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No papel, os corredores formam uma classe única de pessoas com muitas características em comum. Uma espécie de grupo quase uniforme, no qual quem vê um, vê todos. Na prática, não é nada disso. Sim, os corredores usam tênis, suam bastante e saem trotando por aí. Mas as semelhanças entre eles não vão muito além dessas. Há os que treinam todo dia e os corredores de fim de semana. Há os que correm por diversão e os que encaram tudo como uma questão de necessidade. Há os que amam e os que odeiam esteira. Mas, acima de tudo, há dois tipos bem distintos de corredor: os chamados sprinters e os fundistas. As diferenças entre eles são tão abissais que chego a pensar se praticam, de fato, o mesmo esporte.
Os sprinters são os apressadinhos. Gostam de correr pequenas distâncias na maior velocidade possível. Os fundistas são os resistentes. A velocidade para eles também é importante, mas nada que se compare com o volume de quilômetros percorridos. O sonho de todo sprinter é correr 100 metros abaixo de 10 segundos. Para os fundistas, a realização maior são os 42 km. Conquistada a primeira maratona, eles querem acumular mais uma. E mais uma, e outra mais. Até que chega o dia de sonhar com ultramaratonas. Como a Comrades, na África do Sul: 90 quilometrozinhos básicos. Um ano essa prova terrível é na descida; no outro, na subida. E querem saber quando o número de inscrições é maior? Quando a prova é na subida. Porque cascudo que é cascudo quer correr do jeito mais difícil. Esse é o espírito do verdadeiro fundista.
Fisicamente, as diferenças entre sprinters e fundistas são ainda mais gritantes. A perna de um típico corredor dos 100 metros rasos equivale ao tronco de um maratonista, cujos cambitos são finos como os de um gafanhoto. Bolt, claro, é uma exceção à regra. Explosão é tudo, ou quase tudo, para um sprinter. Seus músculos têm que trabalhar intensamente e por pouco tempo. Já os fundistas precisam mais de pulmão e de coração do que de pernas. Animais diferentes, garra igual. As duas grandes estirpes de corredores merecem igualmente o nosso respeito. Mas a verdade é que nós, típicos corredores de rua, acabamos nos identificando mais com os fundistas.
O corredor de rua é, por definição, um fundista, embora muitos sejam metidos a sprinters — e é assim que acontecem as contusões. E ser fundista não é um mau negócio. Apesar de cruzarem a linha de chegada com uma cara muito mais arrasada do que os sprinters ganhadores das provas curtas, eles podem correr a vida toda. Ninguém continua sprinter depois dos 40 anos, enquanto muitas pessoas começam a correr longas distâncias justamente com essa idade. Inclusive os sprinters que se aposentam…
(Coluna publicada na Revista O2 – edição #118 – fevereiro de 2013)
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