Crossfit: um retrospecto e muitas histórias

Atualizado em 14 de julho de 2016

É muito engraçado como realmente tudo muda nessa vida. Regras são regras até que se prove que estão erradas. Ou, pelo menos, não tão certas ou tão verdadeiras como muita gente acha.

Aliás, esse é um dos maiores erros que vejo por aí principalmente nesse mundo de treinamento e coisas ligadas à saúde humana, um monte de gente achando que tem a verdade absoluta. E o mais engraçado é que tais pessoas, com tais verdades e ideias engessadas, mudam seus conceitos de tempos em tempos.

Sócrates (não o jogador de futebol, por favor) é quem estava certo: “Só sei que nada sei”. Essa deveria ser a máxima da vida das pessoas. Deveríamos, talvez, falar: “o que sei deve ser bom o suficiente por agora. Se não der certo, amanhã tento de outro jeito”. E isso pode, com certeza, ser usado para quase tudo na vida.

E onde isso se encaixa no mundo da CrossFit? Bom, texto de uma amiga minha, Emily Beers, me inspirou a escrever isso. Então, vou até usar algumas das passagens dela para explicar o meu ponto de vista e mostrar o quanto as verdades mudam com o passar dos anos, principalmente em um mundo onde treinamento e hábitos diários se misturam tanto para conseguirem o mesmo objetivo: o de se chegar na melhor forma (entenda forma como condicionamento físico) possível de cada indivíduo.

O mais engraçado é que essa ideia vale para cultura em geral, a roupa que vestimos, a comida que ingerimos e até mesmo os padrões básicos de movimento têm evoluído constantemente desde o “boom” do CrossFit competitivo, que é um dos maiores responsáveis pela evolução rápida da CrossFit. O que é moda hoje em dia vira brega em poucos meses.E o que ajudava no desempenho final até o ano passado acabou virando piada hoje em dia.

Quando achei a CrossFit na internet em 2007, tudo era baseado em pequenos locais de treinamento, garagens ou espaços de uns 100 metros quadrados no máximo, que divulgavam para um grupo seleto de talvez 100 pessoas o seu método de treinamento e seus hábitos alimentares. Dentro do box praticamente todo mundo se conhecia por nome, sobrenome e apelido de treino. E mulheres fazendo 10 barras direto era uma das coisas mais impressionantes de se ver.

Cada comunidade local era como uma ilha dentro da sua cidade, ou mesmo do seu próprio estado, de tão raro que era achar algum lugar para treinar quando se viajava por aí.

Assim que visitei a CrossFit Vancouver e vi aquelas pessoas levantando peso eu tive a certeza que estava no lugar certo… Afinal, aquelas técnicas de Arranco e Arremesso (Snatch e Clean & Jerk) estavam horríveis e, pelo menos disso, eu já entendia um pouco melhor do que eles. Então, sabia que eu só tinha a acrescentar para aquela comunidade.

Em 2008, quando finalmente me mudei para o Canadá e comecei a treinar, percebi que realmente eu tinha muito mais a aprender do que a ensinar, principalmente sobre “mudar ideias e conceitos antigos”, até mesmo dentro do Levantamento de Peso Olímpico.

Logo comecei a me enturmar e a me interar das coisas. A grande moda de tênis estáveis e duráveis para treino era resgatar os antigos “All Star Converse” com sua sola totalmente “flat” e feito de pano que não estourava ao subir nas cordas. Enquanto isso, no final dos treinos, todo mundo pegava na sua mala seus potes de castanhas, nozes e amêndoas e tirava da geladeira seus pacotes de tiras de queijo. Afinal, essa era a dose de gordura e proteína pós-treino para uma melhor recuperação muscular e neural.

Whey Protein? “Você tá louco? Isso é muita química!”

Os meses foram passando e, depois do segundo evento competitivo de CrossFit do mundo (sim, o CrossFit Games de 2008), algumas marcas começaram a entrar mais nesse mercado emergente e com um público tão peculiar. E daí, eu que já estava mais habituado com os treinos, resolvi que era hora de dar um “upgrade” nas minhas coisas também, e com muito custo consegui achar um lugar para comprar os tão aclamados “Five Fingers” da  Vibram.

Caramba, minha mulher tinha (e ainda tem) muita vergonha de quando eu vestia aquela luva de pés. Dizia que parecia que eu estava com um pé de gorila, todo preto. Mas, tudo bem, finalmente eu estava calçando aquilo que tinha de melhor no mercado de desempenho: o meu próprio pé, porém com alguma proteção. Ah, isso quando eu não fazia o treino inteiro descalço mesmo… e não foram poucas vezes.

Por sorte, eu logo achei meus primeiros tênis minimalistas com cara de tênis de verdade. Nike Free era a coisa com solado mais leve que eu já tinha colocado nos pés até então.

No ano seguinte, 2009, os Games já estavam mais famosos e a mídia da CrossFit já apontava alguns favoritos e os nomes começavam a fazer história. Mas, definitivamente, o nome mais falado era o tal do Dr. Barry Sears, o cara mais seguido por todos os melhores atletas de CrossFit (e os piores também!), que pesavam e contavam a sua comida seguindo a “Zone Diet”, assim como uma beata conta aquelas bolinhas do terço.

