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Quando eu era um menino que dava os primeiros passos na escola e começava a se complicar com os famigerados deveres de casa — e isso já faz muito, muito tempo —, minha mãe me ensinou uma lição da qual jamais me esquecerei (até porque, como toda boa mãe, ela repetiu a mesma lição outras 800 vezes. Na verdade, continua repetindo até hoje). Independentemente de qualquer coisa, o importante é que o ensinamento era simples, bacana, relevante e perfeitamente aplicável ao mundo da corrida, uma vez que tem a ver com disciplina.
O que a dona Therezinha me dizia sempre que eu tentava enrolar com os deveres de casa é que nada na vida funciona sem “a conquista do horário”. Segundo a minha velhinha, isso é algo que ocorre quando, não importa se o tempo está bom ou ruim nem qualquer acontecimento do dia a dia, se você se propõe a fazer uma coisa num determinado momento, simplesmente vá lá e faça. Sem choro nem vela. Sem papo furado. Sem desculpas esfarrapadas. Minha mãe se propôs, há mais de 20 anos, a costurar enxovais para bebês carentes com um grupo de amigas. Ela faz isso toda quarta-feira. E quando digo toda quarta-feira significa que se o Natal, o aniversário dela, o início da terceira guerra mundial ou qualquer outra coisa cair na quarta-feira, ainda assim ela vai costurar enxovais. Sem falar que o mesmo princípio vale para as quartas-feiras de cinzas, que talvez seja o dia nacional das pernas para o ar.
Quando conquistamos um horário para nós mesmos, sequer cogitamos a possibilidade de fazer outra coisa no lugar. Ninguém procrastina a data do nascimento de um bebê nem deixa para outra ocasião o telefonema de aniversário para a mãe.
Com o trabalho é a mesma coisa. Normalmente definimos uma rotina e a seguimos. Simples assim. Essas datas, esses horários, são conquistas. E aí cabe a pergunta: por que não conseguimos fazer a mesma coisa com os nossos treinamentos? Com raras e honrosas exceções, nós, corredores, sempre encontramos um jeitinho de escapar dos treinamentos — especialmente se é dia de longão ou ladeira, não neguem. Quando viajamos não dá para correr. Correr em euro ou dólar é muito caro: vamos usar o tempo livre para passeios. Carnaval tampouco é época para se correr, assim como feriadinhos e muito menos feriadões. Natal, nem pensar. Finais de semana são para passar com nossas famílias. Em fase de muito trabalho, é preciso desacelerar. Se jantamos meio pesado, também. Se é dia de happy hour, também. Se nosso filho vai disputar a final do torneio de botão da escola, também. E por aí vai… Até que nos damos conta de que não conseguimos treinar nem metade das vezes que prometemos naqueles juramentos de Réveillon (data na qual, diga-se de passagem, só maluco treina).
Todo mundo gosta de estabelecer uma data solene para fazer algo. Não acreditem em pessoas que farão algo formidável no Ano-Novo, no aniversário de 40 anos, no equinócio ou, no mínimo, na próxima segunda-feira. As grandes decisões são aquelas tomadas de estalo, na macheza. Alguns dos casamentos mais felizes acontecem quando os apaixonados dizem: “Vamos morar juntos amanhã!”. Por outro lado, casamentos depois de oito anos de namoro tendem a acabar em oito meses. Seu Marques, meu sogro, fumou por mais de 40 anos. Até que, um belo dia, recebeu a notícia de que ia ser avô. Estava com um cigarro na mão — e aquele foi o último que ele pôs na boca. Apagou o maldito, jogou a bituca e o resto do maço na lixeira e há mais de sete anos não aguenta nem passar perto de fumaça. Seu Marques conquistou a vitória sobre o vício. Dona Therezinha conquistou o horário para costurar. Como um dia eu hei de conquistar tempo na agenda para treinar como se deve.
(Coluna publicada na Revista O2 – edição #146 – julho de 2015)
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