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Em 2015, o britânico Christopher Clive Froome realizou testes em laboratório para determinação do seu máximo desempenho. Os testes foram realizados uma semana antes da Vuelta a España de 2015 e 22 dias depois de ele ter ganho seu segundo título do Tour de France. A idade de Froome na época era 30 anos. Ele procurou cientistas para realização dos testes e pediu que os resultados fossem divulgados em alguma revista científica especializada, com livre acesso. O artigo, intitulado “The physiological profile of a multiple Tour de France winning cyclist”, com autoria de Bell e colaboradores, está publicado no volume de Janeiro de 2017 da revista científica Medicine and Science in Sports and Exercise.
O que os testes revelaram? Que Chris Froome parece ser único. No dia do teste, ele tinha massa corporal de 70,8 kg e percentual de gordura de 9,5 %, isso em 1,85 m de altura. A maior parte da gordura corporal (que era pouca, é verdade) se concentrava no tronco, depois nas pernas, e por último nos braços. Froome foi avaliado utilizando uma técnica com maior precisão na determinação da composição corporal (DEXA). Mas o mais importante foi ele ter relatado que nas três semanas antes do teste (ou seja, logo após vencer seu segundo Tour de France) ganhou entre 3 e 4 kg de massa corporal. Logo, é possível que parte desse ganho de massa corporal seja representado por aumento na gordura corporal, já que relatos anteriores descreveram ciclistas com 5% de gordura corporal.
O pico de consumo de oxigênio foi de 5,91 L/min, o que, considerando a massa corporal no dia teste, resulta em 85 mL/kg/min. Por curiosidade, reparem no texto anterior daqui do blog, no qual falei sobre o espanhol Miguel Induráin, e relatei que o consumo máximo de oxigênio dele já aposentado, em valores absolutos, era de 5,29 L/min, e em termos relativos de 57,4 mL/kg/min. O consumo máximo de oxigênio de Froome confirmou a hipótese de que ciclistas de longas distâncias apresentam grande capacidade aeróbica. Mas, hoje já se sabe também que nem só de um alto consumo máximo de oxigênio se faz um ciclista campeão.
Além de ser muito bom nas subidas e nas longas distâncias, Chris Froome gosta de dar trabalho aos adversários também em etapas contrarrelógio (crono). Nesse caso, é importante analisarmos a produção de potência dele. O pico de potência produzida (valor máximo sustentado por 30 segundos durante o teste) foi de 525 W. Isto reflete uma razão potência-massa, ou potência relativa à massa corporal, de 7,5 W/kg. Se olharmos o valor absoluto de potência máxima, a capacidade de Chris Froome é consideravelmente maior do que o observado para ciclistas competitivos de nível internacional (em torno de 445 W), mas está abaixo do observado para outro vencedor do Tour de France, o espanhol Miguel Induráin (572 W), e para ciclistas Pro Tour testados em protocolo similar (585 W).
Interessante pensar sobre a origem do desempenho de Chris Froome no contrarrelógio, onde a potência é um dos principais determinantes. Fica fácil entender se considerarmos a potência relativa de Froome. Os 7,5 W/kg produzidos por ele estão entre os maiores já relatados para um ciclista até hoje. Só não podemos dizer que é o maior porque há um relato de 7,84 W/kg produzidos por um grupo de ciclistas europeus. Contudo, esse grupo não teve a massa corporal mensurada no dia do teste. A medida considerou o relato dos atletas sobre sua atual massa corporal. Além disso, na concentração de lactato do OBLA (expliquei sobre o OBLA no texto anterior, sobre a aposentadoria de Miguel Induráin, confere lá), a potência relativa de Froome foi de 6,4 W/kg, sendo este o valor mais alto reportado para um ciclista até hoje, e bem superior aos 5,7 W/kg antes descrito na literatura para ciclistas de altíssimo nível competitivo.
Antes dessa avaliação, Chris Froome relatou ter feito teste parecido apenas em 2007 (8 anos antes). Na ocasião, sua massa corporal era de 75,6 kg, ou seja, 4,8 kg maior que no dia do teste em 2015 e quase 8 kg a mais do que a massa corporal que Froome relatou durante o Tour de France em que ganhou seu segundo título (67 kg). Isso significa uma redução de aproximadamente 10,5% na massa corporal. Em 2007, seu percentual de gordura era de 16,9%, e na avaliação mais recente foi de 9,5%, o que é uma diferença substancial, ainda que as técnicas para determinar o percentual de gordura tenham diferido entre as duas avaliações. Isso refletiu nos 525 W produzidos por Froome, maiores que os 540 W relatados em 2007, tanto em valores absolutos, quanto relativos (7,5 W/kg contra 7,1 W/kg em 2007).
O que os dados de Chris Froome nos ensinam é que o ciclista de alto nível vai ter uma massa corporal total com pouca gordura e muita massa muscular (massa magra), pois a quantidade de massa muscular vai afetar a capacidade de produção de potência. A menor massa corporal total vai melhorar a razão potência-massa, chamada também de potência relativa, que é um dos principais determinantes do desempenho nas competições. Talvez seja esse um dos fatores determinantes para o treinamento de ciclistas cada vez mais considerar rotinas de treino fora da bike. Mas isso será discutido em posts futuros.
Leituras sugeridas:
Bell PG, Furber MJ, Van Someren KA, Antón-Solanas A, Swart J. The physiological profile of a multiple Tour de France winning cyclist. Medicine and Science in Sports and Exercise. 2017;49(1):115-123
Clark RR, Kuta JM, Sullivan JC. Prediction of percent body fat in adult males using dual energy x-ray absorptiometry, skinfolds, and hydrostatic weighing. Medicine and Science in Sports and Exercise. 1993;25(4):528-35
Nimmerichter A, Eston RG, Bachl N, Williams C. Longitudinal monitoring of power output and heart rate profiles in elite cyclists. Journal of Sports Sciences. 2011;29(8):831- 40.
Padilla S, Mujika I, Angulo F, Goiriena JJ. Scientific approach to the 1-h cycling world record: a case study. Journal of Applied Physiology. (1985). 2000;89(4):1522-7
Lucia A, Hoyos J, Perez M, Santalla A, Chicharro JL. Inverse relationship between VO2max and economy/efficiency in world-class cyclists. Medicine and Science in Sports & Exercise. 2002;34(12):2079-84
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