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O jornalista e radialista Ricardo Capriotti não gosta de caminhar em provas. Na vida, não tem sido diferente. Sempre com passadas firmes, Capri se consagra como uma das vozes mais conhecidas do rádio paulista, emplaca um programa vitoriosíssimo especializado em corrida de rua há mais de uma década e criou — vejam só — uma corrida absolutamente “espontânea” e desorganizada (no melhor dos sentidos) que leva seu nome.
Embora se autointitule corredor “pangaré”, Capriotti tem tempos consideráveis para um amador: 3h30min na maratona e 1h34min na meia — resultados obtidos depois dos 40!
Hoje com 53 anos, como todo corredor brasileiro das grandes cidades, tem corrido menos do que gostaria. Mas não desanima: “Vamos voltar a correr em grupo, a disputar maratonas, a nos aglomerar e nos abraçar ao final de uma prova”.
Sentindo muita falta da corrida?
Estou sentindo falta é de correr onde eu gosto de correr, que é no campus da USP, no Parque Villa-Lobos. Correr sem nenhuma preocupação na rua, saindo de casa, indo para onde eu sinto vontade de ir. Está me fazendo falta um sábado de manhã na USP, aquele ambiente, aquela atmosfera, todo mundo correndo feliz. Espero que a gente recupere isso rapidamente.
Há quanto tempo você não sai para correr na rua?
Na verdade, no início dessa pandemia, eu não saí para correr mesmo. E agora tenho saído esporadicamente, rapidamente aqui na rua. No começo, eu tinha muito claro para mim que não era para ninguém ir para a rua. Ninguém tinha que correr. Mas, com o passar do tempo, o próprio Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde acabaram sinalizando que é possível nesse período as pessoas se exercitarem, fazerem uma caminhada, saírem para correr um pouquinho. Outros países têm incentivado isso, inclusive a própria França.
Fiquei praticamente um mês sem correr, só fazendo o exercício de força, usando o próprio corpo. E aí, quando vi o João Gabardo (ex-secretário-executivo da Saúde) correndo na rua, então percebi que eu posso também. Corro entre 5h30 e 6h da manhã, horário em que sempre corri. Sempre acordei muito cedo e vou correr aqui no bairro, estritamente residencial. Corro meia hora na rua e volto para casa.
Os médicos sempre foram unânimes em afirmar que não tem problema você fazer uma caminhada, uma corridinha na rua — o que você não pode é aglomerar. Isso eu não faço: vou e volto sozinho, não encosto em nada, não cruzo praticamente com ninguém. É algo absolutamente tranquilo, que não me dá aquela sensação de “puxa, fiz algo errado, corri, encontrei com um monte de gente, aglomerei, saí tocando nas coisas”, correndo o risco de me contaminar.
Como você acha que o coronavírus afetou a corrida num espectro maior?
O corona está tendo um impacto gigantesco na indústria da corrida, principalmente para os organizadores de prova. É algo muito sério e que tem me deixado muito triste. É um segmento que emprega muitas pessoas. É caótico ver famílias dependendo disso e não poderem ter o sustento neste momento. Se apenas estivéssemos proibidos de correr na rua, estava tudo certo, segue a vida. Mas o problema é que muitas famílias que dependem disso não estão podendo trabalhar.
Como você imagina o futuro das corridas de rua?
Não estou vendo, em curto e médio prazo, corrida de rua no mundo. As autoridades da saúde entendem que aglomerar pessoas neste momento não é factível, não é viável. Corrida de rua é aglomeração, especialmente na largada, têm ali milhares de pessoas esperando o tiro. Tanto é que várias provas já estão sendo canceladas. Talvez o que a gente tenha sejam provas, especialmente as grandes maratonas, sendo disputadas exclusivamente por profissionais. Então, você tem ali a reunião de 100, 200 atletas de elite e faz uma prova com aglomeração bem menor, aí tudo bem.
Teremos CapriRun neste ano?
Está muito cedo ainda. A CapriRun é em dezembro, sinceramente não parei para pensar. Se não tiver segurança de que é possível reunir centenas de pessoas, te digo já que não vai ter. Sou um cara muito preocupado com as questões de segurança das pessoas que vão à CapriRun, porque a gente não tem ali ruas fechadas, nada disso. As pessoas chegam e a gente larga para correr 10 km. Jamais colocaria em risco a saúde de quem quer que seja.
