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O recém-lançado documentário “A Corrida do Doping” aborda com coragem o espinhoso assunto das fraudes no mundo esportivo e levanta perguntas necessárias: Quem se beneficia com o doping? Há proteção institucional ao doping? Qual o papel das empresas patrocinadoras de atletas e esportes nisso tudo?
Dirigido pelo experiente jornalista Paulo Markun, o documentário tem como destaque –até uma espécie de fio condutor—entrevista com a atleta russa Yulyia Stepanova, campeã mundial dos 800 m (2011). Pega no doping, ela fez denúncias sobre o uuso de produtos proibidos pelos atletas em seu país. Foi apoiada por Vitaly Stepanova, ex-funcionário da Agência Russa Antidoping.
Também há depoimentos de atletas brasileiros pegos em testes antidopagem, assim como entrevistas com dirigentes de entidades que buscam combater a fraude no esporte brasileiro e internacional.
“A Corrida do Doping”, conforme o material divulgado para a imprensa, “nasceu do encontro entre o jornalista Paulo Markun e o documentarista francês Xavier Deleu, que já trabalhava com o tema. A parceria permitiu a Xavier registrar depoimentos e histórias sobre o tema no Brasil e a Markun ter acesso ao material filmado pelo francês. O documentário brasileiro é resultado de uma parceria entre a Arapy Produções com a Globonews e a Globo Filmes”.
O que mais chama atenção no filme, no entanto, é o que não está lá. Os jornalistas e produtores não procuraram saber por que os Estados Unidos não aparecem na lista dos “dez mais” da Wada (agência mundial antidopagem).
Também não entram em cena esportes multibilionários como futebol americano, basquete e beisebol.
Mesmo no atletismo, que aparece no filme como o grande palco da dopagem, passa-se ao largo de escândalos que sacudiram os EUA, como o caso do laboratório Balco e, mais recentemente, denúncias envolvendo o Projeto Oregon, da Nike, dirigido pelo incensado treinador Alberto Salazar.
Talvez até pelo poder de atração dos Jogos Olímpicos do Rio, o filme acaba muito volta para o evento. Com isso, corre o risco de ficar datado, assemelha-se mais a uma grande reportagem televisa aos moldes do programa “Globo Repórter” do que a uma produção com vocação de permanência.
Isso não lhe tira a importância. É o tipo de filme que deve ser levado a escolas, clubes e associações ligadas a esporte. A informação e a discussão aberta sobre o doping é talvez um dos bons caminhos para enfrentar a fraude no esporte.
Por isso, é de se lamentar a atitude de atletas e dirigentes brasileiros que, convidados pela equipe da produção a se manifestarem, preferiram não entrar no debate. Essa foi uma das revelações feitas a mim por Paulo Markun, em entrevista por e-mail.
Paulistano, Markun, 64, tem uma extensa lista de bons serviços prestados ao jornalismo brasileiro. Atuou por muitos anos na TV, escreveu 15 livros –um deles, a biografia de Dom Paulo Evarisno Arns, em colaboração com o jornalista Getúlio Bittencourt–, produziu e dirigiu diversos documentário, como o que teve por tema a vida da heroína brasileira Anita Garibaldi.
Leia a seguir a íntegra de nossa conversa com e-mail:
RODOLFO LUCENA – Por que escolheu o tema, como surgiu a ideia? E quando começou o projeto?
PAULO MARKUN – Num evento internacional de documentários, conheci um produtor francês que estava buscando uma empresa brasileira para captar entrevistas e imagens aqui para um documentário sobre o tema. Propus um acordo em que essa tarefa permitisse o desenvolvimento de documentário sobre o mesmo tema, mas de olho nos Jogos Olímpicos e na realidade brasileira. Assim surgiu o filme “A Corrida do Doping”. Que, dado o fato de Brasil e França não terem acordo nesse campo -o audiovisual-, desenvolveu-se como outro projeto.
A produção é superbem cuidada e obviamente muito cara; qual foi o orçamento do filme e de onde vieram os recursos?
O documentário tem o suporte da Ancine, pelos artigos 1º e 3º – neste segundo caso, com o respaldo da Globo Filmes e GloboNews, coprodutores. O orçamento aprovado é de R$ 600.000,00.
Na busca por entrevistados, houve muita gente que se recusou a falar com a equipe? E a que você atribui essa resistência?
