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O ano vai se encerrando, as notícias sobre a São Silvestre se avolumando e, para não me tornar mais um a escrever sobre a prova, eu precisava arranjar outro tema. Foi quando me ocorreu que estamos no final da temporada das grandes provas internacionais, mania entre os corredores nacionais. E ao ler os relatos de tantos amigos que viajaram em 2014 para correr fora do Brasil, recordei um dos pontos baixos da minha carreira de corredor — que não chega a ter muitos pontos altos.
Era 2003 e eu corria há dois anos. Estava naquela fase de completa alucinação pelo esporte. Era uma espécie de Walther White — aquele da série Breaking Bad — do esporte. Só que a minha droga não era a metanfetamina, e sim a endorfina, uma droga legal, produzida pelo nosso organismo, responsável por aquela sensação deliciosa de dever cumprido após um treino. Eu não conseguia viver sem aquilo. Treinava até 70 km por semana, ao longo de cinco treinos, ou seja, coisa de tarado. Embora eu não tenha corrido uma maratona naquela época (continuo, até hoje, um virgem de 42 km), eu encarava todas as provas que apareciam. Foi com esse entusiasmo que eu me preparei para fazer uma grande marca na Meia-maratona de Buenos Aires.
A prova marcaria a minha primeira viagem internacional como “atleta”. Além do mais, como morei em Buenos Aires entre 1995 e 1997, correr pelas callecitas porteñas seria uma volta ao passado. Tudo isso sem falar nas perfeitas condições para estabelecer meu recorde: temperatura baixa, percurso plano e ao nível do mar. Eu não tinha dúvida de que aquele seria o ápice da minha carreira de corredor, uma medalha sobre a qual eu teria histórias para contar para os netos. Com esse espírito, me preparei com afinco, sem perder um treino. No entanto, as coisas não terminariam tão bem como eu imaginei. Muito pelo contrário. E a culpa, amigos, foi toda minha.
Tudo aconteceu, como é comum nas grandes derrocadas esportivas, por excesso de confiança. A minha estava no ápice, o que me fez olhar com cobiça para um cartaz no ginásio do Ibirapuera: “Participe da Meia-maratona do Rio de Janeiro”. Até aí, tudo bem. Quem vai correr a meia de Buenos Aires pode perfeitamente encarar a meia do Rio. O problema era que a prova do Rio aconteceria exatamente uma semana antes da viagem…
Resolvi encarar. Péssima decisão. Certamente a pior da minha vida sobre um par de tênis. Fora a viagem de avião, com uma noite maldormida, cheia de expectativas e pesadelos com a subida até o pé do Vidigal, a largada da prova ocorreu em um horário criminoso: 10 da manhã, culpa da transmissão de TV e da grade da emissora. Para completar o inferno com vista para a linda praia de São Conrado, o calor superava os 30°C. Para me tranquilizar, pensei: meu foco é Buenos Aires. Vamos apenas treinar. Fazer essa prova em 2h10 já estará bom demais.
Cerca de 2h20 depois, eu cruzava a linha de chegada. Não como alguém que acaba um treino, mas como um passageiro da agonia, um corpo em estado de decomposição. No bico do corvo, como dizem os paulistas. Fiquei uma semana me arrastando nos treinos e à base de gelo. Doía tudo. Ainda assim, eu jurava que ia correr em Buenos Aires para 1h45, 1h50 no máximo.
E então chegou o grande dia. Temperatura de 5°C, prova sem muvuca, trote na véspera me sentindo bem, tudo contribuía para que eu recuperasse aquele sentimento de super-homem. Ritmo perfeito, os primeiros 10 km em 55 minutos… a prova estava no bolso. “Lá vem o Marcos”, como diz o garotinho do vídeo famoso. Lá vinha o meu recorde! Sabe de nada, inocente…
Tempo final: 2h25. Estourei a panturrilha no km 14 e me arrastei como uma mula manca até o 21. Vergonha, vergonha, vergonha. Para fechar o caixão, minha estupidez me levou a pegar um voo no próprio dia da prova, o que me fez contrair uma flebite e ficar parado por quatro meses. Moral da história: sequer pense em mais do que uma prova forte por semestre. E jamais seja imbecil a ponto de querer fazer 42 km em uma semana. Fazer 42 km de uma só vez não deve ser tão ruim.
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