Explique melhor para quem ainda não conhece o que é a CapriRun…
A CapriRun surgiu de uma brincadeira. Eu fiz a maratona de Buenos Aires em 2013, em outubro, e corri com uma fratura por estresse no terceiro metatarso do pé esquerdo. O dr. Gustavo Magliocca, meu médico, falou que eu teria de parar três meses para me recuperar.
Dois meses depois, ainda impossibilitado de correr, no finalzinho de dezembro, mandei uma mensagem para ele dizendo que não estava aguentando mais ficar sem correr, perguntando se não dava para dar uma corridinha mínima. Ele liberou meia hora bem leve. Era mais ou menos 25 de dezembro, por aí, finalzinho do ano. Estava com tanta vontade… Quer saber? Vou correr no dia 1º de janeiro, às 7h da manhã!
Fui para a Paulista, não tinha ninguém, evidentemente, 6h30 da manhã… Aí eu larguei do prédio da Fundação Cásper Líbero, número 900 e onde é a chegada da São Silvestre. Larguei ali. Fui até o final da Avenida Paulista até a Rua da Consolação e voltei. Aquela atmosfera, aquele dia, aquele lugar, tudo me chamou muito a atenção porque tinha o pessoal da limpeza, aqueles malucos da festa da virada, do Réveillon, muita gente bêbada, gente voltando de festa, gente dormindo na calçada e eu corri literalmente sozinho na Avenida Paulista, fechada para limpeza — corri sozinho.
Achei a experiência fantástica, eu sozinho na Paulista, aquela coisa toda. Relatei a experiência no programa Fôlego e alguns ouvintes mandaram mensagens: “Pô, Capriotti, vamos repetir no ano que vem”… E aí, em 1° de janeiro de 2015, às 7h da manhã eu estava lá com mais 15 malucos, mais meu amigo Paulo Galvão, companheiro jornalista, na bicicleta, dando um apoio pra gente. Deu um trajeto de 8 km.
Contei isso no programa novamente e a coisa foi aumentando. O fato é que este ano estávamos em 400 pessoas na Avenida Paulista e isso me causou até uma certa apreensão — mas o fato é que em seis anos, de 2014 a 2020, de uma pessoa passamos para 400 apaixonados pela corrida. É um crescimento que me preocupa muito — eu não sou e não quero ser organizador de corrida. O meu sonho seria que a prefeitura abraçasse a CapriRun, até como uma questão de turismo mesmo, poder vender — São Paulo é a única cidade do mundo que termina o ano correndo e começa o ano correndo: seria até um bom mote.
Agora, eu não gostaria de fazer nada cobrando, porque nasceu como uma brincadeira. Mas não quero ter a responsabilidade, ouvir “Ah, o Capriotti que organizou, ele é o responsável”. Quero ter a responsabilidade de ser alguém que difunde a modalidade, que quer levar essa sensação de alegria que a corrida proporciona. Mas não quero ter lucro ou prejuízo com a corrida, bem longe disso.
Por que você corre?
Corro porque a corrida é o meu momento de relaxamento. Por incrível que pareça, você relaxa no momento em que está correndo, fazendo força — eu levo os treinos muito a sério, sou “caxias” com treino. Quando estou correndo consigo pensar, ter ideias. Dizem que existe uma oxigenação maior no cérebro, talvez seja por isso. Não consigo ter ideias quando estou no trabalho, no trânsito ou tomando banho. Minhas melhores ideias vêm justamente quando estou correndo. Minha saúde hoje é muito melhor do que 21 anos atrás, quando comecei a correr. Hoje eu peso em torno de 74, 75 kg, e quando comecei a correr eu pesava 85, 86 kg. Ganhei músculo também.
Como a corrida entrou na sua vida?
Tenho um histórico com o esporte na infância, na juventude, na adolescência. Sempre pratiquei muita atividade física, joguei vôlei, basquete, beisebol quando criança, e, claro, futebol também. Sempre tive muita ligação com o esporte. Depois, quando se entra na faculdade, e depois no mercado de trabalho, você abandona tudo isso. Em 1999 fui operar as varizes. E o médico me recomendou caminhar meia hora por dia.
Comecei caminhando 30 minutos por dia e fui aumentando para 40, 50. Aí eu estava caminhando uma hora por dia e comecei a dar um trotezinho ali no parque. Quando vi, estava correndo meia hora direto dentro do parque — meia hora eu corria, meia hora caminhava. Desse trote para uma corrida contínua foi rápido e, quando já estava correndo na rua, saía de casa, ia correndo até o centro de Osasco, voltava, percorria mais um pedaço ali em outro bairro de Osasco. Quando percebi, estava correndo uma hora quase todo dia. Eu nem sabia que existia assessoria de corrida, nem que tinha prova de rua em São Paulo. Isso foi em 1999, final dos anos 1990. Eu corria sozinho pelas ruas de Osasco, a minha cidade, onde nasci e moro.