Muitos atletas. Pense nos grandes nomes que algum dia foram notícia acusados de doping no Brasil e fora daqui. Quase todos foram procurados e disseram não –até mesmo os que acabaram inocentados. Nenhum deles queria seu nome num documentário sobre o tema. As regras de proteção à imagem dificultam o trabalho jornalístico. Não pudemos sequer reproduzir matérias publicadas ou exibidas no passado sobre esses personagens.
Falando nisso, qual a maior dificuldade enfrentada ao longo da produção? Quanto tempo durou todo o projeto?
Começamos a trabalhar no final do ano passado. Foi uma corrida contra o relógio, embora parte do material seja resultado dessa parceria com Xavier Deleu e seus produtores.
Qual sua maior surpresa ao longo da produção?
Perceber que, nesse campo, o Brasil tem avançado na direção de ter uma política de Estado sobre o assunto. Ainda que seja preciso superar vários problemas, como mostra a recente suspensão temporária do Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem, depois de um investimento de R$ 188 milhões em sua reestruturação.
O que você aprendeu com a produção de seu filme?
Mais uma vez, como em outros temas, que resumir um assunto complexo como este a 90 minutos não é simples. E que nem tudo na vida é preto ou branco, mocinho e bandido.
Quem assiste ao filme fica com a impressão de que o atletismo e o ciclismo são os esportes onde o doping é mais significativo. Por que esse viés?
Talvez porque tenham sido os que mais abusaram. Ou será que outros esportes souberam como ocultar melhor seus fraudadores? O problema parece estar no fato de que as entidades esportivas internacionais das várias modalidades são acusadas e juízes ao mesmo tempo. A Wada, Agência Mundial Antidoping na sigla inglesa, é apenas uma ONG com limitados poderes e recursos diminutos diante do tamanho do problema.
Os Estados Unidos são ausência significativa no filme –praticamente só aparecem com Armstrong e rapidamente com Gaitlin. Por quê? Os Estados Unidos não são a grande pátria do doping, maiores consumidores do planeta e onde há menos controle dos grandes esportes de massa?
Muitos esportes estão fora do foco da vigilância. Talvez se houvesse um documentarista americano envolvido seria possível ter uma visão mais clara do assunto por lá.
O doping foi um instrumento na guerra fria. O atual escândalo da Rússia se insere nesse contexto?
A Wada acaba de divulgar o trabalho de um pesquisador canadense independente. Suas conclusões indicam claramente o envolvimento do estado russo no processo – até mesmo a entidade que sucedeu a KGB. Não creio que seja uma espécie de retaliação ainda remanescente da Guerra Fria.
Se isso for verdade –o escândalo ser um instrumento de enfrentamento diplomático, político–, o filme não joga água no moinho dos adversários da Rússia?
As denúncias mais recentes, publicadas pelo jornal inglês Sunday Times apontam para doping de ingleses na Jamaica. É também fruto da Guerra Fria?
Outra ausência significativa são os patrocinadores dos atletas e clubes. Eles não seriam exatamente os maiores beneficiários do doping? Veem seus atletas aparecer e, se eventualmente os esportistas são pegos, passam por vítimas de fraude… Não é esse o roteiro de grande parte dos casos mais espetaculosos?
A questão é demonstrar que os patrocinadores participam. Há um atleta, o alemão Alex Schwazer, campeão da marcha atlética, que no filme se orgulha de treinar com um médico italiano extremamente rigoroso. Ele caiu no exame de doping e pode ficar de fora da Rio 2016.
Falando em patrocinadores, a Nike aparece bastante nas imagens, quase sempre em cenário positivo –vinculada, por exemplo, à imagem da atleta russa que denunciou o doping em seu país. A produção tem algum vínculo com essa fabricante?
Só você viu isso. A marca está no boné do Justin Gatlin, cuja história é bem explicada no filme. Não há qualquer vínculo entre qualquer entidade ou empresa e o trabalho.
Um dos casos mais espetaculosos do momento –as denúncias envolvendo o Projeto Oregon e o ex-maratonista e treinador Alberto Salazar— nem de longe aparece no filme.
Muita coisa ficou de fora, evidentemente. Veja o caso do Alex, por exemplo.
Independentemente de suas lacunas, o filme tem um evidente apelo didático. Como vai ser sua carreira agora? Será exibido no circuito comercial? Haverá mais sessões gratuitas? Escolas que eventualmente se interessarem o que devem fazer para organizar uma sessão?
O circuito comercial não aceita nada sem ligar seu taxímetro. Estamos abertos a exibir onde for possível.
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