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Maratona olímpica

Derrubar o recorde olímpico da maratona é mais raro do que quebrar o recorde mundial da distância.

Basta dizer que o penúltimo recorde olímpico durou 24 anos: foi estabelecido pelo português Carlos Lopes em Los Angeles-1984 e destruído pelo queniano Samuel (“Sammy”) Wanjiru em Pequim-2008.

Em comparação, a marca mais duradoura como recorde mundial da maratona no pós-guerra sobreviveu um tiquinho mais de dez anos. Foi estabelecida pelo etíope Belayneh Dinsamo em abril de 1988 e derrubada pelo brasileiríssimo Ronaldo da Costa em setembro de 1998.

Desde então, a queda virou rotina: nos quase 18 anos que nos separam da épica jornada de Ronaldinho e sua estrela no asfalto de Berlim depois de fechar a maratona em 2h06min55s, a melhor marca do planeta mudou oito vezes.

É fácil entender as razões.

Em primeiro lugar, o clima: o nome completo da Olimpíada é Jogos Olímpicos de Verão. As temperaturas durante o período dos jogos costumam ser altas, pouco indicadas para a prática de esporte de resistência como a maratona.

Em segundo lugar, o percurso. Em geral, o desenho do trajeto da maratona olímpica leva mais em conta a passagem por pontos icônicos da cidade-sede do que a planura, o que facilitaria a ocorrência de provas mais rápidas.

Por último nesta breve listagem, mas não de valor mínimo, a grana: a recompensa pelo recorde olímpico nem de longe chega perto das polpudas bolsas oferecidas nas grandes maratonas do planeta.

O que vale é a glória de chegar primeiro, mesmo que em tempo digno de amadores esforçados. Vai daí que os corredores se medem e se policiam; ninguém puxa antes da hora, ninguém quer apresentar a cara para bater.

Se Steve Prefontaine estivesse vivo, talvez chamasse esse tipo de corrida de batalha dos covardes. Afinal, para ele, dar menos de cem por cento em qualquer corrida era praticamente uma ofensa aos deuses.

É bem verdade que, de vez em quando, surge o ser fora da curva, que não obedece às regras nem aceita o estabelecido.

É como se trouxesse no DNA, gravado no cérebro a ferro e fogo, aquela maravilhosa poesia de Bertoilt Brecht que se desenrola assim:

“Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam – Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural
A fim de que nada passe por imutável.”

Um desses caras foi Sammy Wanjiru, que não passava de um menino quando largou na maratona de Pequim-2008. Aos 21 anos, desprezou a lerda passagem dos dez quilômetros e partiu de peito aberto. Quem quisesse que viesse.

Por mais vinte e poucos quilômetros, no calor e na poeirama, sob poluição até então nunca vista em prova olímpica, ainda conviveu com a companhia de dois grandes atletas –um deles, o marroquino Jaouad Gharib, fora duas vezes campeão mundial.

Retrospecto não ganha jogo, e medalha se conquista em cada disputa.
Wanjiru saiu para fazer sozinho os últimos dez quilômetros, sem aliviar, sem afinar, sem arrego. No que muitos consideram o mais impressionante desempenho de um maratonista na história, destroçou o recorde de Carlos Lopes.

Morreu três anos mais tarde, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.
Deixou a marca a ser batida.

Rodolfo Lucena

59, é jornalista, gaúcho, gremista, cachorreiro, escritor e ultramaratonista – já fez mais de 30 provas longas em cinco continentes. Autor de “Maratonando” e de “+Corrida”, atuou na Folha de S. Paulo por mais de 25 anos, faz o Blog do Lucena (lucenacorredor.blogspot.com) e o Maratonando com o MST (mstmaratonando.wordpress.com).

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