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A importância dos ombros na corrida

Quando comecei a pensar em escrever esse texto sobre corrida, logo me veio à mente uma velha anedota escatológica, que não deve ser contatada em ambiente familiar como o nosso. É possível, porém, dar a ideia geral da tal piada. Nela, as diversas partes do corpo discutem entre si para descobrir, definir, estabelecer qual delas, afinal, é a mais importante.

Conversa vai, conversa vem, um pedacinho do corpo humano que não costuma ver o sol entrou com seu argumento e acabou vencedor.

Bom, na corrida e nos treinos, já descobri que qualquer pedacinho de mim é importante para propiciar uma jornada satisfatória e as conquistas almejadas em maratonas, provas mais curtas e mais longas.

No final de 2013, por exemplo, cortei a pontinha do dedo indicador esquerdo em um acidente doméstico, enquanto preparava uma deliciosa costela gorda.

O que parecia um simples corte se revelou talhe profundo, que atorou um dos tendões do dedo. Tive de me submeter a uma cirurgia, passei por um doloroso processo de fisioterapia e até hoje não recuperei o movimento da ponta do dedo.

Durante vários meses, isso atrapalhou bastante meus treinos, eu corria meu torno, tinha de acertar o corpo para contrabalançar a dor (e, às vezes, a falta de sensação na mão).

Agora, outro acidente rasteiro traz consequências inesperadas para minha corrida.

O acidente é velho, foi em outubro do ano passado – há 11 meses, portanto. Durante um longão em Passo Fundo, tropiquei e fui ao asfalto, protegendo o corpo com o braço.

Nem senti na hora, mas aquele choque acabou provocando uma lesão em um tendão do ombro. Virou tendinite combinada com um negócio chamado capsulite, tendo como resultado a limitação dos movimentos do meu braço direito.

De novo, o tratamento é fisioterapia superdolorida, da qual fujo sempre que posso… O problema é que as dores se espraiaram, tomaram conta das pontas mais altas do dois ombros –vai entender por quê.

 

 

Pelo menos, não dói sempre. Ao contrário, as dores acontecem quase que apenas ao acordar, e não me atrapalham nos treinos nem nas provas.

Não me atrapalhavam.

Ultimamente, de vez em quando, aparecem de forma sorrateira lá pela metade de um treino longo, talvez por causa da repetida e constante movimentação dos braços.

Vou me adaptando, acerto o tronco de um jeitinho que a fisioterapeuta ensinou, baixo os braços um pouco mais e sigo no treino. A dor acaba passando.

Com tudo isso, porém, acabei ficando mais curioso sobre a importância dos ombros na corrida. A gente corre com as pernas, mas todo o corpo se envolve no processo, é claro.

Vai daí que fui conversar sobre o assunto com o meu treinador, Alexande Blass, da Força Dinâmica. É um jovem superestudioso do movimento, mestre em Esporte de Alto Rendimento pela Universidade do Porto, Portugal.

Treinador Alexande Blass, da Força Dinâmica

Ele afirma que os ombros –e toda a parte superior do corpo—têm uma importância muito grande na corrida. E eu acrescento: para o bem e para o mal.

Toda a parte superior é muito pesada e precisa ser movimentada durante a corrida para que não se torne um… peso morto.

Isso acontece, explica Alexandre, quando a gente fica muito durão, com o tronco super-reto. Aí, os ombros sobem, e as costas acabam ficando um pouco inclinadas para trás.

É o contrassenso em forma de movimento: a gente quer correr para a frente, mas a parte mais pesada do corpo fica “puxando” para trás.

“É como se você estivesse correndo com uma mochila, correndo com uma mala nas mãos”, exemplifica o professor.

E aí bagunça tudo. “A corrida é um processo de desequilíbrio”, explica ele. A gente nunca está perfeitamente equilibrada: “O equilíbrio, na verdade, é o controle do desequilibro. Você fala que uma pessoa é equilibrada quando ela tem um controle do desequilíbrio; ela não é equilibrada de forma constante. A gente não para de se mexer, então não para de ter desequilíbrio”.

Alexandre também diz: “Na corrida, a gente acha que é a força das pernas que vai dar o sucesso completo. Na verdade, a força das pernas é para carregar o peso que está acima delas. Se o peso que está acima delas está direcionado para trás dos pés, dos ossos do antepé, não consigo transmitir a energia de baixo para cima –o próprio deslocamento ósseo vai provocar dissipação dessa energia”.

Ou seja –e agora eu que estou falando-, conforme a posição dos ombros e da parte superior do corpo, o corredor pode trabalhar contra si mesmo.

É muito importante, portanto, aprender a controlar o movimento da parte superior do corpo de modo que contribua para que a força que fazemos seja usada toda (ou quase toda) para nos impulsionar para a frente.

E é por isso que, nos últimos tempos, venho conversando bastante com meus ombros enquanto realizo meus treinos de corrida.

Rodolfo Lucena

59, é jornalista, gaúcho, gremista, cachorreiro, escritor e ultramaratonista – já fez mais de 30 provas longas em cinco continentes. Autor de “Maratonando” e de “+Corrida”, atuou na Folha de S. Paulo por mais de 25 anos, faz o Blog do Lucena (lucenacorredor.blogspot.com) e o Maratonando com o MST (mstmaratonando.wordpress.com).

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Tags: técnica

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