, com o objetivo de ganhar velocidade.
Sendo corredor de ultra, nunca tinha realizado tanto treino de tiro na minha vida como fiz nas últimas cinco semanas antes do Mundial de Ultramaratona. Nesse período também participei de algumas provas curtas de 10 km, 15 km e 50 km com o objetivo de aprimorar minha velocidade.
O resultado não poderia ser melhor. Meu melhor tempo nos 100 km era de 7h55, e eu pretendia chegar a 7h30. Logo no início da prova percebi que poderia melhorar ainda mais meu tempo.
Esse resultado é ainda mais importante para mim porque tenho pouco tempo para treinar, por causa de meu trabalho. Às vezes fico apenas com uma hora, entre as aulas, ou faço treinos na esteira, na academia. Nos finais de semana me acabo nos longos.
Como moro em Lins (SP), fico um pouco fora das grandes provas, o que prejudica um pouco. Em compensação, no interior temos inúmeros lugares para treinar, como estradas de terra, canaviais, montanhas, trilhas, tem até o rio Tietê limpo, onde dá até para tomar um banho depois do treino.
Como foi a participação no Mundial de Ultramaratona? Principais problemas? Momentos mais bacanas?
Estar em um mundial é o sonho de toda criança quando inicia em algum esporte. Quando vesti o agasalho da seleção e me vi ali no meio dos melhores atletas do mundo, veio um filme na minha cabeça, um menino que nasceu na Fazenda Boa Esperança, lá no interior de SP, que já passou por muitas dificuldades, falta de incentivo, críticas, mas que superou tudo e agora estava ali realizando seu sonho em um campeonato mundial, com o nome Brasil estampado no peito. Não existe sensação melhor, chego a ficar emocionado só de lembrar.
Quando iniciou a prova, eu me posicionei no pelotão dos primeiros colocados, mesmo estando em um ritmo bem mais forte do que eu havia planejado. Aquela poderia ser a única chance da minha vida de ir bem em um Mundial de Ultramaratona e tentei seguir a estratégia traçada pelo técnico.
Forcei até o km 30, onde passei com uma média de 3min47/km. Depois controlei a velocidade até o km 50, passando com média de 3min52/km.
Quebrei feio entre o km 50 e o km 65, foram os piores 15 km da minha vida, parecia que tinha um urso nas minhas costas, as pernas não respondiam, meu ritmo caiu para 4min40/km.
Apesar do sofrimento, eu tinha certeza de que poderia me recuperar. Depois do km 65, consegui voltar a um ritmo entre 4min15 e 4min25 por quilômetro. Estava novamente na prova, apesar de ter perdido algumas posições.
Com a recuperação, a tendência seria passar alguns adversários. Foi o que aconteceu. Passei a curtir aqueles últimos 35 km, pensando em fazer um bom tempo e ajudar na classificação do meu país.
Quando passei no km 90 o relógio marcava 6h22. Seria quase impossível terminar em menos de sete horas, mas coloquei como objetivo fazer sub 7h10.
No km 99 o relógio marcava 7h05min58. Tinha quatro minutos e dois segundos para conseguir minha meta. Forcei e fechei em 7h09min49, ritmo de 4min17/km e o primeiro sul-americano a terminar a prova.
Estava feliz demais.
Como foi a comemoração? E quais são seus planos para o futuro?
Após o Mundial de Ultramaratona, descansamos no hotel, pois já voltaríamos para o Brasil no dia seguinte. Não conseguimos fazer nenhuma comemoração na Espanha devido à correria da volta. Chegando ao Brasil, pude comemorar minha colocação na prova ao lado da minha namorada, comendo um delicioso jantar de comida japonesa, que eu adoro.
Meus planos e meus sonhos para 2017 seria conseguir um patrocinador, pois é muito difícil bancar todos os gastos.
Gostaria muito de voltar para a Spartathlon tentar correr na casa de 25h (neste ano fiz em 28min36), tentando ficar entre os dez primeiros. Também fazer mais um Mundial, o de 100 km novamente, ou talvez o de 24h, prova de que eu gosto muito também.
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