Qual é a sua rotina de treinamento?
Agora, com a coisa do coronavírus, tenho tentado fazer um treino funcional duas vezes por semana, usando o peso do corpo, e correr uma hora duas vezes por semana. E se der para encaixar mais um dia de treino funcional, eu faço. Normalmente, corro quatro vezes por semana e faço um funcional duas vezes por semana. Essa é minha rotina de treinamento.
Quais as principais provas que você fez?
Fiz três maratonas. Duas vezes Buenos Aires e uma vez a Maratona de Nova York. E tem uma meia-maratona que eu guardo com muito carinho também, que é a Meia de Jerusalém. Jerusalém é um lugar com uma energia impressionante. E não é nem pela questão religiosa. A atmosfera da cidade é diferente, única. Passei correndo por aqueles lugares históricos e a energia realmente impressiona. Gostaria de voltar lá um dia como turista para, com mais calma, estar naqueles lugares todos. Não é uma meia fácil, não, tem muita subida e descida. É uma prova dura, mas é uma coisa espetacular. Espetacular. É uma prova que eu recomendo.
Você é um corredor que gosta de correr rápido? Disputa uma prova para chegar vomitando ou é só curtição?
Eu gosto de me desafiar, sim, gosto de brigar com meu cronômetro. Sou um corredor pangaré; das três maratonas que fiz, a minha melhor marca é 3h30min40s, em Buenos Aires. Fiquei a 5 minutos do índice para Boston e a minha melhor marca na meia é 1h34min08s. Não sou um cara rápido, até pelo meu biotipo — tenho 1,90 metro de altura. Minhas marcas são modestas, mas comigo eu gosto de brigar. Se tiver de vomitar, eu vomito. Não caminho em prova, embora não recrimine quem o faça. Mas não gosto. Nunca caminhei em corrida nenhuma.
Na minha primeira maratona eu cheguei mal, estragado, mas não caminhei. É uma coisa minha, o meu entendimento com a corrida. Respeito quem vai devagar, gosta de correr de maneira recreativa. É corrida também, faz bem para as pessoas. Cada um tem sua compreensão da corrida e a gente precisa respeitar isso. A corrida é um esporte extremamente democrático, tem para todo mundo, você pode competir ou ir só pra curtir.
Conte sobre o programa de rádio Fôlego. Quantos anos no ar?
O Fôlego está desde 2008 no ar na rádio Bandeirantes. É um projeto que começou porque eu tinha ideia de fazer um programa na televisão em 2004 — eu já percebia ali na USP que existia um crescimento muito grande de pessoas chegando à corrida. Gravei um piloto em 2004, mas não aconteceu nada, não consegui emplacar em nenhuma emissora de TV.
Aí, em 2007, eu estava na TV Record e fui convidado para retornar à rádio Bandeirantes. Eu falei: “Eu volto, mas quero fazer um programa sobre corrida de rua”. O diretor da rádio quase caiu da cadeira. Como assim, corrida de rua, o que é isso? Expliquei e ele disse: “Ah, tá bom, tá legal”. Mas ficou só na conversa, não foi no papel. Ele me enrolou mais de um ano para colocar o programa no ar.
Quem não faz uma atividade física tem dificuldade de entender essa coisa de quem faz, acham que é maluco, desnecessário. Começamos com meia hora na programação, hoje temos uma hora, e é um sucesso, além de trazer para a rádio o público da saúde, da atividade física.
Qual é a importância de comandar um projeto tão pessoal?
Eu leio muito, procuro me informar sobre tudo, a toda hora, e são informações muitas vezes pesadas. Este é o cotidiano de jornalista: lidar com a notícia, nem sempre positiva. E o Fôlego me faz trabalhar com a notícia de uma maneira diferente. É algo bem mais leve, muito mais agradável, falar de saúde, de atividade física, de nutrição, de treinamento.O Fôlego me dá a possibilidade de impactar a vida dos ouvintes de outra maneira, levando notícias boas.
Nesses quase 12 anos de Fôlego, poxa, quanta gente já me mandou mensagem dizendo que emagreceu, começou a correr, a nadar, a fazer triathlon… É gratificante saber que o programa ajudou a mudar a vida de muitas pessoas. Eu me orgulho de ser jornalista.
Como você analisa a importância do jornalismo esportivo de corrida de rua?
