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Eu sou um velho. E não se trata de alguma elucubração filosófica ou reflexão de cunho psicológico ou sociológico, em que se proclama que a juventude (ou, no acaso, a velhice) é um estado de espírito ou que está nos olhos de quem a vê.
De fato, para uma criança de 5 anos o irmão de 9 ou 10 anos é um ancião, verdadeiro mestre zen-budista que tudo sabe e tudo pode ensinar ao pequeno gafanhoto.
Hoje com 46 anos, desde antes dos 40 a jornalista Nina Lemos escreve sobre a velhice antecipada imposta às mulheres. No texto “Precisamos falar sobre o ageísmo”, publicado na revista “Trip”, ela ensina: “Ageísmo é preconceito contra a idade, julgar alguém porque ela é velha (alguns teóricos englobam como vítimas do preconceito os mais jovens. Mas os mais atacados são os mais velhos mesmo, vamos deixar claro)”.
Ela continua: “O ageísmo começa a te pegar depois que você tem 40 (ou até antes) por mil e uma razões. E se você é mulher em um país tipo o Brasil, desculpem, mas é pior. Pesquisas mostram que casar depois dos 40 para uma mulher é tão difícil, que é mais fácil você ser atingida por um raio (vem meteoro!)”.
Bom, comigo não tem nada disso. Eu não estou pensando que estou velho nem me lembro de alguma vez ter sofrido preconceito por causa de minhas barbas brancas — ao contrário, de vez em quando me oferecem lugar no ônibus, o que me deixa até um pouco sem graça.
Nada. Sou oficialmente velho. A Organização Mundial da Saúde proclama que, em países em desenvolvimento, a terceira idade começa aos 60 anos. E o nosso Estatuto Nacional do Idoso referenda a definição.
Pois bem: eu completo 60 anos neste mês de fevereiro. Nasci em 14 de fevereiro de 1957, tive meu primeiro texto publicado em jornal aos 6 anos — nas páginas infantis do “Correio do Povo ”— e me aposentei aos 57 anos, depois de 40 anos de trabalho devidamente registrado em carteira.
A data merece ser comemorada. Quando eu nasci, a expectativa de vida dos brasileiros estava em torno dos 50 anos. Agora, os 60 são um momento de reflexão, de orgulho e de dúvidas.
Corredor que sou, apaixonado por longas distâncias, inventei um desafio que me ajude a sair de casa a cada dia — este, em minha opinião, é o trabalho mais difícil nesta época em que a preguiça e a facilidade de vida imperam.
O projeto que escolhi talvez seja inédito, mas muitos outros corredores escolheram festejar datas marcantes de suas vidas criando empreitadas difíceis, complicadas, complexas. É uma forma de a gente se manter alerta, atuante, de dizer que a idade está chegando, mas a gente está disposto a enfrentar o que vier pela frente.
Flávio Freire, conhecido treinador de São Paulo, virou cinquentão no ano passado e festejou participando de 50 corridas de 5 km quilômetros a 21 km, procurando sempre ficar entre os cinco primeiros de sua faixa etária.
Outro conhecido técnico, Wanderlei Oliveira, colunista e estrela de programas de TV sobre atletismo, também faz planos para os 60. Hoje com 57 anos, corredor desde os 6 anos, pretende voltar à maratona de Nova York quando se tornar sexagenário.
Tenho que admitir: não tenho a experiência nem a forma física e a saúde perfeita de Flávio Freire e Wanderlei Oliveira. Ao contrário, sou cheio de lesões e carrego uma barriga já um tanto saliente, mas vou à luta do mesmo jeito.
O desafio que inventei para mim combina o prazer das corridas com a minha satisfação de escrever e contar histórias. Trata-se de um projeto jornalístico-esportivo-cultural: percorrer distância equivalente à de 60 maratonas ao longo deste ano em que me torno sexagenário. A maior parte do trajeto será feita em São Paulo, mas haverá visitas a outros pontos do país e, se tudo der certo, também ao exterior.
Usarei o percurso de 2.532 quilômetros (60 vezes a distância de 42 km) para discutir questões de saúde, qualidade de vida e inserção social da população mais velha, dos maiores de 60 anos, a turma da terceira idade.
Pretendo trazer dicas de treinamento e nutrição, recomendações de médicos, psicólogos e especialistas em corrida. Vou ouvir economistas, artistas e cientistas sociais, além de visitar centros de trabalho com idosos. Nos meus treinos diários, terei convidados especiais, corredores e caminhantes, para conversar sobre nossas conquistas e nossos perrengues.
Os problemas não são poucos nem pequenos. Estamos vivendo mais — hoje a turma de 60 anos e mais representa cerca de 14% da população brasileira, contra menos de 10% ao longo do século passado.
Mas isso não significa que estejamos vivendo melhor. Relatório do IBGE divulgado no início de dezembro último mostra que entre 2005 e 2015 houve queda de 62,7% para 53,8% na proporção de pessoas com 60 anos ou mais que estavam empregadas e recebiam aposentadoria. Dois terços dos idosos empregados não chegavam a ter o ensino fundamental completo, “que desnuda uma inserção em postos de trabalho que exigem menor qualificação”, diz o IBGE.