Todo mundo andava com potes plásticos de comida e suas “zonas” todas separadas. Pedir uma mordida era como se você estivesse tirando o peso da barra de um atleta sem aviso.

E viva para as quase 40 marcas independentes que lançaram seus produtos nesse ano e nunca mais conseguiram espaço de patrocínio dentro da CrossFit. Inov8, Skins, Vibram, GymBoss, Garage Gym… vocês fazem parte da minha história.

Ah, no final desse ano durante a última prova do CF Games, todos os espectadores gritavam e torciam por uma estreante de pouco menos de 18 anos, que após brigar durante uns 20 minutos, finalmente conseguiu fazer o seu primeiro Muscle-Up. Acho que foi só por isso que a Annie Thorisdottir ficou famosa. :p

Em 2010, os Games tomaram novas proporções e os treinos em geral também. WODs mais longos e pesados apareciam com mais frequência. Comer açúcar era como atirar pedra na cruz e sendo assim ninguém se arriscava de fazer em público. Alguns nem escondido, afinal era pecado do mesmo jeito.

Quando mesmo que o leite e derivados começou a ser tão ruim assim para minha saúde? Intolerância? Sei lá o que é isso. Vocês não estavam tomando uma jarra de leite por dia até a semana passada para melhorar o agachamento? Enfim, para se recuperar bem agora o negócio era usar roupa compressiva, de tudo quando é tipo e para todas as partes do corpo. O duro era ir no banheiro no meio da noite, era mais fácil dormir de fralda e pronto. Ô coisa desconfortável para tirar e colocar.

E veio 2011, o divisor de águas com a Reebok   entrando com a maior parceria já feita com a CrossFit. E, a partir daí, não ter um Nano era como ir treinar pelado, faltava algo. Ah, e claro, todo mundo também já tinha no mínimo dois outros tipos de tênis para treinar. Um, apenas para levantamento de peso e outro de reserva para treinos mais loucos, como por exemplo subir na corda ou virar um pneu.

E como se levantava mais pesos do que nunca, então, é claro que as meias estavam cada vez maiores, mais altas e mais grossas, para proteger as canelas. E claro, C-O-L-O-R-I-D-A-S, afinal, qual é a graça de ser parte de um grupo diferenciado de pessoas e não chamar a atenção direito quando se está correndo nas ruas, cheio de pó de magnésio sendo expelido pelo corpo?

Pelo menos, os atletas pararam um pouco de pesar tanto as comidas e agora estavam mais tranquilos sendo, apenas, “Paleo”.

Em 2012, já foi tiro para todo lado. Marcas, grifes, ideias, pessoas e mídias sociais — muita mídia social para disseminar todas as loucuras e verdades atuais. Vai treinar? Não esquece de postar uma foto. E que AMRAP que nada, EMOM é que era a febre do momento, treino intervalados e muita potência. Mas isso tudo (é claro!) sempre vestindo camisetas com frases provocativas, protetores de canela especiais, munhequeiras elásticas ou de pano e pelo menos o corpo cheio de bandagem elástica colorida.

Todo mundo queria aproveitar uma fatia do mercado. Aliás, falando em fatia, de onde apareceram tantos experts em comidas especializadas para crossFiteiros? “Mas você não era administrador de empresa?”

Daí estabilizou um pouco. Em 2013 e 2014, o mundo da CrossFit já estava dominado por Nanos e Lifters, mesmo com um tal de Metcon querendo mostrar o seu valor também. Valor, aliás, que estava cada vez mais alto. Afinal, agora, quase todos os atletas que vão para os Games são patrocinados e quase que vivem exclusivamente para isso. Levantamento de Peso Olímpico, Muscle-Ups e andar de parada de mão (HandStand Walk) já não são mais segredo para ninguém.

Mesmo tendo tudo quanto é tipo de treino na internet e, por outro lado, grandes atletas e treinadores que começaram a fazer treinos mais curtos, intervalados e com mais potência… e, também, esse moleque desgraçado chamado Rich Froning vem falando que o primeiro dia de competição dos Games foi tranquilo pois seus treinos em geral tinham mais volume do que aquelas três provas em um único dia.

Pessoas do mundo inteiro, agora, conseguem comparar seus resultados através da internet e, claro, postam vídeos de seus treinos nos grandes armazéns transformados em espaço de treinamento, onde 50 pessoas se exercitam ao mesmo tempo e metade dos alunos está lá só porque é mais divertido do que musculação… Mas, pelo menos ,as meninas que antes estariam de MP3 player se olhando no espelho, agora fazem Terra e já sabem fazer barra, né?

Uma refeição na semana sem comer direito, já não é o fim do mundo… já que o Rich Froning come pizza (de vez em quando), o Khalipa assume seu vício por Donuts e o Matt Fraser toda noite toma uma tigela de sorvete com leite.

É, as coisas mudam e somente dentro de uma comunidade com a mente tão aberta como a dos praticantes de CrossFit, onde conclusões práticas valem mais que teorias, que podemos aceitar ideias diferentes em períodos de tempo tão curtos para se conseguir evoluir da maneira como nossos praticantes têm mostrado nos últimos anos.

Bom treino a todos, seja ele qual for.