Eu acho importante que um corredor — mesmo os menos dedicados e amadores — trabalhe com algum tipo de planejamento para o ano. Esse exercício de planejamento, especialmente se feito com o apoio de um treinador e não apenas baseado nas provas que achamos mais charmosas, ajudam a organizar os objetivos, a carga de treinamentos, as diferentes fases da temporada e as metas que queremos buscar. Planejamento é importante para tudo na vida, mas, ainda assim, precisamos entender que ele não pode e não deve ser encarado como uma ciência exata ou algo imutável. Por quê? Porque a vida, caros leitores, não é novela. Podemos até pretender escrever um script, mas ele jamais será cumprido ao pé da letra. E, sejamos francos, é justamente isso que faz a vida ser divertida e deliciosa.
Eu, que sou metido a escrever, deveria ser um pouquinho melhor na arte dos scripts para a vida. Mas sou justamente o contrário. Quase todas as vezes que me propus a fazer uma grande temporada ou atingir o personal best numa prova, acabei decepcionado. Por outro lado, meus melhores tempos normalmente saem em provas nas quais cheguei sem grandes expectativas. A pressão que coloco sobre mim mesmo, ao que tudo indica, pode estar sendo muito mais uma barreira do que um elemento de motivação. E aqui vale dizer que mesmo o corredor que não sente essa pressão e tende a ser mais disciplinado do que eu será forçado, mais cedo ou mais tarde, a lidar com a frustração de seus planos. Porque planos, embora importantes, parecem existir para serem frustrados.
Uma nova etapa na vida profissional, um novo relacionamento, um filho que chega ao mundo, novos projetos que surgem no horizonte e até mesmo a mais imprevisível de todas as imprevisibilidades — uma contusão — são coisas que podem mudar nossos planos. Podem, e vão mudar. Não se iludam. A vida não tem rascunho, nem ensaio, nem versão beta. Ela simplesmente acontece, das mais variadas e surpreendentes maneiras. Por isso, fica aqui registrado o conselho de um cara e corredor que acaba de fazer 50 anos, idade que para muitos significa o ápice da razão, mas que prefere encará-la apenas como mais uma razão para usar um pouquinho menos a dita cuja: planejem-se para conviver com o fato de que seus planos nem sempre serão cumpridos. Porque pior do que a frustração de um projeto não concretizado, só mesmo o desespero destrutivo dos que não se conformam com as surpresas que a vida vai largando em cada quilômetro da pista de treino, para ver se a gente tropeça.
Não deu para fazer a meia este semestre? Faça no semestre que vem. A maratona dos 40 anos foi por água abaixo? Complete- a aos 45. Ou aos 50. Ou aos 70. Tem gente que completou com 100. Bateu preguiça para começar a treinar forte na manhã de segunda-feira? Não espere o ano-novo. Treine à noite. Ou na terça. A panturrilha acabou com o projeto São Silvestre? A prova existe há 90 anos. Não vai acabar agora — e provavelmente nunca acabará. Não foi dessa vez que baixou dos 50 minutos nos 10 km? Tem corredor que ainda não baixou de uma hora. Na próxima você consegue. A coluna ou os joelhos te impediram de correr por um mês ou pelo resto da vida? Tente tratar. Ainda assim não deu? Pedale. Ou nade. Ou caminhe. Mais importante do que ter o Plano A é ter o Plano B. E é bem provável que o Plano C seja ainda mais importante.
Eu jamais fiz planos para chegar aos cinquentinha do jeito que cheguei. Mas, querem saber? Foi muito melhor e, acima de tudo, muito mais fácil do que eu jamais imaginei. Vamos continuar nossa corrida de obstáculos pela vida. Nada é mais delicioso do que isso.
(Coluna publicada na Revista O2, edição #143 – abril de 2015)
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