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Outra visão do alongamento

O alongamento ainda gera muitas dúvidas, confusões, amigos e inimigos o tempo todo pela falta de pesquisas que demonstrem algum consenso sobre sua eficiência ou necessidade em atletas amadores e profissionais. Mas de qualquer forma, é sempre bom ter outros pontos de vista, para que tenhamos mais informações e tiremos nossas próprias conclusões.

Alongar significa colocar um tecido em tensão, na tentativa de aumentar seu comprimento em uma direção desejada. Quando tratamos de um músculo, não podemos pensar que vamos aumentar seu comprimento, mas sim, aumentar o seu relaxamento (mesmo que naturalmente, quando ele relaxa, ele realmente aumenta de comprimento). O músculo não alonga nem encurta. O certo seria dizer que ele contrai e relaxa. Quando achar que um músculo está “encurtado”, pense que ele está contraído (não 100%, apenas uma parte de suas fibras) e, por isso, mais tenso e rígido. Da mesma forma, em um músculo “alongado”, pense que ele está relaxado e por isso, mais solto.

Mas o que leva um músculo a ficar contraído? Naturalmente, eles foram feitos para contraírem e gerarem tensão. O que acontece são casos (bem frequentes) de músculos que possuem uma tarefa aumentada, pela fraqueza ou mal uso de outros músculos próximos. Quando um músculo não faz sua função corretamente, um outro que está próximo acaba sendo recrutado, realizando uma tarefa dupla. Por exemplo, temos vários músculos que esticam o joelho. Se um deles não estiver bom, os outros farão mais força para compensar este que não está bem. Naturalmente isso vai gerar uma contração maior em alguns deles, deixando-os mais contraídos (“encurtados”). Neste caso, é difícil dizer que o alongamento destes músculos vai resolver o problema. Pode ser que gere um alívio da tensão momentaneamente, mas enquanto estas forças não forem equilibradas, esta contração aumentada vai voltar todas as vezes que os músculos forem utilizados, necessitando sempre do alongamento.

Outro componente que aumenta a tensão muscular é a dor. A dor gera, como um mecanismo de proteção natural do corpo, uma contração muscular local. Por isso, as pessoas com dores crônicas tendem a ser mais “encurtadas” que aquelas que não possuem nenhum sintoma. Existem muitos casos, por exemplo, de dores na coluna lombar, que afetam a musculatura posterior dos membros inferiores. Nestes casos, a coluna fica tão tensa e dolorida, que por meio da comunicação física (inclusive neural) existente entre os músculos posteriores do corpo, até a panturrilha fica mais contraída que o normal, gerando tendinites e fascites, inclusive na sola do pé! Em outros casos, esta tensão sobe e gera problemas no pescoço e nos ombros. Ou seja, o corpo vai se contraindo de acordo com a intensidade da dor e o alongamento, realmente, traz benefícios imediatos, mas não trata a causa dos problemas, novamente.

É válido citar casos onde o alongamento pode ser prejudicial também. Se considerarmos que um músculo fica mais tenso por algum motivo, é possível entender que ao tentar relaxá-lo, estamos indo contra a vontade, contra o mecanismo de compensação e defesa de nosso corpo. São os famosos exemplos de dores nos pescoços, onde as pessoas resolvem alongar a musculatura cervical e sentem piora das queixas na cabeça e ombros. O que acontece são dois componentes. O primeiro é que ao alongar, a pessoa tenta reduzir a tensão muscular que estava aumentada, mas que de certa forma estava protegendo o pescoço, deixando-o ainda mais vulnerável e dolorido. E a segunda, por tensionar um músculo já muito rígido e contraído, deixando-o mais sensível ainda e piorando a dor no pescoço. Neste caso, o ideal seria avaliar as causas (postura, ergonomia, instabilidades de ombro, oclusão, etc.) desta contração forçada no pescoço e tratá-la.

Nota-se, então, que para melhorar a flexibilidade do corpo, é preciso fortalecer e melhorar a função dos músculos menos ativos e controlar as dores. E neste momento a gente se pergunta: “Quer dizer que alongar não é importante?”. Particularmente eu acredito que apesar destas explicações, alongar é sim, importante, mas pensando em outra estrutura: a fáscia. A fáscia é um tecido flexível que recobre quase tudo no nosso corpo, desde os ossos e órgãos até tendões e músculos. Quando a fáscia está muito aderida, a estrutura que ela envolve pode ficar comprometida quanto a sua função. A circulação sanguínea fica alterada, o peristaltismo intestinal pode ficar reduzido, a sensibilidade da pele alterada, entre outras modificações. Por isso, o alongamento global (do corpo todo) pode trazer benefícios em outros aspectos, principalmente, em pessoas que passam horas do dia em posições fixas como por exemplo, sentadas em frente ao computador, encurtando as fáscias da região anterior do tronco.

Para finalizar, acredito que devemos prestar atenção aos sinais que o nosso corpo costuma mostrar. Sentir dores não é normal. Sentir limitações de movimento, também não. Sentir necessidade de se alongar o tempo todo, também não acho normal. Mas, se você se sente muito bem ao se alongar, continue alongando. E do contrário, se você não se sente bem depois do alongamento, evite-o. Agora, se você nunca se alongou, experimente uma vez, para ver como se sente. E por fim, se você não acredita em nada disso e não quer nem experimentar, sem problema! Talvez, seja um sinal de que você não precisa.

Marcel Sera

Fisioterapeuta, palestrante e atleta amador! A ideia, aqui, é explicar como usamos e o que acontece com o nosso corpo em cada situação, ação e emoção de nosso dia-a-dia. Correr é uma terapia e minha fonte de inspirações para compartilhar o conhecimento de forma simples e objetiva para todos os interessados. Sugira, critique, questione, treine e corra à vontade!

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Marcel Sera

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