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Personal best é uma expressão gringa e, portanto, mais chique — especialmente aqui nesta terra, onde tudo o que é estrangeiro é melhor — de se dizer recorde pessoal. A corrida é um esporte curioso, sobretudo no que diz respeito a nós, meros mortais do Ibirapuera (obrigado, Rita Lee), que não praticam profissionalmente a atividade. Comparemos nosso esporte com os demais: um jogador de futebol profissional quer ganhar os jogos que disputa; um futebolista amador, também. Um craque da seleção de vôlei quer derrotar o time adversário; o jogador de vôlei de final de semana, na praia ou no sítio do cunhado, também. O mesmo se aplica ao basquete, ao tênis, ao pingue-pongue, ao totó (ou pebolim, ou Fla x Flu, de acordo com a região), à sinuca, ao carteado, à porrinha (aquele jogo com palitinhos), ao cuspe a distância e até ao prosaico levantamento de bolachas de chope nos bares. Todos querem vencer os seus adversários. Nas corridas de rua, a coisa é diferente. Nelas, o único e verdadeiro adversário a ser derrotado atende pelo nome de personal best.
Ou seja: corremos não contra o cara ao lado e nem por um lugar no pódio. Nenhum corredor, fora os profissionais, espera chegar entre os primeiros. Alguns dos maiores corredores amadores que conheço nunca chegaram a ficar entre os 200 melhores de uma prova importante. Um cara que corre a 4min30s/km — que, para mim, é um monstro sagrado — dificilmente terminará entre os mil primeiros da São Silvestre. Na Maratona de Nova York, ele deve chegar atrás de 5 mil caras. De forma que ninguém se preocupa com a posição em que chegou. Nossa única preocupação é o tempo com o qual fechamos a prova. E por que esse tempo é importante? Ora, porque vamos compará-lo com o nosso personal best.
O personal best é o nosso maior amigo e o nosso grande inimigo. É nossa inspiração e, ao mesmo tempo, nossa frustração. Representa o orgulho do que fizemos e a vergonha da marca que jamais poderemos voltar a atingir. É como uma mulher lindíssima, oferecida e cruel, que nos dá bola, mas na hora “H” nos chuta para escanteio. Ao mesmo tempo que nos motiva a conquistá-lo, o desgraçado do personal best nos frustra a cada vez que não o conquistamos. E, se temos a sorte de derrotá-lo, a alegria durará muito pouco: só até a próxima prova, só até o próximo treino, quando o recorde da semana anterior voltará a ser a marca a ser batida, aquela que pode permanecer inatingível por muitos anos — e talvez por toda a vida.
O personal best pode ser um competidor cruel, quase injusto. Quando corro uma prova de 10 km, eu a disputo com um tal de Marcos Caetano, parecidíssimo comigo, só que com 38 anos de idade, enquanto eu tenho 49. Sim, meu recorde nessa distância foi atingido num dia de inverno e chuva fina, na tradicional prova dos 10 km do Centro Histórico de São Paulo, no distante ano de 2003. Desde então, prova após prova, ano após ano, eu luto para derrotar aquele desgraçado — que sou eu mesmo. Assim é o personal best, e por isso eu o amo e odeio tanto, ao mesmo tempo.
Eu sei que o Marcos Caetano de 2003 era muito mais jovem, tinha passado por menos contusões e tinha a seu favor o vigor da idade, o clima frio e úmido, ideal para correr, e o quilômetro final da prova, todo na descida. Por outro lado, o Marcos Caetano que está martelando as teclas do computador neste exato momento sabe bem mais da vida, tem maior volume de treinos, mais experiência e muito mais fé em si mesmo.
Um dia, não sei quando nem onde, eu hei de vencer aquele carinha prepotente de 38 anos. Um dia eu acabo com a raça do tal do personal best. Um dia. Ele não perde por esperar.
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