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Por que a tecnologia não salvou Terezinha de Jesus da queda?

Eram quase 8 horas da noite. No km 9, faltando apenas 3 para eu terminar — ploft! —, me espatifei no chão. Ainda estatelada, parei meu cronômetro de última geração. Deus me livre não ter meu tempo registrado nos anais históricos dos meus treinos, por isso ali mesmo parei o cronômetro fucking power potente, um kid bengala das tecnologias de pulso.

Olhei minha bermuda de R$ 200, feita em tecido hiperaderente, de supercompressão que ajuda a contrair a musculatura, facilita a transpiração e, portanto, libera o suor e seu peso (uns 2 gramas, se tanto). Estava rasgada. Por quê? Porque na queda, o celular que guarda minhas melhores músicas de treino e que estava no bolso lateral foi raspando por aquele magnífico chão, produzido com o mais fino asfalto.

O celular, aliás, tem um aplicativo que mostra todo o percurso que eu fiz, como se tivesse viajado nas asas de um drone. É pura emoção ver do alto o percurso sendo riscado. Meu tênis era novo, de uma marca famosa. Comprei o primeiro par porque achei barato e tecnológico.

Quando fui levar o segundo, menos de um mês depois, ele já estava custando 30% a mais. Ah, sim, preciso falar das meias. Meia é meia, certo? Não a minha. A que eu usava tem uma cor fluorescente. Assim, o farol de um carro poderia avisar seu motorista: “corredora à frente”. O cano alto serviria para proteger meu calcanhar. De quê? De qualquer coisa ruim; existem muitas coisas ruins neste mundo.

Agora vamos ao fato mais importante, o motivo que me fez cair. Uma dorzinha chaaaaaata estava ali, no joelho esquerdo há alguns dias. Mesmo assim, fui correr. Com os quilômetros e o cansaço, caí. Levantei, dei dois passos, mas era impossível continuar. Frustrada, fui para casa e me perguntava por que eu teria caído.

 

 

Agora eu sei a resposta. Eu vinha de um volume intenso de treinos para a maratona de Nova York. Como não faço só isso da minha vida e qualquer preocupação afeta meu repouso na razão de 1 perrengue para menos 3 horas de sono (e tenho muitos perrengues), a merda estava feita. Dor + cansaço = Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão. Pena que não havia três cavaleiros (se você não conhece este cancioneiro, recomendo Google. No final ela se casa, é lindo, S2).

A pergunta que fica: por que a tecnologia não livrou a Terezinha, no caso, eu, da queda? Basicamente porque esta não é a função da tecnologia, pelo menos não a que temos hoje. Para evitar a queda, eu teria que ouvir e respeitar meu corpo. Não dá para terceirizar essa função para a bermuda, o tênis, a meia, o relógio, o aplicativo. Ouvir o corpo é saber que se há uma dor, pequenina que seja, é hora de falar com quem entende de dor.

Mas, ó, do jeito que a coisa anda, não duvido que em pouco tempo chegue ao mercado um tênis que mude de cor prevendo uma lesão. Até lá, quem tem que cuidar, entender e conversar com seu corpo é você. Este bando de subterfúgios que a gente usa são só coisas. Coisas quebram, se perdem, são trocadas. São coisas. O importante é o seu corpo. E prometo que vou me lembrar disso antes da próxima queda, que não haverá.

Anne Dias

Jornalista com especialização em economia e com nove meia maratonas no currículo: duas W21, Meia Maratona das Pontes (Brasília), Disney, Corpore, São Paulo, Uberlândia, Porto Alegre e duas Golden 4 Asics. Concluiu também duas maratonas: Nova York e Buenos Aires. E não pretende parar.

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