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Lágrima de debutante

Quando eu estava no ginásio, láááá no século passado, a gurizada era doida por participar de baile de debutantes, nem que fosse entrando de maneira “criativa”, digamos assim.

As debutantes eram as garotas que, aos 15 anos, eram apresentadas à sociedade gaúcha –acho que acontecia no país todo, provavelmente uma moda importada—em um baile de gala, em que as meninas iam de vestido longo e dançavam a primeira valsa com o pai.

Em geral, isso acontecia nos clubes de gente bem de vida, e a entrada não era para o bico dos garotos de escola pública.

Nunca fui a baile de debutantes, daquele tipo, que virava notícia nas colunas sociais. Em compensação, já conheci montes de debutantes em outro território, em que as pessoas costumam ser mais simples e despojadas, e o que vale é o que cada um faz.

Estou falando, claro, do mundo das corridas, que a cada instante recebe mais um habitante buscando perder peso, abandonar hábitos pouco saudáveis ou simplesmente relaxar, aproveitar a vida e o vento penteando os cabelos.

A gente começa caminhando, vai ensaiando um trote e, de repente, não mais que de repente, alguém se aproxima de nós falando maravilhas de uma corrida de cinco quilômetros. “Você vai adorar”, garante a voz de sereia sedutora.

E a gente adora mesmo! Sai feliz e quer contar para o mundo nossa conquista, quer avançar mais, engolir mais quilômetros, “subir de nível”, como se distância fosse documento. Não é, mas a gente acha que é!

O principal mesmo é querer correr, sair da preguicite aguda, tomar coragem para calçar os tênis e meter os pés no asfalto.

As descobertas são fabulosas, como aprendeu a jovem jornalista Mariana Pires, que trabalha na área de comunicação de uma empresa que fabrica calçados de corrida e outros acessórios e equipamentos para a benfazeja prática.

Quando entrou no emprego, há pouco mais de seis anos, encantou-se com o universo esportivo, o clima das provas, a alegria dos corredores. Mas o trabalho era muito, e a preguiça também fazia sua parte. Mariana a tudo acompanhava, mas não corria.

Você já percebeu que havia uma certa contradição, trabalhar no mundo da corrida e dizer “me inclua fora” para as atividades esportivas.

No final de 2015, as coisas começaram a mudar. Mariana, então com 33 anos, passou a fazer pilates e sentiu falta de uma atividade aeróbia. O que poderia ser? Hein? Hein?

Corrida, senhoras e senhores!

“Meu marido emagreceu mais de 10 kg e fez a meia de Buenos Aires. Isso foi a motivação que eu precisava para resolver me dedicar aos treinos”, diz Mariana.

Como muitos jovens executivos, a moça trabalha à base de desafios. Colocou logo como meta do ano –estamos falando de 2016—uma corrida de dez quilômetros em dezembro. “Seria uma prova plana e com um percurso muito bom para a estreia”, diz a moça.

 

 

De olho no objetivo, tratou de treinar nos intervalos das exigências profissionais. “Confesso que não fui tão assídua nos treinos, treinei em média umas duas vezes por semana e não fiz dieta (mas, por sorte, tenho uma boa genética).”

Assim, enfim chegou a hora de a jornalista dançar sua valsa de debutante. Não seria, porém, um dois-prá-lá, dois-prá-cá ao som de “Danúbio Azul”; era um passo atrás do outro, sob o sol, sob o vento cortante, até uma chuvinha besta no final da primavera paulistana.

“Senti um gás”, conta ela em um texto que mandou para mim, especial para esta coluna, relatando sua estreia em provas de dez quilômetros.

Fiquemos, pois, com o depoimento da debutante.

“Comecei devagar para não sentir dor no baço na empolgação da largada.

Segui meu ritmo lento, pois meu objetivo era completar sem parar.

No quinto quilômetro, metade da prova, senti cansaço nas pernas, muito calor. Hidratei, joguei água na cabeça (e “alaguei” meu fone de ouvido, que parou de funcionar), segui em frente.

Ao longo do percurso, o clima mudou bastante, foi como se as quatro estações se concentrassem naquela manhã, com chuva, sol e vento.

No Km 7, senti um gás, uma emoção, fiquei com as pernas e os braços inteiros arrepiados e uma sensação muito boa. Era a endorfina em ação.

Ao longo da prova, durante todo o tempo minha cabeça estava a mil, mas, em um determinado momento, percebi que a corrida entrou em modo automático e nada me faria parar.

Vi muita gente andando e desistindo. Minha vontade era de motivar todo mundo, de gritar para não pararem, mas não queria me desconcentrar e perder o meu fôlego. Foquei na minha prova.

No último quilômetro, como corri muito devagar o percurso todo, vi bastante gente andando e desistindo da prova. Até que avistei uma menina que estava com uma camiseta customizada vermelha, toda equipada, porém cansada e andando. Gritei: “Vamos, não para! Falta pouco! Falta menos de 1Km!”. Acho que era o gás que ela precisava. Olhou para mim, me agradeceu, e voltou a correr rápido.

Contive minha ansiedade de chegar até avistar meu marido me esperando embaixo do pórtico. Cruzei, com louvor, completei meu desafio, dei um beijo e um longo abraço nele. Derrubei uma lágrima de felicidade, de dever cumprido, superação, de que “eu posso”, sensação essa que só o esporte nos proporciona.

(Agora, ‘bora’ baixar esse tempo, porque completar 10 km em 1h18min20seg é tempo demais!)”

Agora sou eu de novo falando: não acho que esse tempo seja ruim ou alto demais; de fato, não considero nenhum tempo ruim. Cada um faz cada corrida no melhor tempo que lhe é possível, dedicando à corrida o que tem e ganhando de prêmio o suor do prazer e da satisfação do dever cumprido.

Parabéns à Mariana e tomara que, ao longo deste ano, mais e mais jovens e velhos, gentes de todas as idades e tamanhos, descubram no exercício uma alegria, um caminho para mais saúde e melhor qualidade de vida.

Vamo que vamo!

 






Rodolfo Lucena

59, é jornalista, gaúcho, gremista, cachorreiro, escritor e ultramaratonista – já fez mais de 30 provas longas em cinco continentes. Autor de “Maratonando” e de “+Corrida”, atuou na Folha de S. Paulo por mais de 25 anos, faz o Blog do Lucena (lucenacorredor.blogspot.com) e o Maratonando com o MST (mstmaratonando.wordpress.com).

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