A cobertura da corrida de rua é fundamental. As pessoas recebem informações qualificadas e é por meio do jornalismo que a gente atinge quem não é da corrida, quem não está no movimento e que pode chegar. Tem espaço para muita gente chegar ainda. Temos visto um crescimento muito grande da corrida de rua no Brasil e no mundo, mas tem espaço para crescer mais. Somos nós, que trabalhamos neste segmento, que vamos atingir essas pessoas e também os que já estão no momento, levando informação qualificada para toda essa gente.
O poder público trata bem o corredor?
Eu diria que o poder público vê o corredor como um cifrão. O organizador precisa pagar para realizar uma prova. E de onde vem o pagamento? Vem do corredor. O poder público não facilita nada para o organizador. Isso é uma questão comercial, capitalista, todo mundo ganha dinheiro. O organizador ganha seu dinheiro honestamente e o poder público enxerga aí uma maneira de colocar o dinheiro no cofre.
A questão dos parques, por exemplo, os principais parques estão o.k. Poderia ser melhor? Poderia. Mas dá para quebrar o galho. Agora, tem muito parque malcuidado, com mato alto, sem infraestrutura, sem banheiro. O parque que frequento em São Paulo, o Villa-Lobos, é estadual — tem mato alto, banheiros bem mais ou menos, assaltos. Dentro do parque estavam assaltando os ciclistas! É um negócio em que não dá para você acreditar. E tem segurança lá, tem vigilância. Poderia ser muito melhor se o poder público tivesse boa vontade em relação a isso.
Quem são os seus heróis na corrida?
Primeiro, são esses caras que tiveram as grandes conquistas pelo Brasil: Vanderlei Cordeiro de Lima, Marilson Gomes dos Santos. São heróis porque viver do atletismo no País, ter resultados, não é para qualquer um. Ninguém investe em atletismo no Brasil. Investem no futebol, depois um pouquinho no vôlei, no basquete, na natação, mas no atletismo?! Esses caras são verdadeiros gênios e sou fã deles. Já tirei fotos com eles, já entrevistei. Tieto os caras quando os encontro, acho que a gente precisa reverenciá-los.
Quando estou fazendo jornalismo, entrevistando, aí não, é meu trabalho, faço meu papel de jornalista. Faço, e se tiver que fazer uma pergunta mais dura, como já fiz para ambos, faço sem problema nenhum. Mas sou muito fã dos caras, acho que são verdadeiros heróis.
É uma pena que hoje a gente não tenha pessoas com capacidade de suprir essa lacuna, de ocupar o espaço desses caras. Temos bons maratonistas, como o Daniel Chaves, que é um cara que eu respeito muito, tem uma história de vida muito bacana. Mas um país com 210 milhões de habitantes não pode ter tão poucos esportistas, tão poucos fundistas. Poderíamos ter corredores espetaculares, com essa carga genética misturada, mas não surgem. Infelizmente a gente não tem um projeto de educação no País, nunca tivemos. É difícil acreditar que as coisas vão mudar.
Finalmente, uma mensagem para os leitores da O2.
Realmente estamos vivendo um período bem estranho, uma época completamente diferente. Mas vai passar e vamos voltar a ser o que fomos um dia. Talvez uma potência do ponto de vista econômico, pelo menos não em curto e médio prazo, mas a gente vai voltar a ser um país alegre, feliz. Vamos voltar a sorrir, a ter saúde, a pandemia vai passar, esse vírus vai ficar no ostracismo, uma vacina vai surgir e a gente vai ter que olhar adiante com nosso olhar de sempre, com nossa alegria de sempre, com a força que o brasileiro tem de se reinventar, de ressurgir.
Isso a gente vai ter que ter muito mais presente para recuperar a economia do País. Vamos conseguir recuperar a saúde. Lamentar as vidas perdidas, que poderiam ter sido evitadas, talvez, porque não são simples vidas que se perderam. São histórias de vida que perdemos por causa desse vírus. Não podemos minimizar essas vidas perdidas.
Precisamos sempre exaltar, principalmente aquelas da linha de frente, o pessoal da saúde, que está colocando a vida em risco. Tem muita gente, médicos, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, pessoal da maca, da segurança… Muitas dessas vidas já tombaram para ajudar a salvar outras vidas e a gente não pode minimizar essas perdas. Teremos de lembrar sempre dessas perdas como gente que lutou para dar a vida a outras pessoas. Mas isso vai passar, e vamos voltar a correr em grupo, a disputar maratonas, a nos aglomerar e nos abraçar ao final de uma prova.
Por Zé Lúcio Cardim
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