E ainda há as dificuldades impostas pela própria idade. O idoso, explica o geriatra Wilson Jacob, professor titular da Faculdade de Medicina da USP, “perde a sua reserva funcional. Ele perde o excedente de função que ele tinha e não usava, a não ser em situações muito especiais. O indivíduo fica mais suscetível a uma repercussão negativa ou deletéria diante de um fato, quando comparado com o jovem”.
Ele dá um exemplo do nosso dia a dia de corredores: “Jovens e idosos caem. Perdem o equilíbrio e caem, mas têm lesões completamente diferentes. O jovem tem lesões de partes externas, da pele; os idosos têm faturas expostas, além da pele”.
A atividade física é uma forma de combater esse processo, afirma o médico, porque ajuda “a diminuir a velocidade da perda. Seja da perda muscular, seja da perda cardiorrespiratória, sejam perdas metabólicas, e todas mais”. E isso pode ser feito em qualquer idade: “O início de uma atividade física controlada e organizada aos 80 anos de idade mostra benefícios em 12 semanas”.
Quando ele falou isso, quase que interrompi a entrevista para dizer: “Eu já sabia!” Talvez fosse melhor dizer: “Nós, corredores, já sabíamos”. De fato, não faltam exemplos de atletas que desafiam o avanço da idade.
Um deles é Bob Dolphin, um norte-americano doutor em entomologia — especialista em mosquitos. Pois em 2012, aos 82 anos, ele correu sua cinquecentésima maratona; o palavrão significa que ele completava então sua maratona de número 500 (QUINHENTOS)!!!!
Dolphin, que serviu o exército norte-americano na Guerra da Coreia, começou a correr aos 51 anos. Ou seja: para atingir sua marca, fez em média mais de 16 maratonas por ano; de fato, houve um ano em que ele participou de 24 provas de 42.195 metros.
Não é preciso, porém, ir aos Estados Unidos para conhecer idosos capazes de feitos atléticos excepcionais.
Aos 98 anos, o brasileiro Frederico Fischer conquistou cinco pódios no Mundial de veteranos de atletismo de 2015. Entre as honrarias, foi prata nos 100 metros, distância em que é recordista nas faixas etárias de 90+ e 95+.
O maître Oswaldo Silveira, que morreu em 2015 aos 84 anos, começou a correr aos 61 anos. Aos 81, foi o primeiro brasileiro a vencer a faixa etária na maratona de Nova York, com 4h06min. Seu melhor resultado tinha sido aos 77 anos, na maratona de Paris: 3h58min.
Foi também em Paris que a queridíssima Mitiko Nakatani, de 83 anos, conquistou sua melhor marca: 4h15min quando tinha 75 anos. Com um ano a menos, foi a primeira brasileira campeã mundial na maratona de Barcelona, Espanha, com 4h18min. Ela começou a correr aos 60 anos.
Estas pessoas citadas são figuras excepcionais. Além de donos de genética privilegiada, construíram, ao longo da vida, espírito de luta, determinação e disciplina invejáveis.
Não é o meu caso. Cada vez que me olho no espelho fico mais convencido de que nasci para ver TV, ler, escrever ou simplesmente ficar atirado no sofá. Não sou metódico nem muito disciplinado; em compensação, sou cabeça – dura o suficiente para ter feito mais de 35 maratonas e outras corridas de longa distância — inclusive uma prova de 100 km no ano em que completei 50 anos.
No mundo inteiro, por sinal, os velhinhos se apaixonam pela maratona. Números demonstram que o índice de concluintes com mais de 50 anos foi o que mais aumentou nesse tipo de prova, de 2008 a 2014.
A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores dinamarqueses, que analisaram dados de 1.815.091 concluintes em 131 maratonas. A faixa etária cuja presença mais cresceu foi a de 65 a 69 anos: entre as mulheres, a expansão foi de quase 150%; entre os homens, de cerca de 100% (no masculino, a faixa de maiores de 80 teve crescimento maior, mas os pesquisadores dizem que o índice não deve ser considerado porque há muito poucos corredores nessa categoria).
Não sei se chegarei a fazer uma maratona ao longo desse projeto, isso vai será determinado pela minha condição física — estou em recuperação de uma fratura por estresse na ponta do fêmur esquerdo, tenho duas hérnias na lombar e já passei por montes de “ites”, com destaque dolorido para tendinites várias e dois terríveis episódios de fasciite plantar.
O certo é que vou procurar manter a regularidade e a média diária de quilometragem para atingir a marca desejada, que será inédita para mim. Nos últimos tempos, tenho feito em torno de 1.800 km por ano. Mesmo quando mais jovem, entre os 40 e os 50 anos, meu volume anual de corrida ficava na faixa de 2.400 km, inferior ao meu objetivo no projeto 60 MARATONAS AOS 60 ANOS.
Meu treinador, Alexandre Blass, que nem de longe é um otimista incorrigível, acredita ser possível. “O corredor mais velho já superou lesões e já treinou bastante. O importante é manter o peso, manter a musculatura e manter tempo de corrida. Não é para perder a estabilidade”, recomenda ele, que é um dos fundadores da clínica Força Dinâmica.
Espero conseguir, compartilhando aventuras e descobertas. Você está convidado para acompanhar o percurso em meu blog (http://lucenacorredor.blogspot.com), que recebe atualizações diárias. Também será bem-vindo em treinos especiais, que serão divulgados naquela página, ou a qualquer hora, nas ruas e estradas deste mundo velho sem porteira.
Vamo que vamo!
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