Tem uma coisa que acontece com quem corre: nossa cabeça e nosso corpo trabalham de forma separada. Tem dias em que a cabeça está tinindo, mas alguma parte do corpo está com dor e simplesmente não rola. Outras vezes é a cabeça que decide ficar. Correr é a arte de fazer as duas partes entrarem em um acordo. No fundo, a gente treina como dá. Às vezes dá para correr como mulas sem cabeça. Em outras, você manda o corpo para casa e vai só com o cotoco do cérebro.
Quer saber? No meu caso, foram raras as vezes em que cabeça e corpo estiveram juntos num treino ou numa prova, correndo na mesma velocidade, mesmo sentido e direção. Parece loucura, e deve ser mesmo. Vou citar alguns exemplos de como isso funcionou comigo:
Maratona de Amsterdã: a cidade é tão linda, com suas casas feitas na ponta do cotonete, crianças brincando sozinhas, as vaquinhas holandesas soltas nos sítios, o piso que dá até pena de pisar, que sua cabeça fica completamente distraída. O corpo aproveita e vai! Quando a cabeça se dá conta, a prova terminou, trouxona.
Meia Maratona das Pontes (Brasília): leva este nome, mas deveria se chamar “Alguém me tira daqui”. Brasília é mundialmente conhecida por seu calor e secura infernais. E correr numa ponte consistente em entrar numa subida infinda para terminar numa descida de moer o joelho. Nessa nem o corpo nem a mente se entendem.
Meia Maratona de Porto Alegre: existe um vento na cidade que até nome tem. É o minuano. Vento frio de origem polar. Essa incrível ventania não tem direção. Parece que você está correndo em um liquidificador gigante. O visual da prova é lindo, passa por mansões estonteantes. Você até engana sua cabeça, mas nunca, jamais, em hipótese alguma, despista o corpo.
10 km do Graacc: em cada placa com marcação dos quilômetros está a foto de uma criança em tratamento contra o câncer. Seu corpo só quer chegar na próxima placa para desabar no choro. Prova linda, descansa a alma.
10 km da Tribuna (Santos): a largada é lá pelas 8h30. Um calor de derreter os hormônios e as ruas estreitas irritam qualquer perna sadia. Então, o que o seu corpo faz? Corre, corre muito para acabar logo com aquilo. A cabeça nem fica sabendo o que aconteceu. Por isso ela é considerada mundialmente como uma prova rápida. Porque seu corpo só pensa em acabar logo com aquele sofrimento.
Na média de provas e treinos, foi a cabeça que sempre mandou mais. Porque o corpo não é dissimulado. Quando você tem uma lesão, você simplesmente não vai treinar porque a dor não deixa. Por outro lado, se você camufla a dor, quem geralmente te obriga a fazer isso é a cabeça, aquela danada. A cabeça te anima ou te derruba. Te faz correr mais 1 km ou abandonar a prova faltando 5 km. Te enxota da cama ou te afunda nela. O ideal é fazer com que o corpo abrace a cabeça. Vou tentar da próxima vez.
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