Eu gostaria muito de saber por que razão os brasileiros decidiram chamar de coxinhas as pessoas coxinhas. No Rio de Janeiro, a gente dizia mauricinho, só que o coxinha — um termo inventado em São Paulo — é ainda mais mauricinho do que o mauricinho. Janota, fidalgo e dândi são palavras antigas usadas para representar um comportamento cheio de afetações e de lesco-lescos, o que prova que não é de hoje que acompanhamos figuras assim circulando pelo mundo. No entanto, minha dúvida persiste: por que coxinha? Mauricinho, para quem não sabe, era um jogador franzino, com pinta de playboy e o cabelo repartido ao meio, que jogou pelo Vasco e pelo Botafogo nos anos 1990. Ele foi a inspiração para que a turma do Casseta & Planeta, à época escrevendo para o TV Pirata, inventasse a gíria. Já coxinha é algo que segue me intrigando. Tenho algumas teorias, mas, como são todas impublicáveis, melhor deixar para lá.
Fato é que os coxinhas estão e sempre estiveram entre nós. E não pensem que a corrida, mesmo se tratando de um esporte que exige esforço e suor, seria capaz de mantê-los afastados. O que não falta por aí é coxinha corredor — e o objetivo deste texto é ajudar o leitor a identificá-los. Ou fazer uma autoanálise, sei lá, caso necessário (fica a dica).
A primeira característica do corredor coxinha é o orçamento generoso. Coxinhas notabilizam-se por gastar muito dinheiro para ter o tênis do momento, na cor do semestre, algo que as empresas de material esportivo lançam seguidamente, como se fossem caros. Saiu o novo tênis de mil reais? O corredor coxinha corre para a loja do shopping mais chique da cidade e compra um par de cada nova cor. Já o relógio do corredor coxinha só falta correr no lugar do cara. Tem quatrocentas funções, das quais o dono só usa meia dúzia. São aqueles relógios gigantes, cheios de altímetros, frequencímetros, GPS, odômetros, medidores de pressão, temperatura, cecê e chulé. Custam tão caro que fazem da corrida, o mais barato de todos os esportes, parecer coisa de rico.
Coxinhas amam combinar cores. É um TOC terrível, quase uma tara. Se o tênis é laranja com sola amarela e detalhes em azul, o short tem que ser azul com detalhes em laranja — e a camiseta amarela com listras laranja e azuis. Uma loucura. Devem rodar o mundo para achar as roupas que combinem exatamente com o calçado. E as listras do boné, assim como as da pulseira do relógio, precisam, definitivamente, estar também harmonizadas com o restante da fatiota. Ou combina tudo ou não tem treino. Um perfeito corredor coxinha também curte colecionar de forma organizadíssima suas dezenas de medalhas. Dezenas ou até centenas, porque coxinhas têm obsessão por participar de provas badaladas, nas quais ganham bonitas camisetas e podem postar nas redes sociais não apenas fotos da linha de chegada, como também aquelas bizarras imagens com mapas dos trajetos, que, sinceramente, são as coisas mais inúteis do mundo para quem está navegando pelos perfis dos amigos.
No mais, os coxinhas são famosos por usarem um complexo kit de beleza, cultura e bem-estar, que inclui toalhinha para secar o suor do corpo, água mineral italiana na garrafa térmica suíça, energéticos alemães, sachês japoneses de carboidratos, frutas compradas em mercados de luxo, MP3 players minúsculos e de última geração, sempre conectados com o tênis, com o celular, com o laptop em casa, com o aplicativo da academia, com o personal trainer e com a conta do banco.
O grande problema dos coxinhas corredores, no final das contas, é cumprir o horário dos treinamentos. Sim, porque para montar todo o aparato sem o qual não conseguiriam considerar civilizado um esporte tão embrutecido quanto o nosso, eles precisam de nada menos do que uma hora e meia antes de cada treino. Um dia eu escreverei sobre os corredores toscos, que também são muitos, mas há bem mais coxinhas do que toscos correndo por aí. Ao menos em São Paulo, terra da mais famosa coxinha do mundo: a do Frangó.
(Coluna publicada na Revista O2, edição #142 – março de 2015)
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