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O sol das oito da noite brilhava firme e forte sobre o lombo dos quase cinco mil corredores espalhados na alameda do dique de Punta Sabbioni, no exato encontro das águas da lagoa de Veneza com o mar Adriático.
Neste final da primavera italiana, os dias se alongam cada vez mais; a temperatura é alta para corridas, mas, quando o sol finalmente dá lugar ao lusco-fusco que anuncia a noite, uma brisa fresca facilita a vida de quem se movimenta com energia.
Está tudo pronto para a largada da Moonlight Half Marathon, cujo nome é uma contradição em termos: promete a luz da lua, mas oferece, na partida, um sol ainda poderoso.
Concentrados, os corredores cumprem a liturgia do momento, cada um com suas manias. Há grupos conversando em altos brados, outros em fofoca miúda, há gargalhadas e sorrisos, há gente em silêncio, de olhos fechados, enquanto outros executam os últimos alongamentos, rodam joelhos, movimentam calcanhares.
Parecem não dar atenção ao cenário que pintam de tantas cores. Ao nosso lado esquerdo, o azul profundo da lagoa de Veneza; para trás, o mar, a praia ampla, de areias finas; à direita, campos e mais campos, áreas silvestres, ou de bangalôs de recreio.
De costas para o Adriático, ouvimos a corneta da largada da Moonlight Half Marathon, e lá vamos nós penetrar o litoral e a vida selvagem ma non tropo de Cavallino Treporti, península ao norte de Veneza que oferece ao turista o melhor de dois mundos: de um lado, esportes náuticos; do outro, quinze quilômetros de praia.
Atrativos que fazem do litoral cavallinesco um dos mais buscados da Itália na época das férias – segundo o site oficial da cidade, recebe seis milhões de turistas por ano, o que é uma enormidade, considerando que a população local nem chega a quinze mil pessoas.
Plana, planíssima, a região também é ótima para o ciclismo e, claro, para corredores que tentam eternamente bater seus recordes particulares.
O início da Moonlight Half Marathon, porém, não é muito alvissareiro. O sol ainda é forte, saímos com os termômetros passando dos 23 graus, e corredores mais lerdos logo sentem o quentume.
É apenas o começo, estamos todos descansados, empolgados com o terreno e os cenários, o azul da lagoa acalma, ainda que o sol teime em castigar nossos olhos e se recuse a cair horizonte abaixo.
Vai, porém, perdendo sua cor laranja tão vigorosa, flamejando, enquanto desce aos pontos para ir beijar as águas da lagoa. E se oferece em por do sol quando chegamos à altura do quilômetro quatro, logo depois de uma curva.
Para o corredor que bebe da paisagem, é um momento quase de oração, concentração, deslumbramento. O céu ganha riscos multicoloridos, e o sol se transmuda em laranja, amarelo, vermelho, roxo…
Dá para seguir por muitos quilômetros embalado apenas por essa visão. Para melhorar ainda mais, uma leve brisa vem refrescar o corpo.
Seguimos pelo litoral da lagoa, onde de quando em quando há pequenas marinas, áreas de diversão, um boteco ou outro, recantos de pescadores.
O silêncio é quase absoluto, a tranquilidade é imensa, e o corredor só não entra em transe zen-budista porque consulta o relógio a cada instante ou confere a distância que o separa do competidor mais próximo…
Manter o ritmo, acelerar, forçar um pouco mais, essas são as exigências da competição, mesmo nesse território tão convidativo ao repouso.
E assim fazemos todos, agora beijados pela luz da lua – fraquinha, é verdade, num céu bem estrelado. Ainda bem que há iluminação artificial para nos orientar pelo percurso.
Nessa balada, os quilômetros passam quase sem nos darmos conta. Numa breve incursão urbana, cruzamos a periferia do centro de Cavallino, e uma banda nos espera para animar para a metade derradeira da prova.
Longo chegamos ao ponto apresentado como o mais difícil da corrida, travessia da ponte sobre o rio Sile… Na verdade, nem sequer queima as panturrilhas…
Finalmente, estamos em Lido di Jesolo, que é onde se concentra a vida noturna da região, bares recheados, restaurantes e baladas.
Para entrar no clima de festa, os últimos quilômetros da prova são por uma alameda que combina lojas sofisticadas como as que paulistanos encontram na rua Oscar Freire com a multidão de bares, restaurantes e sorveterias tal qual as do Bixiga.
Tudo ladeado por grandes árvores, de copas generosas que se encontram, transformando a avenida em um túnel vegetal, uma galeria de verde que leva os atletas até o ponto final da Moonlight Half Marathon, a Meia-maratona do Luar.
Depois, é festa na praia e balada na praça Mazzini – os anunciados sete mil participantes do evento (meia-maratona e 10 km) receberam cupons de desconto para o consumo em algumas das baladas locais, e bares na praça oferecem a primeira bebida de graça para os corredores.
Quem prefere comer logo e descansar também é atendido: logo depois de receber a medalha, o atleta chega a uma enorme barraca onde há comida à vontade: frutas, biscoitos, sucos, energéticos… Até água tem.
Apesar do clima baladeiro, a corrida é de alta competitividade, com a onipresente participação de atletas africanos. O vencedor foi o queniano Julius Kipngetich, que completou em 1h04min08s. Também do Quênia, a vencedora da prova feminina foi Pauline Eapan, com 1h15min22s.
Eu terminei beeem depois deles.
Confira as fotos da prova!
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