Eu já corri com piriri, e foram meus melhores 10 km. Já corri com enxaqueca, com o cérebro escorrendo pela orelha. Já corri com o top frouxo, e aí foi peitola-no-queixo, peitola-no-umbigo, bem ritmado, que alegria. Já corri sem vontade. Corri em meio a uma crise de insônia. E numa estrada coalhada de cachorros que me seguiram. Já corri com cãibra na sola do pé uma maratona quase inteira. E corri com filho doente. Com sol senegalês na testa, sem boné nem óculos, na praia. Só gabia uma coisa que não me deixava correr, fora a lesão. A preguiça.
A preguiça é a mãe do demônio, ela te trava, te estatela na cama, te gruda na lanchonete como se imã fosse. A pior parte é que você constata que está com ela e não consegue fazer nada. Porque às vezes você está cansado e só descobre seu estado no km 2. A preguiça, não. Ela te avisa com antecedência e vem crescendo até a hora do treino. Aí, fio, ela já virou um Godzilla na sua vida, cuspindo fogo no seu traseiro e dando gargalhadas. E você se entrega sem forças para o contra-ataque. Quando a preguiça chegar, você só tem duas saídas:
Treino perdido para um corredor tem peso 5 no arquivo “Dor na consciência”. Só como base de comparação, a média de sentimento de culpa de uma mãe fica em torno de 3. Haha.
Como você faz isso? Um método eficaz, dizem os cientistas, é o da recompensa. “Se eu fizer este treino, me dou uns chopinhos e quatro pastéis na hora do almoço.” “Terminados estes 10 km, me dou um tênis novo.” Vale qualquer coisa que tenha valor para você, claro. Qual é a lógica? É tirar o foco do treino e mirar no que você vai ganhar dali a pouco. Parece bobo, mas a cabeça da gente nada mais é do que uma criança mimada. Coloque-a em seu devido lugar.
Muitas vezes a preguiça nem é sua, é dos outros. Outro dia, eu ia treinar 25 km. Me sentindo a rainha do asfalto, avisei meu mini me (meu filho, para os que ainda não estão familiarizados), que fez uma só pergunta: “Por quê?”
Se eu paro para pensar, não vou, porque não tenho resposta e ele tem razão. A corrida não me dá grana nem presentinhos. Alás, ela me faz levantar às 5h30 da manhã de um sábado, me tira o fôlego subindo uma montanha, me faz passar ódio em provas mal organizadas e me dá vontade de vomitar no final de uma meia-maratona. Me deu amigos? Alguns, mas tem muita gente chata correndo também.
Acontece, porém, que sem ela eu perco um pedaço de mim. Fico sem assunto e com pança. Minha criatividade vai pro saco, bem como minha paciência. Então, só com estes quatro argumentos (assunto, pança, criatividade e paciência) eu aprendi a lidar com a minha preguiça. Não vou mentir para você: vez ou outra ela aparece com força, linda como Scarlett Johansson, ou pelado como um Paulo Zulu. Olho bem pra cara dela e digo: hoje não, querida. Tenho uma pança para cuidar. Faço votos que você derrote sua Scarlett ou seu Zulu também.
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