Já parece batido dizer, mas é indiscutível: estão cada vez mais escassas a quantidade e a qualidade de tempo de que dispomos para estar um com o outro — ou seja, para a intimidade sem interferência de celulares, e-mails, televisão ou qualquer outro instrumento que seja lançado entre eu escrever essa coluna e ela ser publicada. Isso leva a um isolamento. Mesmo conectados em redes sociais, somos cada vez mais reclusos nos nossos pensamentos e sentimentos. No triathlon, isso já é diferente.
Assisti uma vez a palestra de uma artista plástica que expõe em suas obras momentos de intimidade entre pessoas de diversos segmentos sociais, captados nas décadas passadas. Nesse tempo, era bem mais comum alguém passar horas a fio na companhia de outra pessoa, fosse na beira da praia, em um café ou mesmo dentro de casa, sem que nada tirasse a atenção um do outro. Isso me fez pensar em nós, triatletas.
No meio do discurso da tal artista plástica, me dei conta de que essa relação muito próxima entre pessoas é uma das melhores coisas das amizades que fazemos no esporte. Principalmente no triathlon. Afinal, se marco de correr 30 km com um parceiro de treino, é provável que passe mais de duas horas na companhia dele sem que haja nenhuma outra distração além do asfalto ou da trilha passando pelos nossos pés. Esse tempo é, sim, um tempo de contemplação e intimidade. Ninguém vai atender o celular ou olhar o Facebook. Não tem televisão e, de preferência, seu colega de corrida não vai escutar música enquanto corre ao seu lado. Por isso — além do fato de “sermos da mesma tribo” —, as relações entre aqueles que treinam triathlon juntos são tão sólidas e humanas.
Ser íntimo não significa conversar horas a fio, saber toda a vida um do outro ou ouvir tudo o que o colega fez na semana. Intimidade significa também ficar ao lado em silêncio quando o aumento no ritmo da corrida, ou a inclinação da montanha, já não mais permitem que se faça força e converse ao mesmo tempo.
Ao decidir se preparar juntos para um desafio, os atletas passam a compartilhar — além de um objetivo em comum — os mesmos horários e trajetos. Nas conversas ao longo dos treinos, realmente podemos escutar o outro, sentir o que o outro está sentindo. O mais bacana nisso tudo é que, em grande parte, são pessoas que nunca teríamos a oportunidade de conhecer se não fosse pelo treinador ter nos apresentado, marcando o treino em um horário e local comuns. Daí outro grande ganho do esporte, que é saber lidar com as diferenças. Afinal, treinar meses a fio com uma pessoa com quem não se tem afinidade aparente, mesmo que seja um “mala sem alça” ou um “chato de galochas”, também ensina sobre respeito e tolerância, valores caros a uma sociedade que se diz democrática. É por isso que as amizades que fazemos no esporte são tão fortes.
Mesmo que nos afastemos do grupo por um tempo, aquela continua sendo a nossa tribo. As pessoas com quem nos relacionamos ao longo de um treino marcam nossas vidas, por terem dividido momentos de profunda intimidade conosco, estejamos calados, esbaforidos ou em um assunto sem fim. Estar presente lado a lado é marcante e humano. É bom esse tal de triathlon!
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